Jamil Chade

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Reportagem

Potências gastam US$ 2,4 tri em armas; valor erradicaria a pobreza extrema

As principais potências gastaram US$ 2,4 trilhões (pouco mais de de R$ 12 trilhões) em suas forças armadas no ano passado — numa ofensiva liderada por EUA, China e Rússia. Trata-se do valor mais elevado já registrado, superando o auge da Guerra Fria.

Apenas os países da Otan foram responsáveis por US$ 1,3 trilhão, segundo os dados do Sipri (Instituto Internacional de Estocolmo para Pesquisas para a Paz, na tradução). Os gastos no Oriente Médio e Ásia também batem recorde.

Mas o que aconteceria se destinássemos o equivalente ao dinheiro que o mundo gastou em armas em 2023 para lidar com alguns dos maiores desafios da humanidade?

Caso o valor fosse destinado a outras áreas, o impacto poderia ser decisivo na luta contra a pobreza e fome. Doenças seriam controladas e erradicadas, enquanto milhões de professores poderiam ser pagos.

Hoje, apenas sete países no mundo têm um PIB superior aos gastos globais em armas. Cerca de 150 países contam com um PIB que representa 10% desses orçamentos militares. O Haiti, por exemplo, tem uma economia que soma apenas 1% dos gastos mundiais de armas.

Se esse dinheiro fosse para alimentação...

A fome é tão antiga quanto a história da humanidade. A Oxfam, confederação que atua contra a insegurança alimentar, estimou em 2022 que precisaria de 37 bilhões de dólares por ano até 2030 para enfrentar a fome extrema e a fome crônica.

Em 2015, a FAO (agência da ONU para alimentação) estimou que acabar com a fome até 2030 exigiria US$ 267 bilhões por ano extras em investimentos na área urbana e rural, além de proteção social.

Ou seja, se apenas um ano de gastos militares fosse destinados para o combate à fome, a história seria outra para bilhões de pessoas.

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Se fosse para operações humanitárias...

As crises humanitárias por conta de guerras, clima e desastres também assolam o planeta. Em 2024, a ONU anunciou que precisa de US$ 46 bilhões para sair ao socorro de 180 milhões de pessoas pelo mundo. Quase cinco meses depois, recebeu apenas 9% desse valor.

As armas de 2023, portanto, teriam financiado operações humanitárias durante anos.

Se fosse para erradicar a pobreza..

A pobreza extrema atinge hoje 648 milhões de pessoas que, segundo o Banco Mundial, vivem com menos US$ 2,15 por dia.

Dar mil dólares para cada uma delas por um ano revolucionaria a vida desse segmento mais miserável do planeta e custaria menos de US$ 700 bilhões. Um terço dos gastos em armas.

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No começo do nosso século, o economista Jeffrey Sachs estimou que o mundo precisaria investir US$ 175 bilhões por ano, durante 20 anos, para erradicar a pobreza. Se tivesse sido adotada, sua proposta teria levado o planeta a um outro caminho.

Se fosse para a saúde...

Doenças que assolam a humanidade também teriam, finalmente, uma resposta. Em 2020, a UNAids (programa da ONU contra a doença) lançou um programa para permitir que US$ 29 bilhões fossem investidos até 2025 para reverter de forma definitiva a trajetória da Aids nos países pobres e de renda média. Uma migalha diante dos preços das bombas e mísseis.

A comunidade internacional ainda lançou, em 2022, um plano para erradicar a pólio até 2026. Para isso, precisa de US$ 4,8 bilhões.

Mesmo no caso da covid-19, os recursos teriam sido decisivos, enquanto a guerra pelas vacinas criava o que africanos chamaram de um "apartheid" de saúde no mundo. Durante os momentos mais críticos da pandemia, o Banco Mundial estimou que seriam necessários US$ 50 bilhões para vacinar o mundo todo contra a covid-19.

Nos primeiros três anos da pandemia, governos destinaram mais de US$ 105 bilhões para a compra de vacinas e terapias. Até 2025, a conta chegará a US$ 157 bilhões, segundo a IQVIA Holdings Inc, empresa que atua com tecnologia da informação, saúde e pesquisa clínica.

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Se fosse para a educação...

Na área de educação, a comparação com os gastos em armas fica ainda mais escandalosa. Com os US$ 2,4 trilhões, haveria recurso suficiente para pagar pelos salários de 30 milhões de professores, com base na renda da profissão nos EUA (cerca de US$ 55 mil por ano).

Ainda nos EUA, o dinheiro das armas pagaria por toda a universidade de 8 milhões de americanos.

No Brasil, o que se gastou em armas financiaria o Bolsa Família — que custa R$ 168 bilhões por ano — por pelo menos 50 anos.

Se fosse para o clima...

O clima, o maior desafio da humanidade no século 21, também teria outra história. Com os recursos apenas de um ano em armas, os países ricos teriam recursos suficientes para cumprir a promessa de ajudar os emergentes e mais pobres a promover a transição energética. Em 2015, eles prometeram destinar US$ 100 bilhões por ano, dinheiro que jamais chegou.

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Garantir uma transformação climática, porém, custará muito: cerca de US$ 1 trilhão por ano aos países em desenvolvimento. Ou 1,5 trilhão de euros para a UE se transformar em um continente com emissões zero até 2050.

Mesmo assim, a outra opção é uma ameaça existencial para todos nós.

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Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

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