Polícia apura ação clandestina com uma morte e 500 famílias expulsas no CE
A Polícia Civil do Ceará está com dois inquéritos abertos para investigar uma ação clandestina de um grupo encapuzado e com armas que expulsou na madrugada de terça-feira (10) cerca de 500 famílias pobres que ocupavam um terreno baldio particular no bairro Carlito Pamplona, na periferia de Fortaleza.
A ação de retomada, sem autorização judicial ou pedido de apoio policial, foi feita pela empresa dona da área e terminou com uma mulher morta a tiros. Três integrantes desse grupo armado foram detidos, ouvidos e liberados em seguida. A Fiotex, dona do terreno, confirma a operação, mas diz que ela foi "pacífica" e apenas para "cessar a demarcação ilegal."
A PC-CE segue apurando a participação dessas pessoas nos crimes. Mais detalhes serão repassados em momento oportuno para não comprometer os trabalhos policiais em andamento.
Nota da Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social do Ceará
Ação foi criminosa, diz Defensoria
A ação clandestina está sendo acompanhada pela Defensoria Pública do Ceará, que afirma que a desocupação ocorreu de forma ilegal, já que a empresa dona do terreno não fez pedido de reintegração da área à Justiça e agiu por conta própria. O local estava ocupado havia cerca de 15 dias, quando moradias improvisadas começaram a ser erguidas.
O proprietário tem o direito de reaver sua posse, mas por meios legais: a Justiça daria uma [decisão] liminar, e aí ele solicita a força policial, se necessário. Mas ele não entrou com ação, atuou na calada da noite e se utilizou de meios ilegais. Os relatos apontam homens armados e encapuzados. Foi uma atitude totalmente criminosa!
Elizabeth Chadas, defensora pública e Supervisora do Núcleo de Habitação e Moradia
Segundo os relatos, eram cerca de 25 a 30 homens usando balaclavas. Eles utilizaram também uma retroescavadeira para derrubar os barracos erguidos no local.
Em um relato, uma senhora de 73 anos que estava no terreno quando o grupo chegou. "Quando acordei estava com uma lanterna e um revólver na cara, e a pessoa disse: 'bora, véia, acorde, acorde, faz carreira!' Aí eles puxaram me cabelo, e eu saí correndo", disse.
Na ação, uma mulher de 28 anos que não participava da ocupação foi morta ao ser baleada em circunstâncias ainda não esclarecidas. O caso está a cargo da 4ª Delegacia do DHPP (Departamento de Homicídio e Proteção à Pessoa).
A vendedora Mayane Reis chegou a dar entrada em um hospital no bairro Pirambu, mas não resistiu e morreu. Ela morava na comunidade da Aldeia, que fica ao lado, e saiu de casa durante a confusão para procurar o marido.
Já o 1º Distrito Policial investiga a ação de desocupação feita por pessoas contratados pela empresa dona da área.
Ocupação era de pessoas pobres
O terreno em questão tem 33 mil m², e as famílias, diz a defensora, alegaram que a área nunca teve utilização e serviria apenas de depósito de lixo.
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Quero receberA gente fez uma verificação dessas famílias, formada por pessoas em grande vulnerabilidade e que não podem pagar aluguel. Elas estavam lá de forma pacífica, e ocupar não significa que vão ficar ou ter posse.
Elizabeth Chadas
Durante a ação, houve reação dos ocupantes e dois ônibus urbanos foram depredados. "Depois que houve a morte, eles se revoltaram e atacaram, tocaram fogo na retroescavadeira. Estamos esperando o inquérito para saber o que de fato aconteceu."
As pessoas, afirma a defensora, não são ligadas a nenhum movimento social e moravam nas proximidades do terreno. Elas teriam se organizado entre elas e ocuparam o local.
A ação gerou grande repercussão, e até o governador Elmano de Freitas (PT) usou suas redes sociais para lamentar a morte e afirmar que determinou a apuração do caso.
Estamos agora fazendo uma ação com as famílias. A nossa intenção é fazer levantamento de quem são elas: se tem criança, idosos, pessoas com deficiência ou doenças crônicas, se recebem Bolsa Família... Elas ocuparam porque não tinham para onde ir e precisam de uma atenção estatal. Vamos ver uma solução que pode ser adotada para eles.
Elizabeth Chadas
Empresa confirma ação
A empresa dona do terreno, a Fiotex Industrial S. A., confirma que foi quem protagonizou a ação, que chamou de "medidas para cessar a demarcação ilegal."
"Não havia moradores no terreno. A ação foi testemunhada por policiais militares e ocorreu de forma pacífica por quase duas horas", afirma a nota.
A informação de que não havia moradores é contestada pela defensoria, que alega ter diversas testemunhas que afirmam que o local estava sendo habitado.
Sobre a presença de policiais e viaturas no local, o Comando da PM informou à coluna que está apurando se algum militar chegou antes do acionamento da Ciops (Coordenadoria Integrada de Operações de Segurança), já na manhã de terça-feira. "Os fatos serão averiguados por meio do procedimento pertinente."
A empresa diz ainda que é proprietária do terreno há mais de 20 anos e que foi informada sobre essa "demarcação" na sexta-feira (6), e no mesmo dia teria registrado um boletim de ocorrência no 34º Distrito Policial.
A equipe foi surpreendida por agressores vindos de fora do terreno, arremessando pedras, ateando fogo e realizando disparos contra todos que se encontravam no local e seus arredores. O trator utilizado na ação foi destruído e incendiado, e dois colaboradores ficaram feridos e levados para um hospital particular.
Fiotex
Por fim, a empresa diz ainda que "não compactua com atos de violência" e que está "à disposição dos órgãos de segurança para colaborar com as investigações."
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