Com mais de mil mortes em um dia, Brasil tem um óbito a cada 73 segundos
Resumo da notícia
- Sem ministro da Saúde desde sexta, Brasil tem total de 17.971 mortes e 271.628 casos oficiais
- Só cinco países no mundo registraram mais de mil óbitos em um dia: Brasil, EUA, França, Reino Unido e China
- Falta de testes e atraso em resultados levam a subnotificação dos casos
- Brasil está atrás apenas de EUA e Rússia entre aqueles com mais infectados
- São Paulo, Bahia, Ceará e Rio de Janeiro foram estados com mais novos casos em 24 horas
No tempo em que você lê este texto até o final, ao menos cinco mortes por covid-19 serão registradas no Brasil. A última atualização do Ministério da Saúde, divulgada hoje (19), mostra que, nas últimas 24 horas, foram contabilizados 1.179 óbitos pela doença causada pelo coronavírus, com média de uma a cada 73 segundos. Ao todo, o país registra 17.971 mortes pela covid-19.
O país atingiu 271.628 diagnósticos, sendo 17.408 casos confirmados entre ontem e hoje. Ao menos 146.863 seguem em acompanhamento e, segundo a pasta, 106.794 se recuperaram da doença.
Trata-se de um novo recorde de mortes registradas em um dia, passando os 881 óbitos contabilizados na terça-feira passada (12). Os picos têm sido neste dia da semana porque, entre sábado e domingo, os dados não são registrados no sistema na mesma velocidade que nos dias úteis.
Hoje foi o primeiro dia nesta pandemia em que o Brasil contabilizou mais de mil mortes pela covid-19. O país é o quinto do mundo a chegar nesse patamar, após Estados Unidos, França, Reino Unido e China.
Com esse novo recorde de óbitos, a covid-19 se torna a principal causa de mortes hoje no Brasil, acima de qualquer doença ou causas externas — como comparação, as doenças cerebrovasculares matavam em média 273 pessoas por dia, em 2018, segundo os dados mais recentes do SIM (Sistema de Informações sobre Mortalidade).
O mesmo vale para os casos de infarto, pneumonia, diabetes, hipertensão e qualquer tipo ou agrupamento de câncer, além de mortes por acidentes ou agressões (que inclui assassinatos e suicídios).
Por trás dos números, 1.179 tragédias
Desde o início da pandemia, a covid-19 matou personalidades tão distantes quanto Aldir Blanc, Daisy Lúcidi, Daniel Azulay e a técnica de enfermagem carioca Daniele Costa, o que prova que a doença não escolhe classe nem local.
Oito dias antes de morrer, Danielle fez um apelo em suas redes sociais: "É agoniante você ver que as pessoas estão ali, curtindo o momento. Mas não sabem se amanhã vão estar contaminadas ou se vai ter leito para elas".
Danielle não foi a única a perder a vida no front de batalha contra a doença. Seu colega, o enfermeiro de Macapá Evandro Costa Silva, morreu horas depois de pedir ajuda em um grupo de Whatsapp.
"Vou falar aqui até apagar. Não tem como falar no pv [privado] de ninguém. Vou morrer sentado agonizando aqui", escreveu nas trágicas mensagens finais.
Tentando trazer alegria a profissionais de saúde que, como Danielle e Evandro, deram a vida para salvar tantas pessoas, o maestro Siney Saboia de Moura, 46, conduziu uma homenagem da banda da Guarda Municipal de Macapá. Um mês depois, morreu vítima do novo coronavírus.
Preocupado em ajudar o próximo, Paulo Fernando de Campos Meneses, conhecido como frei Bruno, trabalhava em uma casa de acolhimento a pessoas em situação de rua no interior de São Paulo, onde convivia com alguns infectados. Providências, como o isolamento e ajuda médica foram tomadas para evitar a disseminação da doença. Mas frei Bruno foi contaminado e morreu pouco depois.
Mesmo isolada e tomando os cuidados que podia, como uso de máscaras, álcool em gel e luvas, a jornalista paraense Uliana Mota foi infectada pelo novo coronavírus e não resistiu. Preocupada com a alta incidência de casos suspeitos em sua rua, a família teve de se mudar.
Caso parecido viveu a estudante paulista Jaqueline Gomes da Silva, que perdeu o pai em abril. "Desde quando começou a quarentena, a gente não saiu muito. Na única vez que ele saiu, meu pai saiu de casa para ir ao mercado com a minha mãe."
A paulista Zemilda Silva do Nascimento tinha acabado de realizar o seu maior sonho: comprara sua casa própria. No final de abril, reuniu amigos na residência para um almoço de confraternização. Duas semanas depois, contudo, morreu vítima de covid-19. Outros cinco familiares que estiveram na ocasião também tiveram diagnóstico positivo.
Sem ministro
Desde sexta-feira, o Brasil está sem um ministro da Saúde para conduzir o combate à pandemia. Nesse dia, o oncologista Nelson Teich deixou o governo federal menos de um mês após ter assumido para substituir Luiz Henrique Mandetta, demitido pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido), no dia 16 de abril. Em seu lugar, atua interinamente o general Eduardo Pazuello.
A pressão feita pelo presidente pelo uso de cloroquina no tratamento de pacientes contaminados e suas críticas ao isolamento social, desdizendo em público orientações da pasta, pesaram na saída de ambos os ministros em tão curto período.
