Março é tempo de ressignificar as dores ancestrais das mulheres negras

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Qual o paralelo que podemos fazer entre o 14 de março de Carolina Maria de Jesus, data de seu nascimento, e o fatídico 14 de março de Marielle Franco, data de seu assassinato?

Para o jornalista Guilherme Soares Dias, convidado especial de Nós Negros neste mês, é a reflexão sobre as marcas da escravidão na sociedade e a força que mulheres negras têm de ressignificar seu destino.

"A história mostra que ainda existe muita dor ancestral neste legado, mas também muita resistência", diz.

Confira o artigo completo abaixo:

Por Guilherme Soares Dias*

Nós, negros, carregamos uma dor ancestral das marcas e reflexos da escravização no nosso DNA, um sofisticado sistema de exclusão chamado racismo estrutural. Para tentar driblar tudo isso, trabalhamos e estudamos duas vezes mais para estar em posições semelhantes aos brancos, algumas vezes até ganhando menos.

Outro dia, uma colega que eu tinha conhecido dando uma consultoria se revoltava por não ter sido selecionada para uma feira de empreendedores. A dor era por ela fazer um trabalho muito maior e melhor que concorrentes e nunca ser enxergada. Não apenas por aquele "não".

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Este episódio me fez lembrar que, nesse histórico março das mulheres, enquanto mulheres brancas queimaram sutiãs para terem direito ao trabalho, as mulheres negras lembram que sempre trabalharam. Pra mim, por todas as lutas e legados, março é o mês das mulheres negras! A história mostra que ainda existe muita dor ancestral neste legado, mas também muita resistência.

Uma das maiores representantes deste legado negro é a escritora Carolina Maria de Jesus, cujo nascimento ocorreu em 14 de março de 1914. Carolina venceu a fome com seus escritos, mas foi pega pelo racismo. Mesmo após ter sido uma best seller, morreu pobre sem ter várias das suas obras publicadas.

Hoje, ela ganha ares de hype com livros revisitados e citados por vários setores, mas tem uma minúscula estátua na praça principal de Parelheiros, em São Paulo, onde viveu a última parte da vida.

O 14 de março, desta vez de 2018, também significa adeus. É o dia da morte da ex-vereadora Marielle Franco, assassinada no Rio de Janeiro em um caso que até hoje não foi 100% desvendado, muito menos alguém condenado. A perda precoce de Marielle, que era "cria" da Favela da Maré, LGBT+, negra e combativa, é uma das dores que a nossa geração carrega conjuntamente com a família Franco.

A presença das mulheres na política ainda incomoda e é rara. Em 2020, as mulheres representavam apenas 16% dos vereadores eleitos - dentre elas, cerca de 6,3% eram negras. A revolta com o assassinato de Marielle fez com que mais mulheres negras se candidatassem e fossem eleitas, as chamadas "sementes de Marielle".

Estas mulheres enfrentam um sistema branco e patriarcal para fazer política e mudar o giro da roda por dentro. Não é fácil, por vezes adoecedor. Mas resistem. Nesse ano de eleições municipais enfrentam boicote de partidos, com seus coroneis, e falta de recursos para que elas se elejam ou se reelejam mudando a foto do poder - mesmo com o estabelecimento de cota mínima de 30% para participação delas nos partidos.

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No 21 de março temos o Dia Internacional para a Eliminação da Discriminação Racial e de uma coisa eu tenha certeza: não vamos deixar de lutar e de falar do racismo e seus mecanismos nunca mais.
Como diz a escritora Conceição Evaristo, "eles combinaram de nos matar e nós combinamos de não morrer". E complemento aqui com a frase da ativista Angela Davis: "toda vez que uma mulher negra avança, todos nós avançamos".

Após a revolta da minha colega que tinha sido rejeitada pelo evento, ela foi aceita e estará por lá expondo seus produtos e mostrando as dores e delícias de ser uma empreendedora negra inovando em sua área, e que carrega consigo a força, a beleza e os conhecimentos dos seus ancestrais.

*Guilherme Soares é jornalista, fundador da plataforma de afroturismo Guia Negro e viajante.

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Trecho da tese de Lucas Torres

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Antônio Arantes nasceu "mestiço", viveu como "pardo" e morreu "branco", de acordo com suas certidões de nascimento e de óbito e outros documentos. Sua vida é analisada pelo historiador Lucas Torres em uma tese de doutorado apresentada na Unicamp que investiga o racismo no Brasil. Tais mudanças na declaração racial são vistas como reflexo da ascensão social do baiano, de operário a executivo. O tema voltou às manchetes nos últimos dias, após a USP não aceitar a autodeclaração de um candidato que se identificou como pardo. LEIA MAIS

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