Major é condenado a um ano de prisão por 10 anos de assédio sexual na PM-PB
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A Vara Militar de João Pessoa condenou, no último dia 11, o major Arnaldo Lucena Clemente a um ano de prisão em regime aberto por prática de assédio sexual durante uma década contra uma militar subordinada a ele na PM (Polícia Militar) da Paraíba.
Por dez anos, a soldado (hoje cabo) diz que recebeu mensagens de cunho sexual e até visitas em sua casa do militar acusado, que nega todas as acusações.
O MP-PB (Ministério Público da Paraíba) afirmou ao UOL que vai recorrer da decisão para tentar aumentar a pena. A coluna tentou contato com o advogado do major desde a quarta-feira, mas ele não respondeu. A PM-PB não forneceu o contato do major. O espaço está aberto para manifestação.
Clemente era, inicialmente, subcomandante da unidade em que a militar trabalhava. Depoimentos de colegas relataram que chegaram a ouvir o acusado dizer que "gostava dela como mulher" e que "havia sonhado com ela."
O militar ingressou na PM em 1991 e foi para a reserva remunerada em 2023, logo após a denúncia da vítima. Como todo militar que se aposenta, teve direito a uma promoção (de capitão para major), publicada em 7 de março de 2023.
Abusos começaram em 2013
A vítima relata que os assédios começaram em 2013, quando ela tinha 29 anos, e seguiram até meados de 2023. Nesse período, ele ascendeu na corporação de tenente para capitão e assumiu, em 2022, o comando da companhia.
Na denúncia oferecida pelo MP-PB, ela explica que Arnaldo era seu superior hierárquico na unidade e, de repente, começou a lhe mandar mensagens de cunho sexual, dizendo sentir atração por ela.
A partir daí, a vítima conta que ele passou a fazer contatos pelo WhatsApp "tanto no ambiente militar quanto na sua hora de folga." Além disso, no processo há relatos de ligações telefônicas, falas diretas e visitas à sua residência feitas de forma indevida pelo militar.
Inicialmente, a soldado chegou a bloquear o contato de Clemente, mas ele determinou que fosse desbloqueado com o argumento de que precisaria se comunicar por razões de serviço.
Um fato que chama a atenção é que ele, nesse período, possuía uma cópia da chave do alojamento feminino da unidade —e a vítima era a única mulher do local.
Por diversas vezes, o denunciado adentrou o alojamento sem qualquer aviso prévio, chegando a afirmar que dividiria o espaço com a ofendida, uma vez que a unidade não dispunha de alojamento exclusivo para oficiais.
Denúncia do MP-PB
Alertados pela vítima, comandantes orientaram agressor a parar, diz MP
Nesse período, ela conta que denunciou o caso ao comandante da companhia, que determinou que Clemente deixasse de fazer contato. A vítima cita que ele obedeceu e parou de enviar mensagens, até o dia em que um novo militar chegou para assumir o posto.
A partir dali, relata que os assédios voltaram, e a militar voltou a comunicar o fato ao novo comandante. "Este, ao tomar ciência da situação, repreendeu o acusado e o advertiu a não mais entrar em contato com a ofendida", diz a denúncia do MP-PB.
Os oficiais ouvidos nas investigações e em juízo afirmaram categoricamente que orientaram o réu a parar de enviar mensagens e importunar a sua subordinada.
Denúncia do MP-PB
Apesar dos assédios, a vítima afirmou que não levou o caso para a Corregedoria da PM por temor de que, por ser jovem na carreira, a denúncia contra um oficial da corporação poderia prejudicá-la.

Após promoção do agressor, a situação piorou
A situação da vítima se agravou em 2022, quando Clemente (já na patente de capitão) assumiu o comando da companhia em que ela atuava.
"A partir de então, segundo relato da vítima, o acusado passou a lhe enviar mensagens diárias de cunho sexual, bem como a fazer ligações constantes, muitas vezes sob o pretexto de tratar de assuntos de serviço, além de se dirigir à sua residência nos seus dias de folga, mesmo sendo casada, alegando que iria resolver questões funcionais", diz a denúncia.
A vítima conta que a gota d'água ocorreu no dia 2 de fevereiro de 2023, quando ela foi até o gabinete de Clemente, e lá ele teria tentado agarrá-la.
