Caso Silvio Almeida pode reabrir debate sobre foro privilegiado no STF
A regra do foro privilegiado não chega a ser linear. A Constituição Federal lista objetivamente todas as autoridades com direito a serem investigadas perante o STF (Supremo Tribunal Federal). Na prática, há espaço para curvas argumentativas.
Ao longo dos anos, o próprio Supremo mudou o entendimento sobre o tema. As acusações contra o ex-ministro dos Direitos Humanos Silvio Almeida podem ensejar novos debates em torno da questão.
Demitido da pasta na sexta-feira (6), a consequência lógica seria o fim do direito ao foro especial. Mas o caso tem sido alvo de diversas interpretações no meio jurídico. Uma das linhas aventadas por interlocutores de Almeida é que, como uma das acusadoras seria a ministra Anielle Franco, da Igualdade Racial, haveria a possibilidade de ser aberto o inquérito no STF, já que ela tem o direito ao foro.
No entanto, pela Constituição Federal, o foro especial é dedicado a autoridades acusadas de crimes, e não para as vítimas. A exceção é o inquérito das fake news e seus derivados, em que ataques a integrantes do tribunal são apurados no Supremo, mesmo que os agressores não tenham direito constitucional ao foro.
A justificativa do STF para manter essas investigações na corte vem da interpretação do artigo 43 do Regimento Interno, segundo o qual o presidente do Supremo abrirá inquérito para apurar infração à lei penal cometida na sede ou em dependência do tribunal. A mesma interpretação não deve ser aplicada no caso Silvio Almeida, já que ele não integra o Supremo.
Para todo o resto, em 2018, o Supremo interpretou a regra do foro especial de maneira restritiva, de modo a diminuir a quantidade de pessoas investigadas na corte. Pelo entendimento, só têm direito ao foro especial autoridades investigadas por atos praticados na vigência do cargo e em decorrência dele.
No ano passado, o tribunal ampliou o entendimento e declarou que pessoas sem direito ao foro que cometem crime conexo ao praticado por autoridades também são investigadas no STF. Foi assim que mais de 1.300 acusados dos atos antidemocráticos de 8 de janeiro de 2023 foram parar em inquéritos no tribunal — já que, entre os suspeitos, havia inicialmente cinco deputados federais.
O suposto crime de Silvio Almeida não se conecta com o crime de nenhuma outra autoridade com direito ao foro especial. E, pelo que se sabe, supostos os atos de assédio sexual não foram cometidos em decorrência do cargo que ele ocupava. A menos que haja no STF o entendimento de que o posto de ministro de Estado potencializou essas práticas.
Segundo o portal Metrópoles, a investida dele contra Anielle ocorreu em reunião na sede do Ministério da Igualdade Racial, em 16 de maio. Almeida teria passado a mão nas pernas da colega.
Apesar das conjecturas no meio jurídico, nos bastidores do STF a avaliação é que o caso nem passe por lá e siga direto para a primeira instância do Judiciário. Caberia, então, um questionamento: por que a Polícia Federal ficou encarregada de apurar as denúncias?
A PF atua na instrução de investigações abertas no STF, de delitos relativos a convenções internacionais ou, ainda, em casos de interesse da União. Elucidar as acusações contra Silvio Almeida pode ser um interesse da União. Ainda assim: já se tinha conhecimento das denúncias dentro do governo mas, até quinta-feira (5), nada foi feito. O interesse, portanto, teria surgido a partir da publicidade dada ao caso. Um interesse, portanto, discutível.
Há ainda a possibilidade de interesse do Estado em reprimir violência contra a mulher, que é um dos compromissos assumidos pelo Brasil em convenções internacionais. A questão é: não partiu do próprio governo esse interesse, foi necessário que uma ONG tenha lançado a notícia na rua para que ela ganhasse repercussão perante a sociedade.
Todas essas questões não foram debatidas no Judiciário, porque a investigação ainda não foi judicializada, está a cargo apenas da PF. Em algum momento, os tribunais poderão entrar no debate, se for o caso. O mais provável é que isso ocorra mais adiante. E, com o tema mais frio no noticiário, certamente as discussões jurídicas serão menos inflamadas do que as demandas atuais da opinião pública.
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