Jamil Chade

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Nos bancos suíços, Maluf passou de 'nobreza' ao status de persona non grata

De nobreza ao status persona non grata. Paulo Maluf recebia nos anos 90 um tratamento que banqueiros suíços apenas davam às maiores fortunas do mundo, com gerentes particulares de contas, encontros em locais de luxo e colocado numa seleta lista de clientes mais que preferenciais.

Décadas depois e diante de suspeitas que se acumulavam, seus principais agentes financeiros foram se afastando e até os bancos nos quais ele mantinha contas cobraram explicações sobre a origem do dinheiro. Agora a Suprema Corte da Suíça determinou a devolução ao Brasil de US$ 16,3 milhões (cerca de R$ 82 milhões).

Fontes em Genebra ainda lembram como Maluf era tratado pelos banqueiros da cidade com um padrão equivalente ao que concediam para príncipes árabes e monarcas. Maluf não ia às agências de banco. Eram os banqueiros quem viajavam até mansões no Sul da França para tratar de seus negócios.

O ex-prefeito era também classificado na lista dos clientes mais destacados do Citibank de Genebra e, entre julho de 1985 e janeiro de 1997, a fortuna de Maluf passou a ser administrada por um grupo seleto de funcionários que cuidava exclusivamente dos grandes clientes da instituição.

Mas as boas relações foram progressivamente se transformando em suspeitas e cobranças. A eclosão da suspeita de desvio de verbas públicas e a referência de Maluf na Interpol tornaram o ex-prefeito um elemento tóxico.

O primeiro sinal desse afastamento foi a cobrança que surgiu dos próprios bancos. Em 1997, a Suíça começaria a modificar sua lei bancária e a colocar certos limites para o sigilo nas contas. Bancos passaram a ser obrigados a saber a origem do dinheiro.

Em Genebra, o Citibank foi um dos primeiros que, já no final dos anos 90, levantaram dúvidas sobre a origem dos recursos. Sem uma resposta satisfatória por parte da família Maluf, o banco sugeriu que os ativos fossem transferidos para outras jurisdições. Segundo fontes dentro do Ministério Público Suíço, essa versão faz parte dos depoimentos prestados no caso.

Por um certo tempo, os advogados de Maluf em Genebra vinham do escritório Brunschwig Wittmer, o mesmo que havia defendido o ex-ditador nigeriano Sani Abacha, que também teve seus ativos bloqueados na Suíça. "Hoje, Maluf dificilmente encontraria um banco na Suíça disposto a abrir uma conta sua", alertou um ex-alto funcionário da poderosa Associação de Bancos Suíços, que pediu para não ter seu nome revelado.

Na Ilha de Em Jersey, foi o Deutsche Bank que se surpreendeu com o volume de dinheiro que começou a entrar na conta da empresa offshore Durant International. O banco pediu em 1999 para que fosse explicado quem controlava a conta Chanani em Nova York, de onde vinha o dinheiro.

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Segundo Stephan Baker, então advogado da Prefeitura de São Paulo em Jersey, a resposta dada naquele momento foi de que Flávio Maluf, filho do ex-prefeito, era quem a operava.

No ano seguinte, o banco pediu novos detalhes, e a família Maluf explicou que a entrada de US$ 13 milhões da Chanani era parte de comissões pagas por intermediar um contrato. "O próprio banco pediu maiores informações", insistiu Baker.

Uma carta entregue ao juiz em Jersey, Howard Page, e escrita pelo escritório que representava Maluf na época na Suíça foi quem respondeu à pressão do banco, alegando que o dinheiro vinha de "negócios legítimos".

O Deutsche Bank também acabou colaborando com as investigações da Justiça. A debandada de seus aliados continuaria. Segundo advogados próximos ao caso, o conselheiro de investimentos Hani Bin Al Kalouti, que atuaria apenas na gestão das contas da Durant no Deutsche Bank de Jersey, se afastaria dos negócios da família. Al Kalouti era uma espécie de banqueiro particular do grupo, segundo os advogados de acusação.

Na própria ilha de Jersey, as autoridades insistiram em usar o caso Maluf como um sinal à comunidade internacional de que estão dispostos a colaborar e não queriam ser vistos como um paraíso fiscal que serve de abrigo para corruptos.

Naquele momento, a ofensiva contra os paraísos fiscais era liderada por um jovem senador: Barack Obama. Ele propunha duras sanções contra centros offshore que não cumprissem com acordos internacionais para compartilhar informações sobre suspeitos de crimes financeiros. Jersey foi duramente cobrada e utilizou justamente do caso do político brasileiro para tentar aliviar a pressão contra a ilha.

Uma carta redigida pelo então senador americano Frank Walker aponta justamente a colaboração de Jersey com investigações em Nova York sobre as contas de Maluf como uma prova da seriedade das autoridades da ilha em combater a lavagem de dinheiro.

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Hoje, nos centros financeiros da Suíça, o nome de Paulo Maluf ainda ecoa como um momento emblemático do país dos bancos. Há 20 anos, em Genebra, a decisão do então procurador chefe, Bertrand Bertossa, de confirmar a existência de suspeita sobre o ex-prefeito fazia parte de um esforço dos suíços de começar a lidar com a montanha de dinheiro sujo em seus cofres.

Os mais críticos alertam que nada mudou no país que guarda um terço da fortuna do planeta. Apenas a lavagem ficou mais sofisticada.

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Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

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