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Carlos Madeiro

REPORTAGEM

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Testagem de covid atinge menor patamar no SUS em dois anos de pandemia

Teste de covid-19 aplicado no centro de testagem do Parque Olímpico, no Rio de Janeiro - MARCOS PORTO/AGÊNCIA O DIA/ESTADÃO CONTEÚDO
Teste de covid-19 aplicado no centro de testagem do Parque Olímpico, no Rio de Janeiro Imagem: MARCOS PORTO/AGÊNCIA O DIA/ESTADÃO CONTEÚDO

Colunista do UOL

06/05/2022 04h00Atualizada em 06/05/2022 12h35

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O SUS (Sistema Único de Saúde) realizou, em abril, o menor número de testes para covid-19 em dois anos. Segundo dados do GAL (Gerenciador de Ambiente Laboratorial), do Ministério da Saúde, foram realizados apenas 179 mil exames de covid-19 no mês passado —o que aponta uma queda de quase 90% em relação a janeiro, quando o país viveu uma nova onda da doença, causada pela variante ômicron.

Os primeiros exames para detectar o novo coronavírus chegaram ao país em março de 2020 —no mesmo mês, 35,5 mil foram realizados. No mês seguinte, o número chegou a 182.514.

O GAL é um sistema criado para reunir os dados de toda a rede laboratorial de saúde pública do país. Ele não inclui dados de laboratórios privados e farmácias, que são registrados em outro banco de dados. Os dados do gráfico a seguir foram retirados do sistema na terça-feira (3).

Além dos dados do GAL, a coluna analisou os dados parciais da Abrafarma (Associação Brasileira das Redes de Farmácias e Drogarias), que também apontam para uma redução no número de testes rápidos de farmácia.

Em abril, até o dia 24, foram realizados apenas 195 mil testes. Para efeito de comparação, em janeiro deste ano foram 2,47 milhões de exames feitos por drogarias —esses números não incluem os autotestes. Os dados completos do mês passado devem ser divulgados apenas na próxima semana.

Sem radar

Oficialmente, não há justificativa para a queda no número de testes realizados.

Especialistas ouvidos pelo UOL consideram a falta de testagem em massa como um erro das autoridades. Sem os dados, dizem, não há como saber se o vírus está circulando mais e provocando um número maior de casos da doença.

Para o coordenador da rede Corona-ômica do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações, Fernando Spilki, o país não teve, na pandemia, qualquer estratégia definida de testagem.

Nunca tivemos um plano consistente, mas havia iniciativas importantes nas esferas estaduais e municipais, que agora se perderam."
Fernando Spilki, coordenador da rede Corona-ômica

Agora, já há indícios de uma alta de circulação viral. Um dos fatores que chama a atenção é que a média móvel nacional de óbitos, que vinha caindo e se estabilizou ao longo de duas semanas, com leves altas. Estados como Rio Grande do Sul e São Paulo voltaram a registrar aumento de internações e mortes.

"Quando a gente vê no país os óbitos crescendo mais rápido que o número de casos, somado a essa redução de testes, começa a ficar preocupado", afirma Isaac Schrarstzhaupt, da Rede Análise Covid-19.

De acordo com ele, não há como ter certeza se as mortes a mais escondem um aumento de casos, já que o número informado diariamente pelas secretarias estaduais não especifica o dia do óbito —e sim quando o registro oficial foi feito.

Índices de hospitalização e de óbitos são indicadores de 'colheita', ou seja: quando eles começam a aumentar, já estamos super atrasados para qualquer ação."
Isaac Schrarstzhaupt, da Rede Análise Covid-19

Em boletim divulgado na quarta-feira (4), a Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz) apontou que o país deu início a uma curva "com sinal moderado de crescimento nas tendências de longo e curto prazo" de casos de SRAG (Síndrome Respiratória Aguda Grave) —que inclui casos de covid e outras doenças causadas por vírus respiratórios.

Positividade em alta

Ao mesmo tempo que o número de testes conhecidos de covid-19 cai, a taxa de resultados positivos sobe há pelo menos três semanas —tanto no sistema público como no privado. Este índice é apontado como um dos principais marcadores iniciais para entender a circulação do novo coronavírus.

Quando o percentual de positividade sobe, sugere-se que há mais circulação viral. É um indício do recrudescimento da pandemia, segundo Anderson Brito, virologista e pesquisador científico do ITpS (Instituto Todos pela Saúde).

"É um sinal de alerta porque a gente já viu esse padrão anteceder as ondas [de contaminação]", diz Brito, citando a onda de janeiro, quando o índice de positividade chegou a alcançar 60%.

No caso do GAL, o índice de positividade sobe há três semanas consecutivas —ainda que lentamente. O índice alcançou 7,91% do total de exames na semana encerrada no último sábado (30).

Nas drogarias, na última semana de março, 7,2% dos exames deram positivo. Na terceira semana de abril, esse percentual chegou a 15,3%.

Além dos dados do GAL, o ITpS, onde Brito trabalha, realiza também um levantamento de positividade de testes feitos em três redes de laboratório do país. As amostras são nacionais, mas 95% delas se concentram no Sudeste e noCentro-Oeste. O índice subiu:

  • De 8,4%, na semana entre 10 e 16 de abril,
  • Para 13% na semana entre 24 a 30 do mesmo mês.