Ela decidiu fazer a denúncia formal —e contou aos colegas. A informação chegou a Clemente, que a procurou para uma conversa. No dia 23 de fevereiro de 2023, uma quinta-feira pós-Carnaval, ele teve um diálogo dentro da sede da companhia, que foi gravado escondido pela cabo. O áudio consta no processo e foi aceito como prova.
Na conversa, Clemente pede desculpas à vítima e chega a prometer que "eu posso tá engolindo um dragão pegando fogo", não voltaria a repetir as ações. "Eu peço desculpa a seu pai, diga que já tá tudo resolvido pra ele num fazer nenhum moído [confusão]."
Eu tô aqui mais uma vez lhe pedindo melhor desculpas pelo meu erro. E prometo que isso não vai se repetir enquanto eu tiver vida, nem com você, nem com ninguém.
Clemente, em áudio gravado pela vítima
No dia seguinte, a vítima decidiu ir até a Corregedoria da PM onde expôs o caso. Também foi à Delegacia da Mulher, que gerou a denúncia do MP-PB contra o militar.
Na sentença, o juiz Eslu Eloy Filho cita que militares que foram chamados a depor disseram ter visto as mensagens.
O conjunto probatório colhido nos autos é amplo e não se limita à gravação questionada pela defesa. Os relatos da vítima foram corroborados por diversas testemunhas, incluindo superiores hierárquicos e colegas de trabalho que confirmaram tanto o teor das investidas do réu quanto os reiterados constrangimentos sofridos por aquela.
Sentença
O magistrado cita ainda que a vítima "descreveu de maneira detalhada e coerente os reiterados atos de constrangimento de natureza sexual perpetrados pelo acusado ao longo dos anos".
Em todas às vezes que fora ouvida, inclusive em juízo, a vítima fez relatos seguros, coerentes, consistentes e espontâneos, narrando que o denunciado, na condição de superior hierárquico, enviava-lhe mensagens de WhatsApp de cunho sexual e a procurava em sua residência, fora do horário de expediente, apesar de saber que ela era casada, chegando a afirmar que 'gostava dela como mulher', o que lhe causava profundo constrangimento no ambiente de trabalho.
Sentença
Os assédios causaram trauma e consequências psicológicas graves a cabo, segundo o MP-PB.
Minha vida virou um inferno. Ela acabou com o meu psicológico. Hoje eu tomo seis remédios por dia. Eu não consigo esquecer Trecho de depoimento da vítima
Em nota, a PM-PB disse que não comenta processos ou decisões judiciais em segredo de Justiça, mas informou que "prestou todo o apoio psicológico à vítima no caso citado, com o Espaço Viver Bem do Policial Militar."
"A corporação tem serviço de referência em acolhimento biopsicossocial dos seus integrantes caso eles necessitem, ou que sejam encaminhados por seus comandantes", afirma a nota, sem citar qualquer punição ou processo em andamento do major.
O promotor do caso, Fernando Antônio Ferreira Andrade, explica que, independente do tamanho da pena, a PM-PB pode usar a sentença para abrir um procedimento administrativo e expulsar o major do quadro militar. "Isso, se [a PM] entender que a conduta —materializada pela condenação— torna a pessoa indigna de permanecer nas fileiras.
Major nega assédios
Em suas alegações na Justiça, a defesa do major cita depoimentos de policiais femininas que afirmaram não ter presenciado qualquer assédio e diz que os depoimentos e outras provas "demonstram que tais fatos nunca aconteceram". As alegações classificam o depoimento da vítima de "emaranhado de mentiras" e "rosário de contradições", motivadas por uma retaliação ao sistema de gestão implementado por Clemente.
Em um primeiro depoimento disse que a única investida contra sua pessoa seria na oportunidade em que o acusado teria dito 'que gostava dela como mulher' e noutro momento disse que o acusado apenas teria usado essa frase, sem que jamais tenha tentado tocar fisicamente na mesma.
Alegações finais da defesa
A defesa ainda pediu que fosse realizada uma perícia no que chama de "gravação clandestina" do diálogo incluído no processo. O pedido foi negado pela Justiça.
45 comentários
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Maria Cristina de Moraes Rosa Manfredini
Depois de dez, dez anos de assédio o knalha foi premiado com somente um ano de prisão domiciliar! Escárnio total!
Cleyton Scherer
Prisão domiciliar = prêmio
Rafael Pansanato
É na mão desse tipo de gente que estaríamos se o Bozo tivesse dado o golpe.