Pesquisa acha vestígios de navio símbolo da pirataria de escravos no Brasil
Pesquisadores encontraram vestígios que seriam de um dos últimos e mais simbólicos navios escravagistas que chegaram ao Brasil, em 1852, dois anos após a Lei Eusébio de Queirós —que vedava o tráfico de pessoas escravizadas no país e classificava o transporte como pirataria.
O brigue (como é chamado o navio de dois mastros) Camargo foi usado para trazer ilegalmente cerca de 500 pessoas de Moçambique, na África. Entre elas, havia crianças e adolescentes. Todos foram levados para trabalho forçado em fazendas de café do Vale do Paraíba.
Além de ser o último navio a chegar com repercussão no país, o Camargo tem um simbolismo especial também por causa do capitão norte-americano Nathaniel Gordon, que foi a única pessoa julgada, condenada e morta pelo governo dos EUA por comércio de escravos sob a Lei da Pirataria de 1820.
A história relata que Gordon deixou os escravos em um desembarque rápido no porto de Bracuí, em Angra dos Reis (RJ), e em seguida ateou fogo no navio Camargo (que era roubado) para destruir provas.
Sem ser detido aqui, o capitão voltou aos EUA e seguiu com sua ação de pirata de escravos por vários anos; até que em 21 de fevereiro de 1862 foi condenado pelo comércio ilegal e executado por enforcamento na cidade de Nova York.
Um filme sobre o traficante está em produção. E as buscas aos vestígios do navio estão sendo gravadas.
Nós achamos que é uma história muito importante, tanto para o Brasil, como para os Estados Unidos. Buscamos, então, quem estava fazendo as pesquisas sobre isso. Nós estamos juntos à segunda maior agência americana, em parceria, desenvolvendo o filme que envolve não só o Camargo, mas todo o resto da vida de Gordon.
Yuri Sanada, cineasta e vice presidente do AfrOrigens
Vestígios
Segundo os pesquisadores, os vestígios foram localizados em dois locais próximos da foz do rio Bracuí, em dezembro de 2023, em um último dia de expedição no mar.
Ambos foram registrados no Cadastro de Sítios Arqueológicos do Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) pelo Instituto AfrOrigens, que integra o projeto e busca estudar histórias sobre o tema.
O coordenador científico das buscas e do Laboratório de Arqueologia de Ambientes Aquáticos da UFS (Universidade Federal de Sergipe), Gilson Rambelli, explica que o material recolhido começou a ser estudado para se ter mais detalhes e a confirmação.
Em arqueologia, para nós termos certeza, temos que ter muita certeza. E nesse caso, não faltam navios afundados no mar, e temos que fazer um estudo melhor da arquitetura naval e alguns elementos que servem como datações relativas para confirmar.
Gilson Rambelli
Ele explica que trata-se, na verdade, de estudo interligado com a comunidade quilombola que tem familiares remanescentes daqueles escravos.
Uma pesquisa arqueológica feita só para os pares não tem sentido, ela tem que atingir as pessoas. E no nosso caso, a gente está trabalhando com a comunidade quilombola Santa Rita do Bracuí, que é quem está ligada diretamente à história, ao memorial desse naufrágio.
Gilson Rambelli
Na comunidade moram 130 famílias remanescentes de escravizados africanos.
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Quero receberO material está sendo analisado em parceria com a UFF (Universidade Federal Fluminense).
A gente quer saber o tamanho nos barcos, quantas pessoas cabiam, como era a alimentação, como e onde as pessoas ficavam. A gente tem algumas ideias sobre isso, mas são poucas. E, paralelamente à materialidade do naufrágio, a gente também continua fazendo pesquisa histórica nos arquivos, para encontrar mais elementos para compor as informações sobre essa chegada, em que situação foi feita e que tipo de fiscalização era realizada.
Martha Abreu, professora do Departamento de História da UFF
Busca para fechar história
O caso do Camargo foi noticiado à época e gerou críticas ao Império, que não teria feito a devida fiscalização. Em dezembro de 1852, o jornal Diário do Rio de Janeiro noticiou sobre o navio americano trazendo escravizados a Bracuí.
Ele foi um assunto muito debatido na época porque se tentou capturar as pessoas. É uma história que envolve poderosos fazendeiros da região, políticos, polícia e Marinha em um evento internacional --porque era um comandante norte-americano.
Gilson Rambelli
A busca pelos restos do navio ocorre agora para tentar contar a parte final da história do Camargo e, assim, desvendar os mistérios que ainda pairam sobre a embarcação e o tráfico ilegal de escravos.
Dois pontos que o estudo da arquitetura naval tenta desvendar é a capacidade do brigue e quem eram as pessoas que vieram na embarcação.
A gente sabe, por informações já da documentação, que a polícia ainda chegou a fazer apreensão de algumas dessas pessoas, e maior parte era menor de 18 anos, muitos com 13, 14 anos. Isso era feito para caber mais gente no barco. Segundo a memória do povo do Bracuí, muitos morreram.
Martha Abreu
A pesquisadora afirma que, ao final, os vestígios do Camargo devem ajudar a entender toda a estrutura de chegada e recepção dessas pessoas no Brasil.
Vamos nos aprofundar nas características desses vestígios, materialidades sobre o próprio tráfico, como objetos de aprisionamento dos africanos nos barcos.
Martha Abreu
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