Negacionismo mata, cloroquina, emas: as frases de Pasternak e Maierovitch
A microbiologista Natalia Pasternak e o médico sanitarista Claudio Maierovitch estão sendo ouvidos hoje na CPI da Covid, no Senado Federal. Ambos são a favor de ações de enfrentamento da pandemia com base em evidências científicas, como o uso de máscaras, imunização em massa e o distanciamento social.
O depoimento dos cientistas acontece um dia depois de o presidente Jair Bolsonaro (sem partido), que frequentemente promove aglomerações, afirmar que o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, prepara um parecer para desobrigar o uso de máscara por quem já foi vacinado contra a covid ou quem já se infectou com o coronavírus, contrariando as recomendações de autoridades sanitárias.
Queiroga, porém, disse ser preciso que a vacinação avance para que o plano seja colocado em prática. Ele não deixou claro em que pé está o parecer. Parlamentares de oposição viram a declaração de Bolsonaro como cortina de fumaça e nova defesa da "imunidade de rebanho".
Durante o depoimento, Natalia Pasternak declarou que a cloroquina, medicamento que não possui evidência científica comprovada contra o vírus, só funciona quando testada em tubos de ensaio, destacando que o remédio já foi testado em animais e humanos e não funcionou no combate à doença.
A divulgadora científica ainda declarou que a cloroquina só não foi testada em emas "porque as emas fugiram", em referência a uma foto do presidente Bolsonaro, flagrado exibindo uma caixa de cloroquina para as aves que vivem no Palácio da Alvorada, em Brasília, em julho do ano passado. Frequentemente, o mandatário diz que toma e indica o uso do medicamento. A microbiologista ainda ressaltou a importância do uso de máscaras para evitar a disseminação da covid-19.
Já Claudio Maierovitch chamou o PNI (Plano Nacional de Imunização) — produzido pelo Ministério da Saúde — de "pífio" e criticou o modo como foi produzido o documento. O médico sanitarista ainda argumentou que Governo Federal tem tratado a população brasileira como "rebanho" ao propor a imunidade coletiva, ou seja, a contaminação de todos os cidadãos pelo vírus.
Em seus depoimentos, Natalia Pasternak e Claudio Maierovitch ainda compararam a cloroquina com a chamada pílula do câncer, sem eficácia contra a doença.
Veja as frases de Natalia Pasternak e Claudio Maierovitch na CPI da Covid:
Cloroquina e emas
Esse foi um estudo muito completo, publicado também no meio do ano passado, onde foi avaliada a ação da cloroquina nas células genéricas, nas células do trato respiratório, em animais, em combinação ou não com [o medicamento] azitromicina, de todas as maneiras que os senhores podem imaginar: foi uso profilático, foi uso profilático pós-exposição, que é o tratamento precoce, é logo que a pessoa ou o animal é exposto, foi para casos leves, foi para casos graves, cobriu tudo.
[A cloroquina] Não funciona em células do trato respiratório. Não funciona em camundongos, não funciona em macacos, e também já sabemos que não funciona em humanos. Senhores, a cloroquina já foi testada em tudo. A gente testou em animais, a gente testou em humanos. A gente só não testou em emas porque as emas fugiram, mas, no resto, a gente testou em tudo, e não funcionou.
Natalia Pasternak, em referência a uma foto tirada em julho de 2020 quando Bolsonaro foi flagrado exibindo uma caixa de cloroquina para as emas que vivem no Palácio do Planalto
(...)
A primeira coisa que a gente tem que ver é se existe plausibilidade biológica. Existe um mecanismo celular? Existe um mecanismo biológico que esse fármaco pode agir nessa doença? Ele pode impedir a entrada do vírus na célula? Ele pode impedir a replicação do vírus? O que ele pode fazer? No caso da cloroquina, infelizmente, ela nunca teve plausibilidade biológica para funcionar.
O caminho pelo qual ela bloqueia a entrada do vírus na célula só funciona in vitro, em tubo de ensaio, porque, nas células do trato respiratório, o caminho é outro. Então, ela já nunca poderia ter funcionado.
Natalia Pasternak
Imunidade de rebanho
Não somos rebanho. (...) Rebanho se aplica a animais e fomos tratados dessa forma. Acredito que a população brasileira tem sido tratada dessa forma ao se tentar produzir imunidade de rebanho à custa de vidas humanas. Infelizmente, o governo brasileiro se manteve na posição de produzir imunidade de rebanho com essa conotação toda para nossa população ao invés de adotar as medidas reconhecidas pela ciência para enfrentar essa crise.
(...)
As pessoas estão entrando numa ansiedade, quer dizer: 'Eu quero ter essa doença logo porque aí eu não tenho mais que pensar nisso, eu vou ficar protegido'. Mas essa é uma atitude que, se a gente olhar do ponto de vista racional, é uma atitude suicida. Então, elas estão sendo impelidas a desejos suicidas, ainda que não tenham a consciência de que são desejos suicidas. Acho que isso é gravíssimo!
(...)
No caso da covid-19 só é possível atingir esta imunidade com vacinação. O cenário que se atinge com esse tipo de imunidade pelo rumo natural da doença implica numa quantidade tão grande de doentes e mortos que não seria sequer eticamente aceitável alguma proposta deste tipo.