Em sua breve gestão, o ex-ministro da Saúde Nelson Teich já havia admitido no final de abril a possibilidade de o Brasil contabilizar mil óbitos por dia no decorrer da emergência de saúde.
"Se tivermos um crescimento significativo na pandemia, é possível acontecer", adiantou na ocasião, ponderando que, à época, tal cenário não era uma certeza. "Não quer dizer que vai acontecer. Temos que acompanhar a cada dia para tomar as decisões", afirmou no dia 30 de abril.
Mesmo já sendo esta uma tragédia de certa forma anunciada, o Ministério da Saúde ignorou o número de mortes na entrevista coletiva realizada diariamente para debater o combate à pandemia. Em vez disso, focou nos temas da doação do leite materno e do atendimento remoto a profissionais da saúde e não contou com a presença do ministro interino.
Ainda sem mencionar a marca de óbitos, divulgou à imprensa números de recuperados.
Até a noite de segunda-feira, o presidente Jair Bolsonaro não havia feito qualquer pronunciamento ou divulgado nota de pesar em solidariedade às famílias de milhares de vítimas. Em vez disso, preferiu fazer gracejos sobre o uso da cloroquina.
Perda de vidas é ainda maior do que o registrado
Os 1.179 óbitos registrados nas últimas 24 horas não significam que todas estas pessoas morreram de ontem para hoje, mas sim que as mortes foram oficializadas como relacionadas à covid-19.
Ainda que o Ministério da Saúde divulgue o total de mortes todos os dias, o número está sempre desatualizado porque os resultados dos exames demoram a sair. Há casos em que uma morte causada pela doença demora até 50 dias para entrar nas estatísticas do governo, conforme apurado pelo UOL.
Também há subnotificação. Segundo os dados oficiais, o Brasil realizou 386,5 mil testes não específicos de covid-19 (que identificam vírus respiratórios no geral). Com isso, a taxa de testagem é de apenas 1,82 por 1 mil habitantes, enquanto as taxas de Itália (50,3) e Estados Unidos (37,4) são mais de vinte vezes maiores.
Quem testa menos naturalmente faz menos diagnósticos de covid-19, explica o infectologista Eliseu Waldman, da Faculdade de Saúde Pública da USP (Universidade de São Paulo).
"A falta de testes é um problema. Muitos óbitos ficam como suspeitos: tiveram uma Síndrome Respiratória Aguda Grave e suspeita de covid-19, mas nunca confirmada. Temos certeza de que existe a subnotificação tanto de casos quanto de mortes, mas o grau disso nós ainda vamos demorar a saber", diz Waldman.
Um levantamento feito pela USP no início do mês aponta o país como novo epicentro mundial do coronavírus. O estudo faz cálculos de casos subnotificados e apresenta uma projeção muito superior aos números apresentados pelo ministério, com o Brasil ultrapassando mais de um milhão de diagnósticos — os números foram calculados com base na incidência de infectados na Coreia do Sul, um dos países com maior testagem na população.
País é o 3º em número de casos
Enquanto a maioria dos países mais afetados pela doença já está do outro lado do pico de contaminações, o Brasil ainda vê a covid-19 em fase de aceleração, e ninguém sabe com certeza quanto esta etapa vai durar.
"Depende muito do confinamento das pessoas. Se o isolamento social for baixo, há um aumento rápido no número de mortos. Se o isolamento for rígido, acontece menos mortes e o pico é diluído ao longo do tempo. Enquanto estiver como hoje, meia boca, vai continuar morrendo muita gente", alerta o infectologista Marcos Boulos, da Superintendência de Controle de Endemias de São Paulo (Sucen-SP).
O país é o terceiro com maior número de infectados pela covid-19 no mundo. Segundo a Universidade Johns Hopkins, que apresentam defasagem em relação aos dados do governo brasileiro recém-divulgados, são estes os países mais afetados pela pandemia atualmente:
- Estados Unidos: 1.524.107 casos diagnosticados
- Rússia: 299.941 casos diagnosticados
- Brasil: 265.896 casos diagnosticados
- Reino Unido: 250.138 casos diagnosticados
- Espanha: 232.037 casos diagnosticados
- Itália: 226.699 casos diagnosticados
- França: 180.933 casos diagnosticados
- Alemanha: 177.778 casos diagnosticados
- Turquia: 151.615 casos diagnosticados
- Irã: 124.603 casos diagnosticados
A pandemia nos estados
Estado mais afetado pela covid-19 no Brasil, São Paulo foi o que mais registrou casos (2.929) e mortes (324) nas últimas 24 horas. O recorde de óbitos fez o total de vítimas fatais chegar a 5.147.
Na lista de maior número de diagnósticos nas últimas 24 horas, estão ainda Bahia (2,4 mil novos casos) e Ceará (1.749), que voltou a superar o Rio de Janeiro em número de casos.
Com 227 óbitos confirmados de ontem para hoje, o Rio de Janeiro chegou ao número mais alto desde o início da pandemia no estado.
O Pará ainda é o estado em que a covid-19 avança com maior velocidade. No período de uma semana, o estado viu o número de casos oficiais crescer 89% e o de mortes, 75%. Trata-se do maior crescimento proporcional entre os vinte estados do Brasil mais afetados pela pandemia — Tocantins e Roraima têm aceleração maior por terem poucos casos e óbitos.
* Colaborou Juliana Arreguy
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