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Covid: 2 anos após 1º óbito no país, mortalidade nos estados varia até 173%
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Na manhã do dia 17 de março de 2020, o governo de São Paulo anunciava a primeira morte confirmada pela covid-19 no país. Tratava-se de um homem de 62 anos que morava na capital paulista.
Foi nessa época que, sem uma articulação federal, estados e municípios passaram a adotar por conta própria restrições de circulação de pessoas e funcionamento de vários locais. Dois anos depois, estados contabilizam hoje uma diferença de até 173% entre o estado com menor (Maranhão) e o de maior (Rio de Janeiro) taxa de mortalidade pela doença.
No Brasil, até ontem, a taxa de mortalidade por 100 mil habitantes informada pelo Ministério da Saúde estava em 312, a 13ª maior do mundo e segunda maior das Américas, atrás apenas do Peru. No mundo, essa mesma taxa está em 76 por 100 mil.
Em tempo: em junho de 2020, com a investigação de óbitos, viu-se que a primeira morte da doença ocorreu um pouco antes, no dia 12 de março.
É difícil estimar com precisão por que há lugares com taxas de casos e mortes por covid-19 maiores do que outros, afirma Rodrigo Fracalossi, pesquisador do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), que estudou as medidas adotadas pelos estados.
"Isso depende de vários fatores, e eles variam bastante conforme o estado —e que nem sempre podem ser mensurados com facilidade", explica.
Entre os aspectos que influenciam as taxas estão o rigor das medidas de distanciamento social, a prevalência no uso de máscaras, o nível de conscientização das pessoas, o percentual de população idosa, a infraestrutura de saúde, a densidade urbana e os posicionamentos políticos.
O que sabemos é que normas de distanciamento social reduzem taxas de transmissão e, por conseguinte, o número de mortes. Ou seja, ainda que a taxa de óbitos tenha sido alta em um determinado local, ela provavelmente teria sido maior caso medidas de distanciamento não tivessem sido adotadas.
Rodrigo Fracalossi, Ipea
O pesquisador afirma que não tem dúvida de que estados que colocaram planos de distanciamento social em prática reduziram os efeitos da pandemia, mesmo que tenham maior taxa. "Provavelmente eles tiveram uma manifestação menos grave da epidemia em relação ao que teria ocorrido em um cenário sem estes planos", diz.
Fracalossi lembra que, até maio de 2020, a gravidade da pandemia era parecida nos estados de São Paulo e do Rio de Janeiro.
"A partir de então, a epidemia passou a se manifestar de forma mais grave no Rio de Janeiro. É possível que esta diferença seja explicada, pelo menos em parte, por medidas mais rigorosas e por um plano organizado de distanciamento em São Paulo —o que não foi adotado no Rio, onde o governo estadual delegou às prefeituras a maior parte das decisões", comenta.
Turbulência política impulsionou números do Rio
O Rio também foi afetado por turbulências na política, afirma a médica especialista em saúde pública e professora da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) Ligia Bahia.
"A gente teve um governador substituído [Wilson Witzel], e o nosso secretário de Saúde do começo da pandemia foi preso. Nós tínhamos uma condição econômica decadente e condições sanitárias muito ruins. Além disso, você não teve uma mobilização para o enfrentamento da covid. O resultado foi esse número altíssimo", diz, citando ainda que o Rio é um estado com intenso fluxo de turismo de vários locais do mundo.
Ela afirma também que, por conta dos problemas administrativos e financeiros, houve momentos na pandemia em que equipes da rede de atenção básica não foram pagas. "Essa distribuição de organizações sociais pelo Rio foi mortal", afirma.
Nossa resposta previu quatro hospitais de campanha, mas um sequer saiu do papel. Nossa rede de saúde é precária, e tivemos um conjunto enorme de problemas. E estamos saindo da pandemia com a estrutura muito precária.
Lígia Bahia, UFRJ
Por fim, a especialista fala ainda que a decisão do Rio de abolir a obrigatoriedade de uso de máscaras em ambientes fechados mostra como os governos trataram a pandemia.
"Esse foi mais um passo, mais uma decisão nesse repertório macabro. Em vez de tomar medidas efetivas, jogaram para a arquibancada", lamenta.
A coluna entrou em contato com a Secretaria de Saúde do Rio para que se manifestasse sobre a alta taxa de mortalidade, mas não recebeu retorno até a publicação da reportagem.
Maranhão, a menor taxa
Na outra ponta do ranking, o Maranhão teve a menor taxa de mortalidade do país. Entretanto, os números não representam, exclusivamente, ações específicas contra a pandemia, diz Antônio Augusto Moura da Silva, professor de epidemiologia da UFMA (Universidade Federal do Maranhão). Ele cita dois fatores que ajudam a entender os dados no estado: subnotificação e perfil populacional.
O Maranhão foi o estado com maior subregistro de óbitos pela covid, segundo um artigo que publicamos na Revista de Saúde Pública. Além disso, não dá para comparar taxa de mortalidade entre estados sem levar em conta a distribuição etária da população: o Maranhão tem muito mais jovens que o Rio Grande do Sul, por exemplo
Antônio Augusto Moura da Silva, professor de epidemiologia da UFMA
Um dos fatores da subnotificação foi a falta de testes, especialmente no início da pandemia. "Alguns óbitos por covid estão nos sistemas de informação, mas não constam como tendo sido causados pela doença", completa Silva.
Por outro lado, Silva diz que parte da mortalidade baixa pode ser explicada por medidas, como aconteceu na Grande São Luís, primeira região metropolitana do país a ter um lockdown.
"O lockdown foi a diferença mais importante na resposta à pandemia comparado com outros estados brasileiro. Outra diferença observada foi na abertura de muitos leitos de UTI. Aqui, apesar do grande pico no primeiro semestre do 2020, não houve saturação de leitos. Essa agilidade talvez tenha sido importante para explicar parte dessa menor mortalidade", explica o professor.
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