Jamil Chade

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Conselho da ONU não tem acordo sobre crise, e teme que conflito se espalhe

A primeira reunião do Conselho de Segurança da ONU para lidar com a crise no Oriente Médio terminou neste domingo sem uma declaração conjunta dos países, no que muitos diplomatas apontaram como um sinal preocupante da incapacidade da comunidade internacional e de potências de responder à situação com uma voz única.

Não houve sequer um consenso sobre uma condenação contra o Hamas, com a delegação russa optando apenas por convocar "todas as partes" à mesa de negociação.

Fontes que participaram do encontro a portas fechadas revelaram que uma das principais preocupações discutidas foi a possibilidade de que o conflito entre o Hamas e Israel se espalhe, com uma guerra regional.

O encontro havia sido convocado de emergência pelo Brasil, que preside o Conselho. Durante a reunião, os especialistas da ONU entregaram aos governos um levantamento de como estava a situação, tanto em Israel como em Gaza. A apresentação coube ao norueguês Tor Wennesland, coordenador da ONU para o processo de Paz no Oriente Médio.

Inicialmente, havia uma proposta do governo da França e dos Emirados Árabes de que uma declaração conjunta fosse lida e aprovada pelos 15 membros.

Mas o governo americano hesitou e acabou alertando que tinha resistências em determinados pontos da declaração. Os Emirados Árabes Unidos, que também estavam no encontro, acabaram cedendo e ecoaram as preocupações americanas, retirando seu apoio por um texto conjunto.

Sergio Danese, embaixador brasileiro que presidia o encontro, explicou que governos fizeram perguntas ao especialista da ONU e que a reunião serviu para que cada delegação tivesse uma visão mais clara sobre a situação. Também foi a ocasião, segundo ele, de que governos declarassem seu apoio para que um processo negociador pudesse ser retomado.

Mas, com posições ainda distantes, a opção foi por abandonar a possibilidade de uma declaração conjunta. Danese não descarta que novas reuniões sejam convocadas para os próximos dias.

No caso da posição brasileira, ele destacou que o tom já foi dado por uma nota do Itamaraty. Nela, o governo manifestou "enorme preocupação e tristeza pelo que está ocorrendo, e procura olhar para a possibilidade de que haja um futuro de negociações". Citando a nota, o embaixador apontou que a volta ao "trilho de negociações" é considerado como pelo Brasil como o único caminho duradouro para a paz, com a criação de dois estados vivendo em fronteiras internacionalmente reconhecidas.

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Ao final do encontro, Robert Wood, embaixador dos EUA, admitiu que houve uma preocupação de que o conflito se espalhe. Outros governos que fizeram parte do encontro também apontaram nesta direção.

Wood, porém, lamentou que nem todos os países no Conselho de Segurança condenaram o Hamas, ainda que não tenha dado os nomes daqueles que não seguiram essa linha.

"A situação é ainda fluida e perigosa. E tentamos impedir que esse conflito se espalhe", disse Wood. "Esse conflito pode crescer e não queremos ver isso. Vamos esperar que não fique pior", insistiu.

Pressionado a responder como os palestinos fariam para se defender, Wood preferiu focar no Hamas. "Neste momento, é importante que mundo condene esses ataques", disse. "Condenamos os ataques contra civis em todas as partes. Mas o que é importante agora é o apoio à Israel", explicou.

O governo dos Emirados Árabes também destacou o risco de que o conflito se espalhe. Para a embaixadora do país, Lana Nusseibeh, é importante que cada um dos governos do Conselho use sua influência e canais diplomáticos para levar todas as partes no conflito a uma desescalada.

Relatando o encontro, a diplomata admitiu que alguns governos apontaram para o fato de que o processo de uma negociação política foi interrompido. "Mas precisamos lidar com a crise imediata", disse, citando a necessidade de que os israelenses sequestrados sejam liberados.

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Para outros governos que fizeram parte do Conselho, uma das mensagens do encontro foi de que os palestinos tem direito à paz e a de defender, mas não por meio de ataques como o do Hamas.

11 de Setembro

Antes da reunião começar, as delegações de Israel e da Autoridade Palestina trocaram acusações, cada qual responsabilizando a outra pela crise.

O governo de Israel denunciou o terrorismo cometido pelo Hamas nos últimos dias e alertou que os acontecimentos representam o equivalente aos atentados de 11 de setembro para o país. "Nada será como antes", declarou Gilad Erdan, embaixador de Israel na ONU. "Esse é nosso 11 de setembro", afirmou, numa referência aos ataques contra os EUA em 2001.

Antes da reunião, Erdan acusou o Hamas de "selvagens", de agir de "da mesma forma que atuaram os nazistas" e equiparou o grupo ao Estado Islâmico e Al Qaeda. Mostrando fotos dos crimes, o diplomata chamou o Hamas de "animais" que "pisavam nos palestinos como insetos", num tom pouco comum dentro da ONU.

"O que vimos são crimes de guerra e faremos de tudo para trazer nossos cidadãos sequestrados de volta", garantiu.

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Segundo ele, muitos países hoje apoiam Israel. Mas ele acusou a comunidade internacional de ter "memória curta". "Não deixar que o mundo se esqueça dessas atrocidades cometidas por um grupo de genocidas", insistiu.

"Apagar" o Hamas

A fala do embaixador de que "nada será como antes" foi recebida por diplomatas como um sinal claro de a estratégia militar israelense deve mudar.

Para o diplomata, a comunidade internacional não pode continuar a dar recursos para Gaza. "Esse dinheiro não vai para escolas. Todo o território de Gaza faz parte da máquina de terror do Hamas", indicou, numa sugestão de que todos os locais podem ser alvos de respostas e que uma ação generalizada sobre o território onde existem 2 milhões de habitantes seria justificada.

Segundo ele, a meta agora é a de "apagar" o grupo terrorista para que "nunca mais ocorra". "É uma guerra contra a civilização".

"História não começou ontem", diz palestino

As frases do diplomata israelense foram seguidas por uma coletiva por parte do embaixador palestino na ONU, Riyad Mansour, que alertou que Israel não pode conduzir uma guerra, esperando que haverá paz. "Precisamos lidar com as raizes da crise. Liberdade, não ocupação", disse.

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Numa declaração pedindo paz, o embaixador insistiu que a história não começou com o recente ataque do Hamas. "Ano após ano, estamos dizendo que a situação é intolerável", afirmou, numa referência aos ataques israelenses. "Nós escolhemos o caminho da paz, que é o que a comunidade internacional aposta. Não nos prove agora que estávamos errados", alertou.

Para ele, é tempo de colocar "fim à violência e iniciar um diálogo político". Mas, também fugindo do tom usado tradicionalmente na ONU, fez acusações contra Israel. "Não somos sub-humanos", disse. O diplomata insiste que não se pode defender a paz, e ao mesmo tempo defender a ocupação.

Mansour ainda lançou um alerta ao Conselho: "onde está a proteção aos palestinos quando há uma ocupação?". Em seu discurso, ele pediu que o órgão defenda o direito internacional, e não que se abandone isso. Para ele, essa é a hora de justiça, não vingança.

Para a relatora da ONU para os Territórios Palestinos Ocupados, Francesca Albanese, "não há como ser seletivo na indignação" e lembrou que o próprio bloqueio de Gaza, iniciado há 16 anos, é um crime de guerra cometido por Israel.

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Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

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