Claudio Maierovitch
'Negacionismo mata'
Isso [incentivar o uso de cloroquina] é negacionismo, senhores. Isso não é falta de informação. Negar a ciência e usar esse negacionismo em políticas públicas não é falta de informação, é uma mentira e, no caso triste do Brasil, é uma mentira orquestrada, orquestrada pelo governo Federal e pelo Ministério da Saúde. E essa mentira mata, porque ele leva pessoas a comportamentos irracionais, que não são baseados em ciência.
Isso não é só para a cloroquina. A cloroquina aqui é apenas um exemplo. Isso serve para o uso de máscaras, isso serve para o distanciamento social, isso serve para a compra de vacinas que não foi feita em tempo para proteger a nossa população. Esse negacionismo da ciência perpetuado pelo próprio governo mata.
Natalia Pasternak, sobre o incentivo ao uso de medicamentos contra a covid sem eficácia comprovada
Plano Nacional de Imunização
O plano de imunização que tivemos é um plano pífio, é um plano que não entra nos detalhes necessários para um plano de imunização que deve existir no país. Não tivemos, por exemplo, critérios homogêneos definidos para o Brasil inteiro, de forma que ficou a cargo de cada estado e de cada Município definir seus próprios critérios."
O que pode parecer democrático, um sistema descentralizado, mas, frente a uma epidemia dessa natureza e com a escassez de recursos que temos, isso deixa de ser democrático para produzir iniquidades, na medida em que é difícil para os gestores locais ou mesmo para os estaduais gerenciar diferentes expressões e diferentes critérios pra adoção de prioridades pra vacinação."
Claudio Maierovitch na CPI da Covid
Pílula do câncer
Eu queria lembrar apenas um exemplo que nós vivemos no Brasil há poucos anos, que foi o da fosfoetanolamina, que traz uma memória triste para nós, inclusive, porque foi crescendo um clamor difuso na sociedade. (...) Acabou sendo aprovado um projeto de lei de autoria do então deputado Jair Bolsonaro, propondo a obrigação do governo em fornecer a fosfoetanolamina para câncer, que não era sequer um medicamento.
Era uma substância produzida num laboratório da Universidade de São Paulo em São Carlos, que não tinha sido produzida originalmente com a finalidade de ser medicamento e que depois se provou realmente não ser um medicamento. E esta lei foi derrubada pelo Supremo Tribunal Federal, porque achou que não cabia uma lei para a incorporação de um medicamento específico.
Claudio Maierovitch
(...)
A fosfoetanolamina gerou um clamor popular tão grande, que acabou custando aos cofres públicos do estado de São Paulo R$ 10 milhões para que ela fosse, então, testada devidamente, em testes clínicos controlados, como os que expliquei aqui, porque ela nunca tinha, até então, sido testada.
Estamos gastando dinheiro público promovendo esses medicamentos e enviando esses medicamentos para os municípios, sem que haja comprovação de sua eficácia. Ou melhor: já foi comprovado que eles não funcionam e não têm direcionamento para essa doença. Então, é um grande desperdício também dos recursos públicos.
Natalia Pasternak
Mortes evitadas
Em relação ao número de mortes que poderia ter sido evitadas é muito difícil falar em números. A gente tem o mínimo que poderia ter sido evitado, cálculo feito pelos epidemiologistas da Universidade Federal de Pelotas, de que caso tivessem sido fechados acordos mais precocemente com o Instituto Butantan com a Pfizer teríamos evitado algo em torno de 80 a 90 mil mortes no país, sem nenhum outro tipo de ação.
Certamente, se tivéssemos tido alguns períodos de confinamento, uma boa campanha de comunicação, medidas no campo da economia, no campo social, adotadas tempestivamente de forma coordenada, teríamos um número de mortes muito menor. Não sei se alguém já fez essa estimativa de forma científica, mas se a gente fosse pensar em grande números, em ordem de grandeza, é possível estimar que tivéssemos metade dessas mortes evitáveis.
Claudio Maierovitch
Uso de máscara
A gente só vai poder deixar de usar as medidas preventivas — as máscaras, o distanciamento físico e social — quando uma grande porção da população estiver vacinada e quando a curva nos disser que isso é seguro. Nós não temos que olhar nem o percentual de vacinados, nós temos que olhar o efeito dessa vacinação na sociedade.
Tudo isso em conjunto vai nos levar a um momento, no futuro, em que a curva da doença vai decair e vai permitir, então, que a gente relaxe as medidas de quarentena. Esse momento ainda não chegou. E, quando você tem o chefe da nação fingindo que esse momento chegou, isso confunde a população. Nós não precisamos de uma população confusa; nós precisamos de uma população esclarecida.
Natalia Pasternak
'Kit covid'
O 'kit covid', que inclui uma série de medicamentos que infelizmente estão sendo distribuídos para a população como tratamento precoce... Eles não têm nenhuma base científica que apoie o seu uso. (...) Eles podem ter, em conjunto, interações medicamentosas que podem ser nocivas para os rins, para o fígado, e podem, então, levar pessoas para a fila do transplante, como tem acontecido, infelizmente, com usuários desse 'kit covid'.
Natalia Pasternak
Um dos medicamentos que tem sido frequentemente incluído no chamado 'kit covid' é um antibiótico, um antimicrobiano chamado azitromicina. Isso, além do precedente, é um problema enorme para a saúde pública. Um desafio colocado já há tempos, mas particularmente no século 21, é a resistência de bactérias a antimicrobianos. Na medida em que esses antimicrobianos são distribuídos na forma de kits, nós teremos cada vez menos opções para tratar infecções bacterianas importantes.
Claudio Maierovitch
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