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Heleno integrou grupo de militares que discutiu ação golpista, diz coronel
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O general Augusto Heleno, ex-ministro do GSI (Gabinete de Segurança Institucional) no governo de Jair Bolsonaro (PL), fez parte de um grupo de Whatsapp com militares da ativa e da reserva no qual foram discutidas ações golpistas, como a ideia de uma intervenção do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD), para impedir a posse de Lula (PT). A existência do grupo foi revelada ao UOL pelo coronel aviador reformado Francisco Dellamora, que atacou o senador, o presidente e o STF.
Chamado "Notícias Brasil", o grupo do qual fazia parte também o general da reserva Sérgio Etchegoyen, que comandou o GSI no governo Michel Temer (MDB), existiu até 8 de janeiro de 2023, dia dos ataques às sedes dos Três Poderes.
De acordo com o coronel, Heleno lia as mensagens, mas não se manifestava sobre as iniciativas golpistas.
"Esse [Rodrigo] Pacheco é o maior canalha do Brasil hoje porque ele não fez o que tem que fazer. Esse cara vai passar para história e para as leis da história do Brasil porque ele não deixa o Congresso fazer o que tem que ser feito. Porque tem que cassar. Ninguém tem que respeitar ninguém do STF não. Tem que cassar. São bandidos. Não existe Justiça no Brasil. Existe uma quadrilha instalada no STF", afirmou à coluna.
O general Heleno disse ao UOL que não se recorda do grupo e que nunca ouviu "essas histórias de que se vai decretar intervenção". "Não sei quem participou. Internet é um negócio que você começa a responder uma porção de coisas, mas nunca participei disso".
Eu não me lembro de ter lido essas mensagens porque não me lembro desse grupo. O coronel Dellamora está muito velho. Não sei a importância que ele tem no quadro político nacional hoje"
General Heleno, que, no entanto, afirmou que "conhece bem" Dellamora
Segundo Dellamora, a base para uma intervenção e até um adiamento da posse de Lula seria o relatório das Forças Armadas sobre o sistema das urnas, apresentado em novembro de 2022. O Ministério da Defesa divulgou o documento dizendo que a equipe de técnicos militares na fiscalização do sistema eletrônico de votação não apontou nem excluiu a possibilidade da existência de fraude ou inconsistência nas urnas eletrônicas e no processo eleitoral do ano passado.
"Nós não consideramos legal [a eleição]. Consideramos o STF [Supremo Tribunal Federal] na ilegalidade. O TSE [Tribunal Superior Eleitoral] na ilegalidade. E todos os dias eles praticam mais um ato de ilegalidade. Invadiram os escritórios do senador Marcos Do Val", diz, sem mencionar a ordem judicial do ministro do STF Alexandre de Moraes para a operação de busca e apreensão na quinta passada (15). "Nós não entendemos como se pode tirar um cara da cadeia para ser presidente da República. O bandido, condenado, sem dúvida nenhuma", afirma. "Você não viveu 64. Agora, 64 é um pinto perto da ditadura que está instalada no Brasil", completa.
As condenações contra Lula foram anuladas, e o petista foi eleito em outubro de 2022 em uma eleição legítima. Desde que as urnas eletrônicas passaram a ser utilizadas no país, jamais foi comprovada fraude nas eleições brasileiras.
O anseio por alguma ação contra a posse de Lula se seguiu até 8 de janeiro. Segundo Dellamora, existia uma expectativa de greve ou da eclosão de um movimento que, na visão dele, permitisse o "uso da lei e da ordem", uma referência a uma interpretação equivocada para o uso do artigo 142 da Constituição como um poder moderador pelas Forças Armadas, o que é falso.
No entanto, a partir desse dia, um brigadeiro, que era o administrador do grupo, encerrou o canal de troca de mensagens, de acordo com o coronel. Dellamora não quis revelar o nome do responsável pelo grupo.
Trocas de mensagens desde o impeachment de Dilma
Segundo Dellamora, o grupo foi criado em 2016 durante o processo de impeachment contra a ex-presidente Dilma Rousseff (PT) e visava uma troca de informações entre militares para que os oficiais da reserva, em certo modo, assessorassem os oficiais da ativa. Depois continuou ao longo dos anos até acabar em 8 de janeiro.
"As pessoas que estavam na ativa, como ele [Heleno], não se pronunciavam [no grupo]. Inclusive, quase todo dia que eu escrevia alguma coisa e às vezes eu olhava para ver quem tinha lido. Teve um dia que ele leu três vezes, mas ele [Heleno] não se pronunciava", afirma Dellamora.
O coronel revela que Heleno se manifestou no grupo apenas na ocasião da nomeação do ministro Nunes Marques para o STF.
"A única vez foi porque ele foi pressionado —aliás, erradamente. Eu não teria feito isso, mas no grupo uma autoridade, um general, questionou sobre a escolha do ministro porque ele não teria, digamos, o perfil que a gente esperava para fazer um contraponto [no Supremo]", disse.
