Topo

No Recife, cover de Bethânia anima noite gay e faz adereços de Carnaval

Odilex Lins faz cover de Maria Bethânia e cria adereços para o Carnaval - Reprodução
Odilex Lins faz cover de Maria Bethânia e cria adereços para o Carnaval Imagem: Reprodução

Mateus Araújo

Colaboração para o UOL, em São Paulo

30/01/2019 04h00

A música de Maria Bethânia embala noites e tardes nas boates e saunas gays do Recife. Entre um flerte e outro, uma cerveja com amigos ou um papo mais saliente, frequentadores das casas param para assistir ao show. É Odilex Lins, 56 anos, quem está no palco, com repertório de clássicos românticos da MPB. Há 38 anos, ele "personifica" a cantora baiana em apresentações na capital pernambucana -incluindo ainda festas corporativas e familiares.

"Quando eu me apresento, tem gente que grita, gente que chora. É meio complicado, às vezes, porque não diferenciam um artista do outro. Embora hoje em dia, os novos dessa linha drag, nos modismos, soltem uma farpinha: 'São as dinossauro, as velhas'."

O ator começou a carreira na noite, no final de 1979. "Fiquei fascinado. No ano seguinte, comecei a me apresentar", conta ele, que já fez de um tudo. Seu primeiro show foi com a performance da música "Aquarius", do filme "Hair". Depois veio Ney Matogrosso e outros personagens masculinos. "Eu tinha medo de personagem feminino. Não me via dentro da estética da mulher."

Maria Bethânia chegou por acaso. "Um amigo me disse: 'Analisa direitinho, vê se tu não tem coisas dela'. Eu comecei a escutar as músicas e tinha alguma coisa a ver comigo, mesmo. A voz diferente, os trejeitos mais agressivos. E também por Bethânia não ser tão feminina."

Lins ficou conhecido assim. E se dedicou ao papel. Ao longo destas quase quatro décadas, deixou de lado perucas e roupas improvisadas para adotar o visual de cabelos longos e grisalhos, investir nas maquiagens e nos figurinos fidedignos aos de Maria Bethânia. Mas quando não está no palco interpretando a ídolo, o cover tem outras duas paixões: os adereços e figurinos para Carnaval, além ds quadrilhas juninas.

O carnavalesco

De 1981 a 2006, Lins integrou a equipe de aderecistas da Escola de Samba Galeria do Ritmo, do Morro da Conceição, comunidade da zona norte do Recife. "O Morro é um berço cultural. Fui ao samba, fui me apaixonando e me envolvendo", conta o ator. Foram 25 anos de trabalho, transformando "lixo em luxo", como ele lembra.

No Recife, a tradição do samba é antiga, mas as agremiações padecem com o pouco incentivo e a quase invisibilidade em meio ao Carnaval local. "Está caindo aos pedaços, mas ainda é resistência."  

"A gente tem que se virar nos 30. Não tinha dinheiro nem material. Lembro-me de um presidente da escola que vendia até o carro e o fogão, ele era apaixonado. Quando fiz Galeria, fiz com reciclado. Criei os figurinos e adereços com o lixo do barracão. Fui juntando, do palito de fósforo à garrafa de vinagre. E ficou maravilhoso", conta Lins, que em 1995 foi carnavalesco da escola e conquistou o vice-campeonato. "Fazia 10 anos que a gente não chegava nem no terceiro lugar. E depois começou uma sucessão de vitórias."

Em 2006, ele saiu dos barracões e passou a ser jurado dos desfiles da escola do Recife. "Teve gente que reclamou. Mas me afastei da escola para ser imparcial. Fiquei quatro anos como jurado, mas quando parei não quis mais voltar para o barracão. O tesão passou, não gosto mais de trabalhar em grupo; gosto de fazer minhas coisas sozinho", explica.

Hoje, além dos shows, Lins, que foi cabeleireiro durante 30 anos, é também maquiador e figurinista de produtoras de vídeo -já trabalhou em equipes de filmes como "O Bem-Amado", de Guel Arraes, e "Aquarius", de Kleber Mendonça Filho. "Conheci Sônia Braga; um doce de mulher", ele lembra. 

Mas em tempos de Carnaval, agora a cabeça do artista só pensa em criar figurinos e adereços para bailes, blocos e foliões. "Eu tenho um quarto em casa que é o quarto da bagunça. Mas, nessa época, vira a casa da bagunça. Tem arame, cola, galão, flores, fuxico, plumagem de avestruz, rabo de galo, faisão, tudo espalhado. É uma infinidade de coisas. Da mais rústica à mais nobre -simples, com peninha de galinha, ou luxuosas, com cristais Swarovski."

O transformista vende as peças nas ruas do Recife, nas redes sociais ou por encomenda. "Tenho um irmão que gosta de vender meus arranjos na rua. Vai para Olinda, para o centro da cidade, coisa que eu não gosto muito. Meu lance é criar. Eu passo para ele vender. Tem peças de R$ 10 até R$ 250."

As criações de Lins fazem sucesso nos bailes de Carnaval da cidade. "Já estou com encomendas para o Baile dos Artistas e para o Baile Municipal", diz. Festas, aliás, a que ele faz questão de ir para se divertir e também para ficar a par das novidades. "Vou para confraternizar, encontrar muita gente. É o momento de ver pessoas, tomar uma cervejinha, fofocar, ver os modelitos, os arranjos e me inspirar. E, neste ano, pretendo ir a mais bailes. Quero, inclusive, conhecer o I Love Cafusú [bloco de Olinda que satiriza a virilidade masculina]." 

Recife e Olinda