Ditadura tinha vínculos com nazistas, diz integrante da Comissão da Verdade
Bruna Borges
Do UOL, em Brasília
Pesquisas da Comissão Nacional da Verdade apontam associação entre a Casa da Morte de Petrópolis (RJ) e nazistas. A casa era uma prisão clandestina usada por forças do Exército para tortura e assassinato de militantes da resistência durante o regime militar. A Comissão da Verdade realiza audiência pública nesta terça-feira (25), no Rio de Janeiro, para tratar do tema. Em depoimento, a ex-presa política Inês Etienne Romeu, sobrevivente da Casa da Morte, apontou seis agentes da ditadura militar como torturadores.
"Diziam que a democracia seria destruída, que se lutava por um regime democrático [..] e mostravam cenas do nazismo, cenas do fascismo. Quando a própria ditadura tinha vinculações muito fortes com agentes fascistas, com agentes nazistas, especialmente", diz em entrevista ao UOL Rosa Maria Cardoso da Cunha, integrante do colegiado e coordenadora do grupo que estuda o golpe de 1964 da Comissão da Verdade.
"A Casa da Morte que foi construída lá em Petrópolis demonstra essas vinculações, não só com agentes nazistas ... Petrópolis foi uma cidade que abrigou muitos nazistas que fugiram e ainda [mantinham] vinculações com grupos paramilitares de extrema-direita como também com o crime organizado", afirma Cardoso.
"Então houve muita manipulação da opinião pública", acrescenta.
A audiência desta terça-feira (25) foi planejada com base na denúncia de Inês Etienne Romeu, dirigente da VPR (Vanguarda Popular Revolucionária, grupo de luta armada de extrema esquerda) e única sobrevivente da Casa da Morte, feita ao Conselho Federal da OAB no ano de 1979.
Repressão violenta já em 1964
A repressão aos opositores do regime militar por parte dos agentes de segurança foi violenta desde o início da ditadura. Essa é uma das conclusões de grupo de estudo da Comissão Nacional da Verdade, segundo Cardoso.
"Houve uma violência muito maior, muito grande, quando o golpe foi imposto. Provavelmente maior até do que em 1968, porque em 1968 a violência foi muito focada", diz a advogada. Segundo historiadores, acreditava-se que a violência do regime havia se intensificado apenas a partir de 1968, com o Ato Institucional n° 5, tese agora contestada pela comissão.
De acordo com Cardoso, já em 1964 foram feitas prisões em massa de manifestantes contrários ao regime. Não havia espaço nas delegacias e mais de 1.200 pessoas foram presas dentro do estádio Caio Martins, em Niterói, no Rio. Navios também foram usados como prisão.
"Em 1964 já havia uma vigilância muito grande sobre os adeptos do governo e sobre as classes trabalhadoras, o golpe foi muito violento", afirma Cardoso. "No campo, as pessoas foram presas massivamente porque participaram de algum modo ou simpatizaram com o movimento das ligas camponesas ou movimentos de luta."
Assassinatos
A comissão também se aprofundou em casos de assassinatos sobre os quais não se tinha muita informação. É o caso do deputado cassado Rubens Paiva, cujo corpo nunca foi encontrado. Um relatório preliminar aponta que ele morreu após sucessivas sessões de tortura. E que, na noite em que ele foi preso, os chefes militares foram informados de que o estado de saúde de Paiva era grave, e que ele precisaria de cuidados especiais para não morrer. Sem atendimento médico, ele não resistiu aos ferimentos e morreu.
De acordo com Cardoso, há casos em que se pensava que havia sido um assassinato comum, mas, na verdade, a execução foi usada como forma de tortura. "[Quando, por exemplo] uma pessoa para ser executada recebe um conjunto muito grande de tiros. Como Arnaldo Cardoso, que foi torturado durante a execução. Ele foi executado com muitos tiros, ele foi sofrendo com tiros em locais em que não morria e sendo objeto de tortura", diz.
"Eu acho que Comissão da Verdade criou uma espécie de tempo de verdade. As revelações impuseram certa naturalidade ao dizer a verdade, a questão de ser transparente sobre o que aconteceu sobre a ditadura militar e no próprio golpe militar que a iniciou", afirma.