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Efeito de polarização ligada à Copa sobre Dilma é incerto, dizem analistas

Jorge Araujo/Folhapress
Imagem: Jorge Araujo/Folhapress

João Fellet

Da BBC Brasil, em Brasília

26/06/2014 18h43

Desde o seu início, a Copa do Mundo tem intensificado um ambiente de polarização política no Brasil que já está influenciando as campanhas dos principais candidatos à Presidência, observam analistas ouvidos pela BBC Brasil. Segundo eles, essa polarização pode continuar tendo um impacto sobre as campanhas até as eleições de outubro.

O debate ganhou corpo logo na abertura do Mundial, quando torcedores no estádio em São Paulo vaiaram e xingaram a presidente Dilma Rousseff.

Candidatos da oposição aproveitaram o gesto para criticar a presidente, enquanto que políticos ligados ao governo –entre os quais o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva– atribuíram a postura à falta de educação do público no estádio. Alguns recorreram à expressão “elite branca”, cunhada pelo ex-governador paulista Cláudio Lembo, para definir o grupo presente na arena.

Devido ao alto preço dos ingressos, os jogos do Mundial têm sido marcados pela menor presença de brasileiros das camadas mais pobres da sociedade nas arquibancadas. Estes acabam acompanhando a festa do lado de fora --o que reforça essa visão de que este seria um Mundial “elitista”.

Apesar de reconhecerem um aumento da polarização política associado ao Mundial, os analistas ouvidos pela BBC não chegam a uma conclusão sobre os efeitos desse ambiente sobre a campanha de reeleição da presidente Dilma Rousseff.

Se por um lado o discurso associado à polarização mobiliza a militância, para um analista, por outro lado, o próprio PT é hoje parte da elite, o que cria uma contradição. Além disso, se Dilma optou por se afastar dos estádios para evitar mais desgaste a sua imagem, por outro a posição da presidente pode ter se fortalecido, ao ser vista como “vítima” das ofensas na abertura do Mundial.

PT 'mobilizando militância'

Para Ricardo Ismael, professor de ciência política da PUC (Pontifícia Universidade Católica) do Rio, “ao dividir o país entre quem é da elite branca e quem não é, deixa-se de discutir os reais problemas do país”.

“Não se chegará a lugar nenhum com esse discurso, que não faz qualquer sentido do ponto de vista sociológico”.

Segundo ele, ao dizer que os xingamentos a Dilma haviam partido da elite, Lula e o PT buscavam mobilizar militantes do partido. “Esse é um discurso batido, mas que ainda funciona para a militância.”

Na prática, no entanto, Ismael avalia que, desde que chegou à Presidência, há 12 anos, o PT convive bem com setores da elite brasileira e tornou-se, ele próprio, parte da elite política do país.

Maria do Socorro Sousa Braga, professora de ciência política da Ufscar (Universidade Federal de São Carlos/SP), ressalta que os acontecimentos na abertura da Copa – e as reações que geraram –evidenciaram “uma grande divisão na sociedade brasileira” e terão impacto na eleição.

“Possivelmente teremos uma das eleições mais polarizadas da história em termos de ricos versus pobres”, ela afirma.

Recuo de Aécio

Braga avalia que os xingamentos tiveram efeitos contraditórios. Por um lado, diz ela, eles afetaram a imagem de Dilma e a desencorajaram a ir a outros jogos da Copa – o que deve dificultar que ela use o Mundial em seu favor.

Por outro lado, segundo a professora, as ofensas suscitaram uma forte reação contrária, que acabou por favorecer Dilma, a vítima dos insultos.

A reação negativa, diz Braga, fez até com que o principal opositor de Dilma na disputa presidencial, o tucano Aécio Neves, mudasse sua postura em relação ao episódio.

Inicialmente Aécio disse que o comportamento da torcida era uma resposta à “arrogância” de Dilma, mas ele acabou por defender que as críticas à petista não ultrapassem “os limites do respeito pessoal”.

Eduardo Campos, o candidato do PSB à Presidência, afirmou que Dilma “colheu o que plantou”, mas que “talvez a forma (xingar a presidente) não tenha sido a melhor de expressar esse mau humor, essa discordância”.

Postura conciliadora

Em entrevistas recentes, o ministro da Secretaria Geral da Presidência, Gilberto Carvalho, adotou postura mais conciliadora que Lula e outros dirigentes petistas ao afirmar que os xingamentos a Dilma no estádio não haviam partido somente da “elite branca”.

Segundo Carvalho, é um engano achar que apenas brasileiros endinheirados estão insatisfeitos com o governo e que “o povo pensa que está tudo bem”.

A opinião de Carvalho encontra ressonância no público que assistia a Brasil e Camarões numa feira próxima ao estádio de Brasília, na segunda-feira.

Sem dinheiro para comprar ingressos para o jogo, os torcedores haviam se aglomerado na porta do estádio sem qualquer esperança de entrar, apenas para acompanhar o burburinho e tirar fotos em meio à multidão.

A BBC Brasil perguntou a seis deles o que haviam achado dos xingamentos a Dilma na abertura. Três condenaram a atitude, e outros três disseram que, se estivessem no estádio, teriam engrossado o coro.

Esdenis Cunha diz que Dilma “fez por merecer (os xingamentos)”. Para ela, Lula não poderia ter se queixado da educação do público no estádio “porque não fez nada para educar o povo quando era presidente”.

Já Jéssica Ribeiro, de 21 anos, diz que os que ofenderam a presidente em São Paulo deveriam ter esperado pela eleição para expressar seu descontentamento.

“Eles (torcedores) estavam lá no bem-bom e resolveram vaiar? Achei muito feio.”