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Presidente Lugo apresenta sua defesa em processo de impeachment nesta sexta

Do UOL, em São Paulo

22/06/2012 06h00Atualizada em 22/06/2012 08h56

Esta sexta-feira (21) será um dia decisivo para o presidente do Paraguai, Fernando Lugo, 61, que enfrenta um processo de impeachment por exercer o cargo de maneira “imprópria, negligente e irresponsável”, segundo a acusação. No início da tarde, sua defesa será apresentada diante do Senado constituído em tribunal. E, no final da tarde, ocorrerá a votação nominal que definirá o destino do presidente.

São cinco as acusações que embasam o pedido de impeachment de Lugo, sendo a principal delas sua alegada responsabilidade pela morte de trabalhadores sem terra e policiais em um confronto no último dia 15.

Ao meio-dia no Paraguai (13h de Brasília), o presidente deve comparecer ao Senado com seus advogados para responder às acusações. Ele terá duas horas para apresentar a sua defesa. Em seguida, acontecem outras duas sessões de uma hora cada. A primeira será destinada à apresentação de provas contra o presidente e a segunda, para as considerações finais da acusação e da defesa. Às 16h30 (17h30 de Brasília), o Senado deve votar se Lugo permanece ou não no cargo.

Após a abertura do processo de impeachment, o presidente fez um pronunciamento, transmitido em rede nacional de TV, afirmando que não renunciaria e que enfrentaria o julgamento. "Não renunciarei ao cargo para o qual fui eleito pelo voto popular. Não interromperei um processo democrático e me submeterei ao processo político, como mandam as leis paraguaias, com todas as suas consequências, como indica a Constituição paraguaia".

Depois do conflito da última semana, o presidente demitiu o ministro do Interior, Carlos Filizzola, e o chefe da Polícia, Paulino Rojas. Mas os aliados liberais de Lugo não gostaram da escolha do ex-promotor Rúben Candia Amarilla, ligado ao Partido Colorado, para ocupar a vaga no Ministério do Interior. Lugo negou que a escolha tenha sido feita em nome da legenda, disse que seu governo é pluralista e que a designação de Amarilla foi “a título pessoal”.

O presidente também anunciou que seria nomeada uma comissão para investigar as mortes, mas as medidas não apaziguaram os ânimos da oposição. Sem maioria parlamentar, Lugo ficou impedido de cumprir a plataforma de reformas anunciada durante a campanha eleitoral de 2008. Sua proposta de reforma agrária também não avançou por conta das dificuldades de acordo entre sem-terra e proprietários.

Em entrevista à rede de TV "Telesur", na noite desta quinta, o presidente acusou o pré-candidato do Partido Colorado Horacio Carter de estar por trás do pedido de impeachment. Disse ainda que se prepara com seus advogados para responder pessoalmente às acusações.

A equipe de defesa do presidente é formada por alguns de seus principais assessores e encabeçada pelo interventor do Instituto de Desenvolvimento Rural e da Terra (Indert), Emilio Camacho, que garantiu que o presidente promete respeitar a Constituição.

A vitória do ex-bispo em 2008 acabou com uma hegemonia de seis décadas do conservador Partido Colorado no país. Lugo é considerado o líder mais à esquerda que o Paraguai teve por décadas e faz parte de uma nova onda de esquerda que chegou ao poder em grande parte da América Latina na última década.

A próxima eleição está prevista para o ano que vem e há a expectativa de que o vice-presidente direitista Federico Franco, que tem feito críticas a Fernando Lugo, seja um dos candidatos.

Nesta quinta, ministros ligados ao Partido Liberal – o mesmo do vice-presidente –renunciaram após a abertura do processo de impeachment. O ministro da Agricultura, Enzo Cardozo, disse deixar o cargo em conformidade à decisão de seu partido, segundo declarações divulgadas pela imprensa paraguaia. Também deixaram o governo Humberto Blasco (Justiça e Trabalho), Francisco Rivas (Indústria e Comércio), Victor Rios (Educação e Cultura) e Paulo Reichardt (Secretaria Nacional de Esportes).

Lugo ficou conhecido como “bispo dos pobres” depois de servir durante dez anos em San Pedro, província mais pobre do Paraguai. Ele ganhou uma dispensa especial do Vaticano para voltar a ter status de leigo depois de ser eleito presidente. A Igreja Católica não simpatiza com padres que se envolvem em política; nesta quinta, bispos católicos paraguaios pediram ao presidente que renuncie ao cargo “pelo bem do país”.

O mandato do presidente também foi sacudido por reiteradas denúncias de paternidade feitas por várias mulheres, que pediram exames de DNA alegando ter tido filhos com o mandatário quando ele ainda era bispo. Ele reconheceu dois filhos.

Em agosto de 2010, o presidente paraguaio foi diagnosticado com um câncer linfático. O tratamento para combater a doença foi realizado sob a supervisão de médicos brasileiros e paraguaios. Em julho do ano passado, um boletim médico divulgado pelo hospital Sírio-Libanês, de São Paulo, informou a remissão completa do linfoma.

Lugo faz pronunciamento negando renúncia - áudio em espanhol

Histórico de instabilidade política

No início de 2003, o presidente Luis González Macchi escapou de um processo de impeachment provocado por denúncias de corrupção – incluindo desvio de dinheiro para Nova York e a compra de um carro de luxo blindado que havia sido roubado no Brasil. E também motivado pelo isolamento político do mandatário, agravado pela crise econômica no país. A ação de impeachment teve 25 votos a favor, 18 contra e uma abstenção – eram necessários 30 votos para destituir o presidente.

González Macchi era presidente do Congresso quando assumiu a presidência, em 1999, depois da renúncia de Raúl Cubas Grau. Depois de eleito, o colorado ficou apenas sete meses no poder, até enfrentar uma crise com o assassinato de seu vice, Luis María Argaña. O episódio levou o povo às ruas, houve enfrentamentos e mortes. Cubas foi acusado de envolvimento na morte, por sua proximidade com o ex-general Lino Oviedo, que atuaria nos bastidores do governo, e de quem Argaña era inimigo. Após um período asilado no Brasil, Cubas voltou ao Paraguai em 2002.

Antecessor de Cubas, Juan Carlos Wasmosy assumiu o poder em 1993 como primeiro presidente civil eleito no país. Seu mandato foi marcado por desentendimentos com o então general Oviedo, que atingiram o ponto mais alto em 1996, quando o presidente passou para a reserva oito militares de alta patente. Oviedo reagiu com uma tentativa de golpe de Estado pela qual foi condenado dois anos depois, tendo seus planos de candidatar-se à presidência pelo partido Colorado interrompidos.

Cubas substituiu-o e elegeu-se. Oviedo passou cinco anos exilado no Brasil antes de voltar ao Paraguai, em junho de 2004. Pelo Partido União Nacional de Cidadãos Éticos (Unace), disputou as eleições de 2008 e terminou em terceiro lugar, atrás da governista Blanca Avelar. (Com agências internacionais)