Carla Araújo

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Reportagem

'Traído' e 'escanteado', Ramos tenta justificar ausência em plano golpista

O general da reserva e ex-ministro de Jair Bolsonaro, Luiz Eduardo Ramos, ainda não está envolvido nas investigações dos planos golpistas elaborados por generais e tem dito a amigos próximos que não tinha conhecimento da trama que estava em curso no Palácio do Planalto, pois estaria "escanteado" e teria sido "traído" pelos seus colegas de farda.

O nome de Ramos tem chamado a atenção de investigadores, principalmente após a prisão do general Mário Fernandes, que foi secretário-executivo quando Ramos era ministro da Secretaria-Geral, entre julho de 2021 e dezembro de 2022.

O celular do general preso, segundo apurou a coluna, traz uma série de mensagens enviadas a Ramos, algumas que teriam teor golpista. Ramos não responde a maior parte delas, mas para fontes da Polícia Federal isso não significa que o ex-ministro não deliberasse com o subordinado.

Aos amigos de farda, Ramos diz que até consegue compreender a linha de raciocínio dos investigadores, mas afirma que as próprias mensagens demonstrariam como o subordinado estaria deixando Ramos de fora do plano.

Ele cita, por exemplo, que o plano que previa a morte de autoridades e a criação de um "gabinete de gestão da crise", que assumiria o país no lugar do presidente Lula (PT), não incluía sua participação. Esse gabinete, segundo o plano apreendido na prisão do general Fernandes, seria liderado pelos generais Braga Netto, preso no último sábado, e Augusto Heleno.

Em outra mensagem não respondida por Ramos, Fernandes pede que o então ministro grave um vídeo para manifestantes que estavam acampados, pedindo que eles não deixem o local. Além de não responder, não há informações sobre a existência ou não deste vídeo. Ramos diz a amigos que nunca gravou.

O general tem dito ainda que não possui advogado e que se colocaria à disposição para depor à Polícia Federal, caso as autoridades o convocarem. Apesar disso, afirma a pessoas próximas que não tinha conhecimento de nada que os colegas de farda tratavam, pois estava sendo "escanteado" e excluído das reuniões.

O general diz que chegou a buscar o então ministro da Defesa, general Paulo Sérgio Nogueira, para saber que reuniões estavam sendo feitas sem a sua presença. Na época, segundo assessores de Ramos, Nogueira teria dito para Ramos "ficar fora disso".

General terminou como 'prefeito' do Planalto

Ramos chegou ao governo Bolsonaro em junho de 2019, para assumir a Secretaria de Governo (Segov) no lugar do general Santos Cruz, que havia se desentendido com os filhos do então presidente e tinha reclamações da comunicação.

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O general, que na época estava no Comando Militar do Sudeste, agradeceu Bolsonaro pela confiança para uma "tarefa vital". "Sob a sua liderança, alçaremos voos juntos e nos lançaremos nesse salto gigante rumo ao futuro mais promissor do Brasil", disse no evento de passagem de cargo no comando.

Ele sempre gostou de exaltar sua proximidade e amizade com Bolsonaro. Seu gabinete era repleto de fotos antigas dos dois e de passagens da vida militar.

Apesar disso, sua passagem no governo acabou desgastando a relação, e Ramos costuma dizer que deixou alguns desafetos pelo caminho.

Em março de 2021, o general assumiu a Casa Civil, um dos ministérios mais importante do governo.

Em julho de 2021, quando Bolsonaro resolveu entregar o ministério para o centrão e para Ciro Nogueira (PP-PI), Ramos foi nomeado para a Secretaria-Geral, onde ficou até o fim do governo.

Na época, ao saber pela imprensa de que havia perdido um posto de prestígio para cuidar da pasta que é considerada uma "prefeitura do Planalto", Ramos afirmou que "estava em choque" e tinha sido "atropelado por um trem".

A convivência com colegas de Esplanada também foi se desgastando com o passar do tempo. Ramos era chamado de fofoqueiro por alguns ministros e foi chamado de traíra pelo então ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio, num episódio que acabou selando sua saída do governo.

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"Não temos uma base sólida no Congresso Nacional, (tanto que o Sr pede minha cabeça pra tentar resolver as eleições do parlamento, ironia, pede minha cabeça pra suprir sua própria deficiência)...", escreveu na época Álvaro Antônio num grupo de integrantes do governo.

Fontes que fizeram parte do governo ouvidas pela coluna de fato dizem que Ramos foi sendo deixado de lado até pelos integrantes da ala militar. A justificativa seria a fama de que ele vazava informações para a imprensa.

Uma fonte recorda de uma reunião, assim que Ramos assumiu a Secretaria-Geral, na qual o presidente praticamente debochou do general. Disse que ele agora era "só o prefeito do Planalto e tinha que cuidar o ar-condicionado de Michelle".

Ramos também não fazia parte do comitê de campanha de Bolsonaro em 2022 e não costumava frequentar a casa alugada no Lago Sul, em Brasília, que agora a Polícia Federal investiga se era o QG golpista de Braga Netto e cia.

Apesar disso, com a prisão de Braga Netto no último sábado, há que aposte que uma eventual delação premiada dos generais presos possa trazer mais elementos que envolvam outros militares que acompanhavam Bolsonaro e queriam que o presidente não deixasse o poder.

Procurado pela coluna, o general não quis se manifestar.

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