Carlos Madeiro

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Acusada de omissão em estupro de filha, mãe cita pai violento e é absolvida

A Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de Alagoas absolveu uma mulher sentenciada em primeira instância por prática de estupro de vulnerável das filhas, na modalidade omissão imprópria — por saber dos fatos, ter dever de proteger e não adotar providência em relação a eles. Ela havia sido condenada a 32 anos de prisão em primeira instância.

A mãe foi denunciada pelo MP (Ministério Público) de Alagoas em 2023 e condenada porque não denunciou os casos após ter ciência de um abuso em 2021. À Câmara Criminal, a Defensoria Pública do Estado argumentou que a mulher sofria agressões e não procurou diretamente as autoridades por medo, já que ela também era agredida por ele com frequência.

Segundo o processo, o marido dela abusava das filhas — ele foi condenado a 65 anos de cadeia e está preso.

O nome do casal será omitido para preservar as vítimas. O MP não recorreu da decisão em segunda instância até sexta-feira (26) — o prazo se encerra hoje (27).

Pode ser observado que a ré temia sua própria vida e a vida de suas filhas, por se tratar de pessoa pouco esclarecida, que vivia na zona rural com marido violento e que, inclusive, tinha arma.
João Luiz Azevedo, desembargador relator do caso em decisão de 20 de março de 2024

Prédio do Tribunal de Justiça de Alagoas, no centro de Maceió
Prédio do Tribunal de Justiça de Alagoas, no centro de Maceió Imagem: Caio Loureiro/Divulgação TJ-AL

Entenda o caso

A tia da vítima denunciou os crimes à polícia em março de 2022. O Conselho Tutelar foi acionado e, junto com os policiais, foram até a casa da família averiguar a informação de que uma adolescente de 13 anos teria sido vítima de violência sexual praticada pelo pai no dia anterior.

Na casa, estavam a mãe e as duas adolescentes. Foi constatado que as duas adolescentes tinham sido violentadas.

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Os policiais encontraram uma espingarda calibre 32 que pertencia ao pai e munição, que foram apreendidas.

A mãe confirmou a conduta do marido. Ocorre que, em depoimento à Justiça, a filha mais velha contou que foi estuprada pelo pai pela primeira vez em 2019 e relatou o caso à mãe dois anos e meio depois, em 2021.

Como naquele momento a mulher não levou o caso ao conhecimento das autoridades — e houve outros episódios de violência em seguida — o MP a denunciou por estupro por omissão, tese aceita pelo juiz de primeira instância.

Medo e agressões

Ainda no depoimento, a filha alegou que, ao contar o caso de 2019, a mãe afirmou que temia a reação do marido, caso ele soubesse de uma eventual denúncia.

Ela não fez nada por medo do pai dela, que, ele tinha arma em casa e batia nelas quando ingeria bebida alcoólica. A mãe ficou desesperada, sem saber o que fazer por medo de seu pai.
Termo de depoimento da adolescente

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Pouco meses depois, a adolescente procurou novamente a mãe e afirmou que o pai voltou a abusar dela. Dessa vez, a história foi diferente.

Após o segundo abuso sexual sofrido, a vítima disse à mãe que iria denunciar o pai, e então a mãe aconselha a dizer ao seu irmão mais velho, para ele dizer à tia o ocorrido, que foi quem tomou a iniciativa de fazer a denúncia.
Termo de depoimento da adolescente

Para o desembargador, com a fala de orientação, "ficou evidenciada uma ação e não uma omissão". Ele entendeu que, por isso, ela não poderia ser penalizada.

Saber de um crime após seu cometimento não pode tornar quem tomou ciência automaticamente coautora do crime, ainda que não tenha denunciado a prática do delito por medo, igualando sua conduta àquela de quem praticou o fato. Isso mostra-se desarrazoado e desproporcional.
João Luiz Azevedo, desembargador

Para o defensor da mulher, Audanir Fiel, a decisão do TJ mostra-se "atenta à situação de extrema vulnerabilidade" e seu temor pelas vidas dela e das filhas.

A condenação punia quem já foi tão punida e restringia a liberdade de quem já não a tinha. Depois de tanta dor e sofrimento, espero que essa mãe possa reconstruir sua vida perto das filhas e longe de toda forma de violência. Como defensor público, nesses casos não há alegria, só alívio pela justiça feita.
Audanir Fiel, defensor público de Alagoas

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Pai preso

O pai também recorreu da decisão em primeira instância ao TJ, mas a apelação foi negada. Ele foi condenado por três estupros constatados envplvendo as duas filhas.

[Ele] fez da maneira mais bárbara possível, fazendo-a a praticar atos libidinosos contra a sua vontade e com o seu próprio genitor. Além disso, há que se considerar as consequências sociais e psicológicas que tais atos geraram e ainda irão gerar no desenvolvimento da vítima.
Sentença condenatória

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Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

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