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Governo desiste de constituinte, mas mantém ideia de plebiscito sobre reforma política

Do UOL, em São Paulo

25/06/2013 20h30Atualizada em 26/06/2013 00h49

O ministro da Educação, Aloizio Mercadante, afirmou, em entrevista coletiva na noite desta terça-feira (25), que o governo federal desistiu da proposta de instituir, por meio de plebiscito, uma assembleia constituinte exclusiva para tratar da reforma política. Mercadante disse que a proposta de plebiscito está mantida, mas a consulta popular tratará do conteúdo da reforma política, e não a criação de um processo constituinte. O ministro disse que a presidente enviará mensagem à Câmara e ao Senado propondo a realização do plebiscito.

Mercadante disse que nos encontros que Dilma teve hoje com movimentos sociais, entidades e representantes do Legislativo e do Judiciário, houve um entendimento em torno da realização de um plebiscito com foco na reforma política.

“O que nós queremos é fazer a reforma política com participação popular. O instrumento que temos que viabiliza o entendimento é o plebiscito, é o povo participar e votar”, disse o ministro. "A presidenta em momento algum falou em Assembleia Constituinte. Ela falou que era plebiscito para instituir um processo constituinte específico para fins da reforma política, ou seja, foco", completou.

De acordo com Mercadante, a falta de tempo hábil para a convocação de uma constituinte e a falta de concordância entre líderes políticos levou o governo a abandonar essa alternativa. "Não temos tempo hábil para realizar uma constituinte". A proposta do governo é que o plebiscito ocorra ainda este ano, em 7 de setembro ou 15 de novembro.

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"É um grande momento que podemos construir a partir do plebiscito. Já amanhã entraremos em contato com Tribunal Superior Eleitoral para verificar as condições materiais para a realização do plebiscito. O objetivo é a brevidade porque qualquer mudança legal se faz sempre até um ano antes da vigência de qualquer eleição. Então nós temos que fazer isso com bastante objetividade e vamos encaminhar o mais rápido possível", disse Marcadante.

Segundo ele, a constituinte exclusiva foi rejeitada por Temer e pelo presidente da Câmara dos Deputados, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), que se encontraram com Dilma.

“Nessas consultas, houve um entendimento da realização de um plebiscito com foco na reforma política, que é um tema fundamental para melhorar a qualidade da representação política no país, para ser mais permeável, mais oxigenável às aspirações populares que estão se manifestando nas ruas”, disse Mercadante. "A convergência possível é o plebiscito", acrescentou.

Segundo Mercadante, a ideia é realizar a consulta popular “o mais rápido possível” para que as eventuais mudanças no sistema político entrem em vigor antes do processo eleitoral do ano que vem. Na consulta popular, os eleitores deverão responder a perguntas diretas sobre temas da reforma política, como financiamento de campanha e representação política, informou o ministro.

"Esse é o recado que a rua está mostrando. As urnas terão de se encontrar com as ruas. O país tem de ter reforma política. Não queremos postergar essa agenda", afirmou o ministro.

Controvérsias

Desde que foi anunciada por Dilma, na tarde de ontem (24), a medida foi contestada por juristas, como o ex-ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Ayres Britto, que consideram a proposta inconstitucional. Michel Temer, em artigo escrito em 2007, condenou com veemência a constituinte exclusiva.

Hoje, a presidente se reuniu com o presidente da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) Nacional, Marcos Vinicius Furtado Coêlho, e presidentes das OABs regionais, que apresentaram a proposta de plebiscito para consultar população sobre o conteúdo da reforma política, e não para criar uma constituinte exclusiva.

Depois do encontro, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, disse que a proposta apresentada por Dilma ontem havia sido mal compreendida.

“Há uma polêmica constitucional, se na Constituição Federal existe espaço para a Constituinte exclusiva, ou não. Vários juristas de peso sustentam que há. No entanto, nós não temos tempo hábil para realizar uma Constituinte. Por isso, a presidenta falou em plebiscito popular para que se estabeleça um processo constituinte específico para a reforma política. Processo constituinte porque há matérias no plebiscito que poderão tratar de questões constitucionais da reforma política”, reforçou Mercadante na entrevista concedida na noite de hoje.

 

Repercussão jurídica

As propostas de convocar uma Constituinte que irá decidir sobre uma questão específica --reforma política e fazê-lo via plebiscito são inéditas no país, segundo o professor de Direito Constitucional e diretor da Faculdade de Direito da PUC (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo) Marcelo Figueiredo.

"Não existe nenhum precedente no Brasil: nem para a convocação de uma Constituinte via plebiscito, nem que essa assembleia decida sobre uma questão exclusiva", disse Figueiredo.

Ministros do Supremo Tribunal Federal ouvidos pela "Folha" em caráter reservado avaliam que não é possível fazer uma Constituinte exclusivamente para isso. Segundo os ministros, a Constituição de 1988 não permite que partes específicas de seu texto sejam modificadas por meio de assembleias específicas. Eles avaliam que a única forma de modificar a Constituição, prevista em seu artigo 60, é por meio de PEC (Proposta de Emenda Constitucional). Não seria possível, portanto, que um plebiscito definisse uma nova forma de alterar o texto constitucional.

O então advogado Luís Roberto Barroso, atual ministro do STF, disse, em entrevista de 2011, que não é possível uma “constituinte parcial”. Ele ressaltou, na época, que a “teoria constitucional não conseguiria explicar uma Constituinte parcial”.

“A ideia de Poder Constituinte é de um poder soberano, um poder que não deve o seu fundamento de legitimidade a nenhum poder que não a si próprio e à soberania popular que o impulsionou. De modo que ninguém pode convocar um Poder Constituinte e estabelecer previamente qual é a agenda desse Poder Constituinte. O Poder Constituinte não tem agenda pré-fixada”, afirmou.

Hoje, Barroso recuou  e disse ter sido "mal interpretado". "Já declarei que não acho ser o caso de convocar uma Constituinte originária, já que no Brasil temos todas as instituições funcionando e não há calamidade [desordem institucional]. Mas sempre fui a favor de uma Constituinte específica, que possa tratar de temas específicos como, por exemplo, uma reforma política." (Com agências Brasil e Reuters)