Topo

Lilian Tintori, a mulher rebelde da Venezuela

Miguel Gutierrez/EFE
Imagem: Miguel Gutierrez/EFE

Jorge Ramos

09/04/2015 00h02

 "Dentro da Constituição há formas de sair deste desastre."

- Leopoldo López

Todas as manhãs, às 5h30, Lilian Tintori se levanta para rezar e ler a Bíblia. Exatamente na mesma hora, seu marido, o preso político Leopoldo López, faz o mesmo na prisão de Ramo Verde, na Venezuela. Eles combinaram isso antes que ele fosse detido, há mais de um ano. Assim, todos os dias e na mesma hora Lilian e Leopoldo se conectam.

Tintori teve de falar por López porque não deixam López falar. O governante Nicolás Maduro nunca perdoou López por ter liderado os protestos de fevereiro de 2014 que quase derrubaram o regime. Inventaram quatro acusações contra ele - danos à propriedade, incêndios, associação para praticar crimes e instigação pública - e pouco depois López se entregou às autoridades.

Seu julgamento é uma farsa. Várias organizações de direitos humanos, incluindo a Anistia Internacional e a Human Rights Watch, consideram que sua prisão é injustificada; é a vil e grosseira tentativa de Maduro de reprimir o principal líder de oposição.

Mas Maduro se enganou duas vezes. Na primeira, ao criar um mártir. Não são poucos os que comparam a prisão de Maduro com a de Nelson Mandela, na África do Sul, e todos sabemos como acaba essa história. O segundo equívoco de Maduro foi menosprezar Tintori. Nunca suspeitou que a mulher de López seria tão combativa quanto ele. Esse foi um grave erro de cálculo.

Tintori manteve viva a memória, o sacrifício e a missão de López. Lutou todas as lutas dentro da Venezuela. E não há fórum internacional onde não apareça. Assim, Tintori, a mulher rebelde, transformou-se em uma das principais ameaças à ditadura madurista.

A coragem de Tintori contrasta com a covardia dos presidentes latino-americanos que não se atrevem a criticar as violações aos direitos humanos e à democracia na Venezuela. (Seu silêncio cúmplice na Cúpula das Américas no Panamá é vergonhoso.)

Tintori não para de falar em López. Quando a entrevistei há pouco tempo em Miami, denunciou torturas na prisão.

No início deste ano, Antonio Ledezma, prefeito de Caracas, foi preso, acusado de ter participado de uma tentativa de golpe contra Maduro, acusação que organizações de defesa dos direitos humanos também denunciaram. Tintori diz que a cela de López na prisão foi invadida e revistada no mesmo dia em que Ledezma foi posto sob custódia. "Entraram homens armados e destruíram seu espaço, roubaram suas memórias: tudo o que ele escreve é roubado. Durou sete horas essa revista, e o colocaram em uma cela de castigo que se chama El Tigrito", disse-me. "Uma noite, à 1h da manhã, atiraram pela janela de sua cela excremento humano e urina. Cortaram sua água e a luz para que não pudesse tomar banho. Esse é um tratamento absolutamente desumano, de tortura."

A Venezuela tem um dos níveis de inflação e criminalidade mais altos do continente. A brutal queda dos preços do petróleo e o desabastecimento a transformaram em um país de muitas filas e ainda maior frustração. A pergunta, a grande pergunta na Venezuela é como sair desse desastre de uma maneira legal?

Maduro não vai renunciar, digo a Tintori. "Tomara que renunciasse, se a Venezuela quisesse", responde-me. "O sistema fracassou. É um sistema antidemocrático que fracassou."

Assim, uma das poucas opções legais é realizar um referendo revogatório. O próprio Maduro sabe disso. Devem "colher suas assinaturas em 2016 e medir-se em um referendo revogatório", disse à oposição. O problema é que o organismo que conta os votos na Venezuela também é controlado por Maduro.

Entretanto, López e sua mulher incomodam muito a Maduro. Antes que Leopoldo se entregasse, Maduro lhes ofereceu para deixarem o país. "Que por favor deixasse a Venezuela, que o avião estava pronto", lembrou Tintori. "Essa foi uma mensagem que Maduro mandou diretamente à minha casa. Dissemos 'não'."

Maduro se equivoca se acredita que Tintori se dará por vencida. "Eu me casei com Leopoldo", diz, "e me casei com seu compromisso de uma Venezuela melhor. Não vou parar. Não vou parar."

Tintori não está só. Outras mulheres de presos políticos, como Mitzy Capriles de Ledezma, mulher de Antonio Ledezma, também está lutando pela liberdade e a democracia. Parece que na Venezuela, um país tão matriarcal, serão mais uma vez as mulheres que encontrarão uma solução para esta crise.

Nisso pensa Tintori todos os dias às 5h30 da manhã.

(Aqui está minha entrevista na televisão com Lilian Tintori: https://www.youtube.com/watch?v=_7HRrXThuXQ)

Tradutor: Luiz Roberto Mendes Gonçalves