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Mourão mantém discurso divergente e irrita Bolsonaro: "Não ajuda"

Tânia Monteiro

Brasília

14/11/2020 12h30

O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) voltou a demonstrar irritação com o vice Hamilton Mourão (PRTB). Numa conversa no início da tarde de ontem, ele disse a auxiliares que o general da reserva não "ajuda" o governo.

Desta vez, o motivo da queixa foi uma entrevista em que Mourão avaliou que a vitória do democrata Joe Biden nas eleições americanas é cada vez mais "irreversível". Bolsonaro enfrenta pressão dentro e fora do Palácio do Planalto para admitir a derrota do aliado Donald Trump.

Nos últimos dias, presidente deixou explícita sua divergência com o vice por causa da divulgação de documentos do Conselho Nacional da Amazônia.

O órgão presidido por Mourão planejava desapropriar terras de desmatadores. Depois de Bolsonaro classificar a ideia como "delírio", os dois conversaram longamente anteontem e restabeleceram as pontes, segundo informaram pessoas próximas.

A trégua, porém, não durou 24 horas. A entrevista de Mourão na manhã de ontem à Rádio Gaúcha, de Porto Alegre, expôs novamente o mal-estar.

Na conversa de anteontem, Bolsonaro e seu vice tinham posto na mesa uma série de questões que tinham afastado os dois. Uma delas era uma suposta negociação que envolveria Mourão, o apresentador de TV Luciano Huck e o ex-ministro da Justiça Sérgio Moro para uma aliança em 2022.

A especulação se tornou mais intensa no Planalto após o ex-juiz da Lava Jato citar, numa entrevista ao jornal "O Globo", o nome do vice como um dos líderes do campo moderado. A relação entre Moro e o general sempre foi de cordialidade dentro do governo.

Por sua vez, Mourão ressaltou sua lealdade ao presidente. O general disse que não estava de olho em 2022 e não fazia tratativas com adversários do Planalto.

Ainda no encontro, Bolsonaro e o vice chegaram a concordar que há um movimento "diuturno" para "explodir" a relação entre eles. Ressalvaram, no entanto, que precisavam conversar, sempre, para acertar os ponteiros.

Um ponto de entendimento entre Bolsonaro e o vice é o que consideram o interesse do chamado "Gabinete do Ódio", ala ideológica do Planalto, em afastar um do outro.

Devido ao longo tempo da conversa, o presidente demonstrou surpresa com a decisão do vice de expor, horas depois, uma visão divergente sobre o quadro político americano —Bolsonaro não admite que a eleição nos Estados Unidos se encerrou, numa fidelidade ao aliado Donald Trump.

De nada adiantou Mourão ressaltar, na entrevista, que falava na condição de "indivíduo" e não representante do governo.

Ponte

Neste momento, Bolsonaro não pretende procurar Mourão para restabelecer a ponte que tinha acabado de ser reconstruída e ainda estava com o "cimento molhado", nas palavras de auxiliares diretos.

Em conversas, o presidente tem dito que não tem a intenção de repetir a chapa vitoriosa de 2018. Mourão, por outro lado, afirma que está focado na sua missão de vice-presidente e chegou a admitir que pode concorrer a uma vaga no Senado nas próximas eleições.

"Quando chegar a hora certa tomaremos a decisão que for melhor, não só para o país, mas para mim e minha família", afirmou Mourão ontem ao ser questionado sobre o assunto na entrevista à Rádio Gaúcha.

'Amor e ódio'

Bolsonaro conhece o temperamento de Mourão e sabe que o seu vice-presidente não evitará emitir opiniões pessoais, muitas vezes polêmicas, sobre os mais diferentes assuntos.

O presidente também tem consciência de que o general saiu em defesa dele e rebateu críticas a suas falas e seus discursos. Por isso, a aposta do Palácio do Planalto é de que essa relação será de "amor e ódio" até o fim do governo.

Com períodos de moderação e de explosões, o presidente já deixou claro que não abandona as redes sociais e é sensível à ala ideológica.

Integrantes do grupo com postos no Planalto e fora dele não se cansam de encaminhar, desde cedo, links de reportagens e comentários que alimentam a irritação do presidente. Foi o que ocorreu na quarta-feira passada.

Um Bolsonaro explosivo disse, numa cerimônia sobre a retomada do turismo, que o Brasil é um país de "maricas", referindo-se às pessoas preocupadas com a covid-19.

O destempero verbal continuou com uma ameaça a Joe Biden. Para o drama dos auxiliares, ele afirmou que, depois que acabar a "saliva", tem que ter "pólvora".

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

O governo Bolsonaro teve início em 1º de janeiro de 2019, com a posse do presidente Jair Bolsonaro (então no PSL) e de seu vice-presidente, o general Hamilton Mourão (PRTB). Ao longo de seu mandato, Bolsonaro saiu do PSL e ficou sem partido até filiar ao PL para disputar a eleição de 2022, quando foi derrotado em sua tentativa de reeleição.