Heleno, segundo Dellamora, afirmou que aconselhou Bolsonaro a indicar outro nome, mas que seria necessário confiar no então presidente. O ex-ministro justificou aos colegas de farda que Bolsonaro tinha mais experiência política do que os demais.
O general Heleno afirmou que não se lembra de ter se manifestado nem do grupo.
Além de Etchegoyen e de Heleno, estavam no grupo, segundo o coronel, cerca de 40 militares entre oficiais da ativa e da reserva — integrantes do Estado-Maior, do Ministério da Defesa e militares da área de Informações da Aeronáutica. Ele não quis informar outros nomes à reportagem.
Outro lado. O general Etchegoyen disse ao UOL que se manifestou poucas vezes no grupo e que não lembrava sobre o que tinha falado aos colegas de farda. Negou, porém, ter se envolvido nas discussões sobre a possibilidade de uma intervenção.
"Esse grupo específico, se é o que eu estou pensando, 'Notícias Brasil', é um grupo do qual eu fazia parte porque me botaram, aquelas coisas que tu fica com vergonha de sair, constrangido de sair", afirmou.
"Eu me manifestei lá uma ou duas vezes", continuou Etchegoyen. "Mas sobre intervenção, eleição, pelo amor de Deus, eu virei melancia porque achei que a eleição estava encerrada e que o presidente [Lula] tinha que assumir", disse o general. Melancia é uma referência aos militares que foram criticados por não defender publicamente ações golpistas. Na gíria interna, vermelho (cor associada a partidos de esquerda) por dentro e verde por fora.
Nunca discuti este assunto [intervenção para adiar posse de Lula] em nenhum grupo"
Sérgio Etchegoyen, general da reserva
Militares cometeram crime?
Para Thiago Bottino, professor do direito da FGV (Fundação Getulio Vargas), em tese, a situação de Heleno, como ministro, pode configurar prevaricação, mas uma investigação do Ministério Público Federal deveria ser instaurada para identificar outros crimes como associação criminosa.
"Quando o funcionário público toma conhecimento da prática de um crime ele tem o dever de reportar", afirma Bottino. Mesmo sem responder as mensagens, ao ler, ele toma consciência e, segundo o professor, poderia ter tomado a iniciativa de sair do grupo.
É preciso verificar também se ocorreu uma coordenação com outras pessoas e colaboração ou se instigou atos violentos, o que também poderia configurar associação criminosa"
Thiago Bottino, professor do direito
'Ninguém estava tramando golpe', diz coronel
Na visão de Dellamora, as discussões no grupo de Whatsapp não eram golpistas. "Ninguém estava tramando golpe. A gente estava só conversando", disse. "Nós o tempo todo buscamos formas dentro da Constituição para evitar a continuidade de um golpe", afirmar Dellamora, sem conseguir explicar como isso seria possível.
"Bolsonaro não era meu candidato. Meu candidato era Alvaro Dias [Podemos] na eleição de 2018. Votei nele quando o Álvaro Dias saiu do jogo. Mas não têm a ver com o Bolsonaro [as discussões no grupo]. Está rompido o Estado democrático de Direito", afirmou Dellamora, em referência ao episódio em que o agora deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ) foi impedido de assumir a direção da PF por uma decisão do STF, em 2020. Na ocasião, o ex-juiz Sergio Moro deixou o cargo de ministro da Justiça acusando Bolsonaro de interferência na corporação para colocar Ramagem no comando da PF.
Pesquisador do Incaer (Instituto Histórico-Cultural da Aeronáutica), Dellamora é filho do brigadeiro Carlos Affonso Dellamora, primeiro comandante do Cisa (Centro de Informações de Segurança da Aeronáutica), quando o centro foi criado em 1970.
O Cisa é apontado por ex-presos políticos como um dos locais usados por militares durante a ditadura para prisão e sessões de torturas. No local, à época do comando do brigadeiro, o então dirigente do MR-8 (Movimento Revolucionário 8 de Outubro) Stuart Angel foi assassinado em maio de 1971 — o corpo do filho da estilista Zuzu Angel nunca foi encontrado. Ele é um dos 434 mortos e desaparecidos políticos que a Comissão Nacional da Verdade registrou em 2014. O brigadeiro morreu em 2007.
Ex-ajudante de ordens de Bolsonaro discutiu golpe
Mensagens encontradas pela Polícia Federal no celular do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, demonstram que um golpe de Estado foi encorajado e que houve a elaboração de um roteiro para a ação. As informações foram reveladas pela revista Veja na semana passada.
As conversas obtidas mostram que Cid foi cobrado por membros das Forças Armadas para convencer Bolsonaro a seguir com um golpe de Estado, após a vitória de Lula. Cid está preso desde maio e se negou a falar quando depôs à Polícia Federal.
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