João Pessoa: facção pedia nomeação de esposas no lugar de servidores presos
Diálogos transcritos pela PF (Polícia Federal) e entregues à Justiça Eleitoral revelam conversas entre a vereadora Raíssa Lacerda (PSB) e a primeira-dama de João Pessoa, Lauremília Lucena, tratando de nomeações de cargos da prefeitura para integrantes da facção Nova Okaida.
O sigilo da terceira fase da operação Território Livre foi derrubado ontem (30), e a coluna teve acesso a documentos, como o pedido de busca e apreensão da PF contra Lauremília e o termo de depoimento de Raíssa.
Entre os pedidos de Raíssa Lacerda para Lauremília, há solicitações de empregos para integrantes de facções criminosas ou, quando esses são presos, a substituição deles no "emprego" por esposas ou outros familiares deles.
As duas foram presas, suspeitas de integrarem um esquema de troca de cargos por apoio do grupo criminoso. Mas hoje (1º) a Justiça Eleitoral da Paraíba mandou soltar a primeira-dama e sua secretária particular, Tereza Cristina. Lauremília foi detida pela PF no sábado (28). A juíza Maria Fátima Ramalho, da 64ª Zona Eleitoral de João Pessoa, decidiu substituir a prisão preventiva por medidas cautelares.
A vereadora Raíssa também teve a prisão substituída por medidas cautelares. Ela foi detida na segunda fase da operação, no dia 19, e renunciou à disputa pela reeleição à Câmara dos Vereadores.
Outro lado: o prefeito Cícero Lucena (PP) defendeu a primeira-dama e classificou a prisão dela como "política". "Lauremília tem uma vida limpa, é uma benfeitora na cidade e do estado", afirmou, em nota.
A vereadora Raíssa disse ser vítima de uma armação. "Todos saberão da índole de Raíssa Lacerda e de sua honestidade", afirma nota enviada por sua assessoria (veja ao final do texto as notas enviadas à coluna).
Esposa no lugar de preso
As conversas de Raíssa aconteciam de duas formas: diretamente com a primeira-dama e por meio de uma pessoa salva na agenda da vereadora como "Cris Lauremília."
A PF diz que interceptou 675 mensagens trocadas entre Raíssa e "Cris". "Quase a sua totalidade são pedidos para Lauremília, e Cris funciona como intermediária."
Ao longo dos diálogos, Raíssa faz solicitações de ao menos dois casos de funcionários indicados por ela que tiveram de sair dos empregos por terem sido presos. Eles eram contratados pela prefeitura por meio de empresas terceirizadas
Em uma das mensagens, de 29 de janeiro, quando Raíssa ainda era secretária executiva da Cidadania e Direitos Humanos de João Pessoa (ela deixou o cargo em maio), ela pede a Cris para tirar Eliel Alves do cargo que estava, já que ele acabara de ser preso.
A PF afirma ter investigado a vida de Eliel e descoberto que ele é integrante da facção Nova Okaida e acusado de homicídio, tráfico de drogas e roubo. Eliel era contratado como porteiro em uma empresa terceirizada.
No lugar dele, Raíssa pede para colocar sua esposa, Mayra Silva, que também tem passagem pela polícia por tráfico de drogas.
Entretanto, a solicitação não caminhou como a vereadora gostaria e, em 27 de junho, ela tem uma conversa com Lauremília, segundo a PF, para informar a necessidade de trocar o nome no cargo.
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Quero receberEu vou repetir aqui para a senhora. Neguinho ELIEL foi preso faz mais de seis meses. Eu mandei para a CRIS, avisando que ele estava preso, ela disse que não estava sabendo. Depois ela ligou para mim e disse 'eita, é mesmo, tá preso, vamos substituir'. Mandei o currículo da esposa dele. Faz seis meses que eu não substituo mais. E a senhora acha que amanhã eu vou conseguir, no último dia, de substituir?
Mensagem de Raíssa para Lauremília às 19h47 de 27 de junho
Após a mensagem, no dia seguinte, Raíssa escreve para a primeira-dama e avisa que "será resolvido segunda, madrinha."
Cargo para preso e esposa
Em 20 de fevereiro, diálogo revela que a então secretária Raíssa pediu a substituição de um homem identificado como Pezão. Cris pergunta a ela se ele havia sido demitido, e Raíssa responde: "O bichinho foi preso".
Pezão, diz a PF, seria Maurício Rafael Duarte, "faccionado da Nova Okaida, preso em 2024". "Ele tinha um emprego na Prefeitura", cita o documento da PF, sem mais detalhes.
Em depoimento no último dia 26, Raíssa diz que "o pedido de emprego de Pezão foi feito a Lauremília" e que ela "conseguiu emprego para ele no [hospital] Santa Isabel." Além disso, afirma que também conseguiu emprego para a esposa de Pezão na prefeitura.
Na conclusão do relatório, a PF afirma que a participação da primeira-dama era "fundamental", já que ela "detinha a última palavra nas contratações de indivíduos ligados ou indicados por integrantes de organizações criminosas". Para os investigadores, os cargos precisavam de sua "anuência explícita à celebração dos 'acordos' estabelecidos entre os candidatos e criminosos."
Vale ressaltar que RAÍSSA LACERDA aparenta ter uma relação próxima com o prefeito CÍCERO LUCENA e a primera-dama LAUREMÍLIA LUCENA, aos quais chama de padrinho e madrinha respectivamente.
Relatório da PF
O que diz a Prefeitura de João Pessoa
"Na imprensa, nossos adversários divulgaram versões fantasiosas e inverdades com o intuito de manchar a honra de uma mulher íntegra, respeitada e querida pelo povo paraibano. Lauremília não teme as investigações e, na Justiça, demonstrará que é vítima de uma grave perseguição política, orquestrada pelos adversários de Cícero, que claramente utilizam sua influência para esse fim.
Trata-se de uma prisão política. Lauremília tem residência fixa e jamais se recusaria a prestar depoimento ou esclarecer quaisquer fatos. Houve o uso de força desproporcional, já que ela sequer foi convocada para prestar depoimento. Claramente, os adversários de Cícero estão utilizando todos os meios para conquistar o poder a qualquer custo, sem respeito à sua família ou à cidade de João Pessoa.
Lauremília tem uma vida limpa, é uma benfeitora na cidade e do estado. Ela provará sua inocência, sendo mais uma vítima de injustiça, assim como Cícero também foi."
O que diz a vereadora
"Acordamos perplexos com a notícia da prisão da vereadora Raíssa Lacerda pela Polícia Federal, e reiteramos sua inocência. Estamos consternados com essa situação.
Como dito anteriormente, Raíssa não possui nenhuma ligação com as pessoas que foram citadas no processo da operação Território Livre, e a verdade virá à tona e será esclarecida.
Todos saberão da índole de Raíssa Lacerda e de sua honestidade. Raíssa é inocente e tem como provar.
Ela está sendo vítima de uma ardilosa perseguição eleitoral."
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