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André Santana

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Se sair, Vini Jr. estará certo. A Espanha que se resolva com seus racistas

Acompanhado de Militão e Rudiger, Vini Jr mostra manifestações racistas nas arquibancadas do Estádio Mestalla, em Valencia - Jose Breton/Pics Action/NurPhoto via Getty Images
Acompanhado de Militão e Rudiger, Vini Jr mostra manifestações racistas nas arquibancadas do Estádio Mestalla, em Valencia Imagem: Jose Breton/Pics Action/NurPhoto via Getty Images

Colunista do UOL Notícias

22/05/2023 18h20Atualizada em 22/05/2023 18h32

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Caso o jogador Vinícius Junior decida por sair da Espanha, se afastando de uma situação que tanto o tem machucado sem encontrar acolhimento e ações concretas das autoridades esportivas, ele terá tomado a decisão certa.

Não devemos cobrar dele atos de heroísmo e resistência que colocam em risco a sua saúde mental, seu desempenho como atleta e sua dignidade como pessoa.

O brilhantismo do futebol de Vini Jr. não pode ser limitado à luta contra o racismo.

Desde 2021, o atleta tem enfrentado o ódio pela cor da sua pele e pela sua origem, em xingamentos e gestos que tentam tirar sua humanidade, reduzindo-o à irracionalidade animal. Em todas as vezes, ele se manifestou, cobrou punição e não viu mudança. A impunidade e a conivência dão força aos racistas.

Atitude não passiva do atleta gerou mata-leão, expulsão e acusações

No último domingo, 21, ao ser xingado de "macaco" pelos torcedores do Valência, em partida pela La Liga, Vini Jr denunciou as agressões ao juiz, mas acabou sendo punido com a expulsão, após uma confusão com os jogadores adversários que se incomodaram com a atitude não passiva do brasileiro diante da violência que vinha das arquibancadas.

Após o jogo, a última frase de um post do atleta colocou em dúvida se ele está disposto a continuar enfrentando essa sucessão de agressões racistas a cada partida que participa.

É um absurdo que o jovem jogador, que vem desempenhando tão bem seu ofício, com grandes atuações que deveriam orgulhar os amantes do esporte, receba um tratamento tão desrespeitoso por parte das torcidas e tão negligente por parte das autoridades da Espanha.

Pela fala incisiva contra toda a dinâmica racista da Espanha e do campeonato espanhol, Vini recebeu muitos apoios, inclusive de atletas, e também muitos incentivos para resistir e não ceder aos racistas.

Nem Vini Junior, nem nenhum negro, criou o racismo ou é culpado pela sua persistente permanência no mundo. Portanto, quem deveria resolver são os brancos, em seus lugares de poder e privilégio, e também as instituições alicerçadas em estruturas racistas, que lucram com as desigualdades e as hierarquias raciais.

Engrenagem racista é colonial e se apoia em omissões institucionais

A começar pela própria Espanha, onde o racismo contra negro é consequência de um modelo de expansão colonial, por séculos oficializado pelo Estado e que serviu de legitimidade para invasões, genocídios, sequestros e tráficos de pessoas para a escravização.

A inércia diante da constante violência contra Vini Jr., assim como outros casos de racismo dentro e fora dos estádios, demonstra a falta de interesse em romper com essas estruturas racistas que beneficiam muitos, enquanto oprime e subalterniza pessoas de outras origens não europeias, em especial, os negros.

Os insultos da torcida, que começaram antes mesmo da partida, recebem apoio dentro do campo quando os jogadores partem para cima de Vinicius Jr. (um deles chegou a aplicar um mata leão no brasileiro); quando o juiz expulsa o atleta discriminado; quando os times tratam como mais um caso isolado, reduzindo a um ou poucos agressores; quando o presidente da liga faz pronunciamento público contra a vítima; e quando veículos da imprensa espanhola acusam o jogador brasileiro de atiçar a torcida.

Um repórter chegou ao absurdo de perguntar a Vini Jr. se ele não pediria desculpas à torcida.

Ou seja, é toda uma engrenagem que possibilita a permanência do racismo e das violências motivadas pelo preconceito. Torna-se então, um lugar hostil à presença negra. Por que, então, cobrar de Vini Jr. mais do que ele já tem feito, que é não se calar, expressar sua dor, que é de muitos que nem sempre podem gritar?

Com a competência demonstrada desde tão jovem e o domínio da arte de jogar bem o futebol, de forma alegre, ágil, inteligente e desconcertante, Vinicius Junior pode escolher jogar onde quiser, onde se sinta bem.

Que ele consiga continuar oferecendo seu talento com a bola bem longe de torcidas e instituições racistas como essas que encontrou no futebol espanhol.

Caberá à Espanha e aos espanhóis decidir continuar a conviver com o racismo ou punir os racistas, para que práticas como essas não sejam estimuladas.

Ao menos no futebol, Brasil demonstra agir contra o racismo

Aqui no Brasil, país que não pode ser visto como referência de convivência racial harmoniosa — muito pelo contrário —, ao menos já se conta com legislações e posicionamentos mais firmes por parte de times, federações, órgãos da Justiça e do governo contra o racismo.

É louvável, portanto, o pronunciamento de solidariedade e repúdio às violências raciais do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ainda no domingo (21), como também a nota assinada por cinco ministérios do governo brasileiro, provocando as entidades espanholas e o Ministério Público daquele país e pedindo punição diante de tão lamentável caso de ataque aos direitos humanos.

Na mesma linha, a CBF também se manifestou condenando os atos e lembrando que racismo é crime. Este ano, a CBF passou a adotar em seu Regulamento Geral de Competições a possibilidade de punir esportivamente um clube em caso de racismo.

Entre as primeiras medidas do novo governo Lula está a lei, sancionada em janeiro, que equiparou a injúria racial ao racismo, com pena de três a cinco anos de prisão e multa, e também enquadrou crimes cometidos em locais destinados a atividades esportivas, como estádios de futebol. Agora, quem for condenado fica proibido de frequentar o local por até três anos.

No último sábado (20), um torcedor do Altos (PI), foi preso em flagrante depois de xingamentos racistas contra o goleiro do Ypiranga (RS), durante uma partida em Teresina (PI), da série C do Campeonato Brasileiro.

Ao menos no futebol, esporte de extrema importância social, cultural e econômica no Brasil, o país tem demonstrado interesse em eliminar a praga do racismo que ainda prolifera impune em tantas outras esferas da sociedade brasileira, especialmente nas estruturas de poder, ceifando trajetórias de tantos meninas e meninos negros, como Vini Jr.