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MP exclui 21 homicídios da acusação contra policiais do Carandiru

Janaina Garcia e Gabriela Fujita

Do UOL, em São Paulo

02/08/2013 11h43Atualizada em 02/08/2013 14h09

O promotor Fernando Pereira da Silva excluiu nesta sexta-feira (2) 21 homicídios das acusações contra os policiais militares da Rota (tropa de elite da PM) que são julgados, desde a última segunda-feira (29), por participação no massacre do Carandiru, em 2 de outubro de 1992. Segundo o Ministério Público, 14 das 73 mortes do pavimento aconteceram do lado direito dele, e quatro, em outro local do mesmo pavimento. Além disso, três mortes foram por arma branca e podem ter sido causadas por outros presos.

Nos depoimentos, os réus foram enfáticos em afirmar que ingressaram no terceiro pavimento pelo lado esquerdo --onde ocorreram as 52 mortes restantes pelas quais são agora julgados. "Não queremos cometer injustiças", disse o promotor, salientando que não foi identificada a autoria das mortes ocorridas pelo lado direito, nem mesmo pelos interrogatórios dos PMs. 

Com a revisão do número de mortos, a pena mínima cai de 876 para 624 anos de prisão --equivalentes à pena mínima de 12 anos por homicídio doloso (com intenção de matar), multiplicada pelo número de vítimas --, caso os réus sejam condenados. Mesmo assim, por responderem o processo em liberdade, mesmo que os jurados os condenem, poderão recorrer da sentença também livres.

DRAUZIO VARELLA

Bruno Pedersoli/UOL
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Neste segundo júri, são julgados 25 PMs pela morte de, inicialmente, 73 presos que estavam no terceiro pavimento da antiga Casa de Detenção. Com a revisão, agora são 52 mortes das 111 registradas no massacre ocorrido no pavilhão 9, no qual quatro pavimentos foram alvos de ação policial frente a uma suposta rebelião dos internos.

Por volta de 10h30, acusação e defesa começaram os debates, nos quais apresentam aos jurados a tese pela qual tentam, respectivamente, condenar e absolver os réus. A sentença deve ser lida na madrugada de sábado (3).

Durante sua fala, a promotoria disse que, durante o interrogatório, "todo mundo contou uma versão montadinha, arrumadinha, para enganar os senhores [jurados]". "Uma mentira contada por oficiais, por várias horas, para parecer verdade", disse Pereira da Silva.

Segundo o Tribunal de Justiça, Ministério Público e defesa terão três horas para debater, cada um. Caso queiram, as partes terão ainda duas horas de réplica e tréplica cada. Se todo o tempo for utilizado, portanto, serão 10 horas de debates.

Após essa etapa, os jurados se reúnem em sessão secreta para votar os quesitos definidos pelo juiz a partir da denúncia.

A denúncia inicial do MP havia sido feita contra 30 policiais da Rota. Desses, no entanto, um está com o processo suspenso, por alegação de insanidade mental, e quatro morreram.

O primeiro júri do massacre aconteceu eu agosto, quando 23 PMs foram condenados a 156 anos pela morte de 13 internos do segundo pavimento.

Naquele júri, o promotor também pediu a exclusão de duas das 15 vítimas, que teriam sido mortas por armas brancas, e absolvição de três réus. 

A exemplo do primeiro julgamento, os PMs do segundo júri também foram julgados na condição de réus soltos. Assim, caso os jurados os condenem --ao todo, são sete homens--, poderão recorrer da pena em liberdade.


Interrogatórios são encerrados com ex-chefe da Rota

Dos 25 réus, 18 optaram pelo silêncio, esta semana, ao ser em interrogados. Dos que aceitaram falar, o interrogatório mais longo, de cerca de seis horas, foi o do tenente-coronel Salvador Modesto Madia

Ex-chefe da Rota entre 2011 e 2012 e tenente à época da operação no Carandiru, Madia fez uma analogia ao juiz Rodrigo Tellini para dizer que não comemorou o resultado de mortos naquele pavimento. 

"O senhor acha que eu cheguei em casa e tomei um copo de sangue [para comemorar]?", disse. O policial ainda negou a autoria das 73 mortes atribuídas até então a ele e aos outros 24 réus -- quatro deles, pertencentes a um grupo que estava sob seu comando na incursão ao pavimento.

"Aquele mar de mortos [os 111 presos do massacre]: o senhor pensa que não me chocou?", declarou ao juiz, ao comentar o que teria sentido ao chegar em casa após o episódio. Diante da insistência do magistrado sobre quem matou aquela quantidade de presos, enfatizou: "Não fui eu, não foram os meus homens". "Policiais militares mataram?", perguntou o juiz. "Não sei. Entrei 15 minutos e saí", respondeu.

Exibição de vídeos encerra quarto dia

Após o último interrogatório, o penúltimo dia de júri, ontem, foi marcado pela exibição de vídeos selecionados pela acusação e pela defesa sobre a atividade policial --especificamente a respeito da violência contra a PM, ou praticada pela PM.

Por parte da acusação, por exemplo, foi mostrada uma série de reportagens em vídeo sobre condutas criminosas de policiais militares em São Paulo e em outros Estados.

As reportagens elencadas traziam depoimentos de familiares dos presos assassinados no Carandiru, registrados tanto à época do massacre quanto no aniversário de duas décadas dele, em outubro de 2012, além de reportagens sobre crimes cometidos por policiais.

A promotoria lançou mão também de áudio de uma entrevista coletiva concedida pelo então governador Luiz Antônio Fleury Filho, em 7 de outubro de 1992 -- cinco dias após o massacre --, no qual afirmara a possibilidade de ter havido "uma violência desnecessária" dentro do presídio. "Que houve uma ação criminosa, eu não tenho dúvida", disse, à época, perguntado por um repórter se havia ocorrido fuzilamento no pavilhão 9.

Já pela defesa, foram exibidos trechos de vídeos incluindo um discurso do comandante-geral da Polícia Militar (abril/2012 a novembro/2012) Roberval Ferreira França, na Assembleia Legislativa de São Paulo, em que o comandante pedia mais reconhecimento ao trabalho de proteção e combate ao crime.

A maior parte do tempo de exibição foi destinada a depoimentos de um ex-carcereiro e de um ex-preso sobre a rotina na Casa de Detenção. Não foi indicada a data das gravações, mas os depoimentos teriam sido feitos após o massacre.