Ministros do STF rebatem PM do Rio sobre chacina; Fux diz esperar respostas
Ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) rebateram hoje a Polícia Militar do Rio de Janeiro, que culpou o tribunal por um aumento de lideranças criminosas em comunidades fluminenses. A declaração foi feita na últimana terça (24) pelo coronel Luiz Henrique Marinho, horas após a chacina que matou ao menos 23 pessoas na Vila Cruzeiro.
O decano do tribunal, ministro Gilmar Mendes, abriu as críticas e disse que a operação policial na Vila Cruzeiro foi "lamentável" e um "quadro extremamente preocupante" com autoridades "atribuindo a responsabilidade" ao Supremo.
"Todos nós fazemos votos para que esse quadro seja superado, mas sabemos, também, que se o Estado do Rio de Janeiro hoje goza de alguma saúde financeira, isso se deveu à parceria que se estabeleceu com este tribunal", disse Gilmar. "Em um momento tenso que nós vivemos, devemos contribuir para a superação da crise, e não para apontar culpados ou bodes expiatórios".
O ministro Edson Fachin pediu a palavra na sequência. Relator da ação que obrigou o governo fluminense a elaborar um plano para redução da letalidade policial, o ministro disse que subscrevia à declaração de Gilmar Mendes e que acompanha o caso com "preocupação".
"Este tribunal está entre as instituições que buscam soluções, e não apenas imputar responsabilidades", disse Fachin.
Ao falar na sequência, o presidente do STF, ministro Luiz Fux, afirmou que conversou com Fachin sobre o caso. Ontem, o ministro se reuniu com o procurador-geral do Estado do Rio para discutir o plano de redução de letalidade policial.
Em sua fala, Fux disse que quer evitar "polemizar" com a Polícia Militar fluminense, mas que aguarda respostas.
"Eu, tendo em vista, a posição que se encontra o STF, achei por bem não polemizar com a polícia militar. A Polícia Militar deve satisfações e eu estou aguardando essas satisfações", disse o presidente do Supremo.
PM culpou Supremo por restringir operações
Horas após a operação policial que resultou em 26 mortos na Vila Cruzeiro, o coronel Luiz Henrique Marinho, da Polícia Militar, tentou culpar o Supremo por restringir atuação policial nas comunidades fluminenses. Segundo Marinho, a PM constatou aumento de lideranças criminosas de outros estados no Rio.
"A gente começa a perceber essa movimentação, essa tendência de ligação com o Rio de Janeiro a partir da decisão do STF. Isso vem se acentuando nos últimos meses e essa tendência, esses esconderijos nas nossas comunidades são fruto da decisão do STF. A gente está estudando isso, mas provavelmente é fruto dessa decisão que limitou as ações das forças policiais do estado na comunidade", avaliou o coronel em coletiva de imprensa.
Em fevereiro, o STF obrigou o governo fluminense a elaborar um plano de redução da letalidade policial. A decisão foi proferida em ações que questionavam as mortes de civis decorrentes de ações nas favelas fluminenses - durante a pandemia, o ministro Edson Fachin suspendeu as operações.
Ao proferir o voto seguido pela maioria da Corte, Fachin disse que o Estado Democrático de Direito não permite "operações de vingança" e que o país não permite "execução extrajudicial e resistência seguida de morte".
"Quem acha que tem o poder de tirar uma vida, imagina que também tem para não tirá-la e por isso passa a negociar a vida. Quem faz operação autonomizada não é policial, é miliciano. E miliciano não pode ter lugar no Estado Democrático de Direito", afirmou o ministro.
A operação
A ação foi deflagrada pela Polícia Militar do RJ sob a justificativa de impedir o movimento de criminosos ligados ao grupo criminoso CV (Comando Vermelho) da Vila Cruzeiro para a Rocinha, na zona sul do Rio.
"Nesta madrugada, identificamos grande movimentação de elementos que controlam essa e outras localidades. Provavelmente essa movimentação seria para invasão a outra comunidade", disse coronel Luiz Henrique Marinho, em entrevista coletiva.
No entanto, a ação, embora planejada há meses, ocorreu em caráter "emergencial" e "não tinha como objetivo cumprir mandados de prisão", segundo o comandante do Bope, Uirá do Nascimento Ferreira.
Nas redes sociais, moradores da Vila Cruzeiro relataram tiroteios na região desde por volta das 4h (horário de Brasília) de ontem. Quase 20 escolas municipais situadas na comunidade não abriram as portas. Durante o dia, houve mais disparos.
A mulher de 41 anos que morreu é Gabrielle Ferreira da Cunha, que foi atingida por um tiro em sua casa, na Chatuba, favela vizinha à Vila Cruzeiro. Natan Werneck, 21, também foi baleado em meio à operação —ele chegou a pedir socorro por telefone após ser ferido, mas só foi resgatado seis horas depois, segundo advogados que chegaram a levá-lo a um hospital. Ele morreu a caminho da unidade.
O ouvidor da Defensoria Pública do RJ, Guilherme Pimentel, criticou a operação, dizendo que ações do gênero "jamais seriam toleradas em bairros nobres". Ainda ontem, o MPF (Ministério Público Federal) abriu um procedimento investigatório criminal para apurar condutas e possíveis violações cometidas por policiais na ação na Vila Cruzeiro.
O Ministério Público também abriu procedimento para investigar as "circunstâncias" das mortes e fixou prazo de dez dias para o comando do Bope enviar "procedimento de averiguação sumária dos fatos ocorridos durante a operação". O MP também disse que a ação policial foi autorizada após movimentação de criminosos do CV (Comando Vermelho) da Vila Cruzeiro para a Rocinha.
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