Mortes no campo geram crise e processo de impeachment no Paraguai
As mortes em um conflito agrário na semana passada no Paraguai provocaram uma crise que levou o presidente, Fernando Lugo, a afirmar nesta quinta-feira que não renunciará ao cargo. O discurso em rede nacional ocorreu minutos depois da aprovação por ampla maioria na Câmara dos Deputados da abertura de um processo de impeachment contra ele.
"Não renunciarei ao cargo para o qual fui eleito pelo voto popular. Não interromperei um processo democrático e me submeterei ao processo político, como mandam as leis paraguaias, com todas as suas consequências, como indica a Constituição paraguaia", afirmou o presidente.
Os deputados aprovaram a abertura do processo de impeachment por 73 votos contra um em uma votação relâmpago também transmitida pelas televisões paraguaias.
O próximo passo será o julgamento do impeachment em si, pelo Senado, onde a oposição também tem maioria.
A situação política no Paraguai se deteriorou rapidamente após a morte, na última sexta-feira, de 18 pessoas, entre policiais e camponeses, em um confronto em uma fazenda em Curuguaty, no Departamento (Estado) de Canindeyú, próximo à fronteira com o Paraná.
Na rápida discussão sobre a instalação do processo político, parlamentares argumentaram que Lugo era o responsável pelas mortes. Outras versões sugerem que o grupo guerrilheiro EPP (Exército do Povo Paraguaio) poderia estar por trás das ações a tiros contra os policiais que entraram na fazenda do empresário e político paraguaio Blas Riquelme.
Os enfrentamentos geraram comoção nacional e provocaram a demissão do ministro do Interior, Carlos Filizzola.
Cúpula de emergência
O anúncio do processo de impeachment surpreendeu o país a nove meses do fim do mandato de Lugo. As eleições presidenciais estão marcadas para abril de 2013, e a Constituição não permite a reeleição presidencial.
A Unasul (União das Nações Sul-americanas) convocou uma cúpula de emergência dos presidentes da região. Em seu discurso, Lugo falou em perseguição política.
"A vontade popular expressada nas urnas em abril de 2008 (data da eleição de Lugo) está sendo alvo de ataques de misericórdia por parte de setores que sempre foram contra as mudanças e se opuseram a que o povo pudesse ser protagonista da sua democracia. O povo não esquecerá que se pretende interromper um processo democrático histórico a apenas nove meses das eleições gerais ", disse.
Lugo, um ex-bispo católico ligado a movimentos sociais, tornou-se em 2008 o primeiro presidente a quebrar a hegemonia de seis décadas do Partido Colorado no poder, incluindo os 35 anos do regime militar comandado por Alfredo Stroessner (1954-1989).
Surpresa
Ouvido pela BBC Brasil, o analista político e amigo de Lugo, Alfredo Boccia, que também é médico particular do presidente, disse que o pedido de impeachment surpreendeu a todos.
"Uma surpresa desagradável para o país, que vive um momento de recuperação econômica histórica e que vinha enfrentando seus piores problemas que são a pobreza e a desigualdade social", disse.
"Há comoção porque ninguém esperava uma ação assim. A maioria opositora no Congresso sempre foi um desafio para Lugo. mas ninguém sabe agora o que vai acontecer ", acrescentou.
Para Boccia, o Paraguai vive momentos de incerteza, mas a expectativa é de que o Senado decida sobre o afastamento do presidente nos próximos dias. Na opinião dele, como a oposição tem ampla maioria no Senado, o impeachment, se nada mudar, seria apenas uma formalidade.
Com pouco mais de 6 milhões de habitantes, o Paraguai tem uma trajetória política e economica marcada pelas incertezas e golpes militares. Segundo Boccia, a diferença é que desta vez o processo politico está previsto na Constituição.
A legislação prevê que o vice, Federico Franco, assuma o cargo caso seja aprovada a destituição do presidente. Franco é opositor de Lugo desde o rompimento da coalizão nos primeiros anos do governo.
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