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Carlos Madeiro

REPORTAGEM

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'Voltamos aos anos 70', diz indigenista sobre garimpo em terra ianomâmi

Malocas de indígenas em isolamento voluntário dentro do território ianomâmi - FUNAI
Malocas de indígenas em isolamento voluntário dentro do território ianomâmi Imagem: FUNAI

Colunista do UOL

07/05/2022 04h00Atualizada em 08/05/2022 13h40

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"Estamos vivendo um dos piores momentos em toda essa história da presença do garimpo", afirma Luís Ventura, secretário adjunto do Cimi (Conselho Indigenista Missionário), ligado à CNBB (Confederação dos Bispos do Brasil), ao definir o agravamento das invasões à Terra Indígena Ianomâmi, em Roraima.

Nesta semana, lideranças indígenas denunciaram a morte de uma criança de 12 anos, que teria sido estuprada por garimpeiros. A Polícia Federal diz não ter indícios do crime, e o caso ainda está sendo apurado.

Ao longo dos últimos anos, os ianomâmis vêm sofrendo uma série de invasões a suas terras, que têm sido alvo de ação cada vez mais organizada do garimpo, segundo associações indigenistas. Ventura afirma que a falta de proteção ao território fez as invasões crescerem e elevaram o nível de conflitos na região.

A situação hoje é como a que se vivia nas décadas de 1970 e 80. Hoje estamos com mais de 20 mil garimpeiros dentro da terra ianomâmi, com total inação do governo e impunidade."
Luís Ventura, do Cimi

Ele afirma que o garimpo em terra ianomâmi teve início em 1970, atingido o pico no final da década de 1980 e começo dos anos 1990. "Mas nos últimos anos, particularmente a partir de 2017, estamos vivendo uma expansão de garimpeiros nas terras ianomâmi. Tudo isso está documentado pelas organizações e pelo MPF [Ministério Público Federal]", diz.

Mapa yanomami -  -

Na sexta-feira (6), uma nota publicada pela Hutukara Associação Yanomami afirma que a invasão dos garimpeiros tem causado uma série de problemas aos povos indígenas. "Em todo nosso território, o garimpo invade nossas terras, destrói nosso modo de vida, nossas forças e gera fome e violência. Nossas mulheres e crianças estão sendo violentadas recorrentemente em diversas regiões isoladas do garimpo", diz o texto.

A nota cita a decisão do TRF (Tribunal Regional Federal) da 1ª Região, que determinou, em julho de 2020, que o governo federal criasse um plano emergencial para retirada dos garimpeiros.

Segundo denúncia do MPF, há 20 mil mineradores ilegais na área, contra uma população de 26,7 mil ianomâmis.

Na segunda-feira (2), a comissão de Direitos Humanos do Senado aprovou um requerimento que pede a realização de diligências externas para apurar as ações de combate ao garimpo ilegal em terra ianomâmi em Roraima.

Ação sem reação

Segundo Luís Ventura, há pelo menos cinco anos os indígenas relatam a presença massiva de garimpeiros em terras indígenas. "O MPF fez um alerta ainda em 2017 sobre a presença de garimpo na área onde vive um dos grupos isolados. A ação civil pública foi acolhida em 2018, e há uma decisão para que o governo elabore um plano sistemático de proteção e retirada dos garimpeiros. Isso não ocorreu", lamenta.

Mesmo com a ação julgada, ele afirma que, de 2018 em diante, houve só aumento do do garimpo, inclusive durante a pandemia.

Danos provocados pelo garimpo ilegal na região do rio Uraricoera, na Terra Indígena Yanomami - FUNAI - FUNAI
Danos provocados pelo garimpo ilegal na região do rio Uraricoera, na Terra Indígena Ianomami
Imagem: FUNAI

Um relatório produzido pela Hutukara em 2021 mapeou aponta que os garimpos ocupavam 2.400 hectares de área degradada na Terra Ianomâmi. "Desse total, 500 hectares foram registrados entre janeiro e dezembro de 2020", aponta.

O local mais afetado é a área do rio Uraricoera, onde se concentra 52% de toda a área degradada pelo garimpo identificada por sensoriamento remoto. É lá que está a comunidade Aracaçá, na área de Waikás, onde houve a morte da criança e o suposto desaparecimento de indígenas. A área foi encontrada queimada logo após a morte da criança.

"Estamos falando de um garimpo cada vez mais sofisticado em termos de equipamento e material e uma complexa rede de comunicação. E são garimpeiros armados", afirma Luís Ventura.

O problema do garimpo vai além dos conflitos, alerta o secretário do Cimi, citando o aumento do desmatamento e da poluição dos rios como problemas sérios ao povo ianomâmi.

"Junto com isso aumentam os indicadores negativos de saúde, como a malária, a desnutrição. Postos de saúde estão sendo fechados, inviabilizados, e as equipes sem os meios suficientes para atender. O garimpo tem tomado controle de pistas de pousos e de algumas comunidades", relata.

Em março, a coluna revelou como os garimpeiros conseguiram tomar uma pista de pouso ao lado de um posto de saúde no município de Alto Alegre (RR), onde ianomâmis perderam a unidade de saúde que atendia a comunidade Homoxi.

Segundo Ventura, as ações do governo só são realizadas no território quando algum caso ganha notoriedade, como ocorreu com a denúncia de estupro e morte de uma criança de 12 anos na comunidade.

"Mas essas ações não estão mostrando eficácia porque não há um plano estrutural contra o garimpo. Eles agem, mas de forma aquém ao que o momento exige. Não há vontade política de combater o garimpo. O que escutamos das mais altas autoridades é que só a regularização do garimpo nas terras indígenas vai resolver, o que seria um absurdo", afirma.

O projeto que regulariza a atividade está em andamento na Câmara, sem previsão de votação. Pesquisadores, ambientalistas e até mesmo as empresas de mineração são contra o texto por conta dos custos e dos danos a mais de 200 territórios. Dados da ANM (Agência Nacional de Mineração) mostram que grande parte desses depósitos está fora das áreas indígenas.

Garimpo ocorre ao lado de posto de saúde e pista de pouso tomada por mineradores ilegais - Condisi Yanomami - Condisi Yanomami
Garimpo ocorre ao lado de posto de saúde e pista de pouso tomada por mineradores ilegais
Imagem: Condisi Yanomami

Funai diz que age em terra ianomâmi

Em resposta à coluna, a Funai (Fundação Nacional do Índio) assegurou que tem atuado em atividades de proteção territorial na Terra Indígena Ianomâmi por meio das Bapes (Bases de Proteção Etnoambiental) na região.

"Essas unidades são responsáveis por ações contínuas de monitoramento, fiscalização e vigilância territorial, além de coibição de ilícitos, controle de acesso, acompanhamento de ações de saúde, entre outras ações em conjunto com órgãos ambientais e de segurança pública competentes, tais como Polícia Federal, Força Nacional, Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e Forças Armadas", diz.

Por fim, a Funai ainda afirma que atuado "pautada na legalidade, segurança jurídica, pacificação de conflitos e promoção da autonomia dos indígenas".

"A Funai, enquanto instituição pública, calcada na supremacia do interesse público, não coaduna com nenhum tipo de conduta ilícita", finaliza o texto.