BA.2 dominante

A alta de posivitidade, diz Brito, coincide com o momento em que a sub-variante BA.2 passou a ser a dominante no país. Ele avalia que ainda não é possível entender qual será a dimensão do impacto da BA.2, mas a variante está diretamente associada à alta de indicadores da pandemia no Brasil e que ela foi responsável por ondas de casos em outros países.

"A gente viu ondas em diversas regiões do Reino Unido, mas na África do Sul não observamos isso. Teríamos de esperar mais dados para termos noção do impacto aqui", diz.

Entretanto, ele teme que, com a chegada das sub-variantes BA.4 e BA.5 —que têm um escape imunológico ainda maior— o país possa viver uma maior aceleração da pandemia, como já vem acontecendo na África do Sul e em outros países.

"Elas têm feito o número de internações subir, coisa que a BA.2 não conseguiu produzir por lá. E essa tendência coincide com os dados de vigilância genômica de que a BA.4 e a BA.5 já são as principais linhagens em circulação há cerca de três a quatro semanas por lá", afirma.

Um outro ponto que ele considera importante no Brasil é que a entrada em circulação dos autotestes pode ampliar as subnotificações —nesses casos, a pessoa com suspeita de covid-19 faz o exame em casa e não há uma obrigatoriedade de notificação ao governo.

"A recomendação oficial é, se der positivo, ir a um posto de saúde para confirmação. Mas se não houver essa busca, não há comunicação e passa a ser um caso subnotificado. Aí a gente perde um pouco a noção de como a situação está, isso é preocupante", pontua.

Centro de testagem em Manaus teve alta procura em janeiro este ano - Rodrigo Santos/Secretaria de Saúde do Amazonas - Rodrigo Santos/Secretaria de Saúde do Amazonas
Centro de testagem em Manaus teve alta procura em janeiro este ano
Imagem: Rodrigo Santos/Secretaria de Saúde do Amazonas

Para Alexandre Naime, vice-presidente da SBI (Sociedade Brasileira de Infectologia), ainda é cedo para ter certeza se vamos ter uma alta considerável de casos. "Ainda são dados pontuais, precisamos de um intervalo maior para que se possa fazer uma avaliação epidemiológica de qualidade", avalia.

Ele lembra que é esperado, na pandemia, que o país enfrente repiques, com aumento de casos durante algum período.

Para Naime, a melhor forma de minimizar os impactos de uma eventual alta na circulação viral é acelerar o reforço da vacinação —de acordo com dados do consórcio de imprensa, mais de 87 milhões de brasileiros tomaram a primeira dose de reforço.

As taxas baixas [de reforço] são um risco. Os estudos mostram que, para uma proteção adequada, são necessárias três doses na população em geral. Então, quem não atualizou, deve fazer o mais rápido possível."
Alexandre Naime, vice-presidente da SBI

Vacinação contra a Covid-19 na UBS Santa Cecília, no centro de São Paulo - Danilo Verpa/Folhapress - Danilo Verpa/Folhapress
Vacinação contra a Covid-19 na UBS Santa Cecília, no centro de São Paulo
Imagem: Danilo Verpa/Folhapress

"Liberou geral"

O epidemiologista Paulo Petry, professor da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), atribui a queda no número de testes ao discurso de que a pandemia acabou. "Mas pandemia não se acaba por decreto", diz.

"Com esse rebaixamento de emergência e tudo que vem alardeando, foram tiradas as restrições. Isso passou uma mensagem falsa de que a pandemia havia terminado. O que mais nos preocupa é que isso chegou à mortalidade", completa.

Spilki, da rede Corona-ômica, aponta que o aumento de mortes nos últimos dias pode ser resultado destas flexibilizações nos últimos meses —e há o risco de o aumento de casos não ter sido percebido justamente pela falta de de testagem.

"A gente tem uma dificuldade muito grande para avaliar o cenário hoje porque não sabemos se estamos fazendo diagnósticos no número correto", diz.

Entretanto, Spilki crê que não são esperadas variações muito altas nas próximas semanas. "Não estamos apostando em grandes flutuações ou grandes surtos em um horizonte próximo. Mas as condições de flexibilização colocadas no país podem induzir, mais à frente, a termos surtos de maiores proporções, infelizmente."

Em resposta à coluna apenas nesta sexta-feira, o Ministério da Saúde informou que a entrega de testes para covid-19 de RT-PCR ocorre "de acordo com demanda dos Laboratórios Centrais de Saúde Pública (LACEN) das Unidades da Federação". "Desde o início da pandemia foram distribuídos mais de 30 milhões de testes RT-PCR. Em 2020, foram distribuídos 11,6 milhões e, em 2021, foram entregues 16,5 milhões. Neste ano, até o momento, foram disponibilizados 2,8 milhões de testes", afirma.

Ainda segundo a pasta, "foram distribuídos, desde o lançamento do PNE-Teste, em setembro de 2021, até o início de maio de 2022, um total de 60,73 milhões de testes rápidos de antígenos". "O quantitativo de testes tem sido acordado conforme a demanda atual de testes por cada ente federativo, para o melhor armazenamento e distribuição, evitando, assim, quaisquer perdas de insumos", conclui.