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'Sangue escorria pela escada', diz primeira testemunha do Carandiru

Gil Alessi e Wellington Ramalhoso

Do UOL, em São Paulo

17/02/2014 15h02Atualizada em 17/02/2014 18h36

O perito Osvaldo Negrini Neto, responsável por examinar o Pavilhão 9 após o Massacre do Carandiru, em 1992, disse no Tribunal Criminal da Barra Funda, em São Paulo, que “sangue escorria pelas escadas”. Neto foi a primeira testemunha de acusação a depor diante do júri na terceira etapa do julgamento do massacre, que começou nesta segunda.

Segundo o perito, inicialmente a Polícia Militar não quis liberar seu acesso para os pavimentos superiores, alegando questões de higiene e de segurança, já que muitos dos detentos seriam soropositivos. 

“Eu disse [para os policiais] que precisa ver até onde dava porque os policiais alegavam que estava escuro. Quando chegou a iluminação, percebi que a substância que escorria pelos degraus era sangue. Pude ver um amontoado com 89 cadáveres, que depois foram carregados pelos próprios presos para caminhões do IML [Instituto Médico Legal]”.

De acordo com Neto, mais de 700 disparos foram feitos dentro do Carandiru no dia do massacre. Ainda segundo ele, 95% dos buracos de bala estavam dentro das celas -- como se os disparos tivessem sido feitos das portas das celas para dentro delas. A maioria dos disparos foi  feita com pistolas e metralhadoras. 

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Julgamento desmembrado

O Massacre do Carandiru ocorreu no dia 2 de outubro de 1992, quando 111 detentos foram mortos e 87 ficaram feridos durante operação policial para reprimir uma rebelião no Pavilhão 9 do presídio.
 
Por envolver grande número de réus e de vítimas, o julgamento foi desmembrado em quatro etapas, de acordo com o que aconteceu em cada um dos quatro andares do Pavilhão 9.
 
Nesta etapa, 15 policiais serão julgados pela morte de oito presos que ocupavam o quarto pavimento (ou terceiro andar) da antiga Casa de Detenção Carandiru. Eles também respondem por duas tentativas de homicídio.
 
A expectativa é que o júri, presidido pelo juiz Rodrigo Tellini de Aguirre Camargo, dure uma semana.
 
Na primeira etapa do julgamento, em abril do ano passado, 23 policiais foram condenados a 156 anos de reclusão cada um pela morte de 13 detentos.
 
Na segunda etapa, em agosto de 2013, 25 policiais foram condenados a 624 anos de reclusão cada um pela morte de 52 detentos que ocupavam o terceiro pavimento do Pavilhão 9.

Júri 100% masculino

Um grupo de sete homens irá compor o Conselho de Sentença da terceira etapa do julgamento.  A seleção durou quase três horas, e todos os selecionados tiveram de passar por um exame médico para atestar suas condições de saúde - durante o júri da primeira etapa, em abril de 2013, um dos escolhidos passou mal, e o conselho quase foi dissolvido.
 
Ainda nesta segunda, serão ouvidas as demais testemunhas de acusação. Das seis previstas, apenas três foram localizadas pelos oficiais de Justiça.
 
Além de Neto, vão depor o ex-detento Marco Antônio de Moura -- que chegou a ser baleado e hoje é servente de pedreiro -- e Moacir dos Santos, que era diretor de segurança e disciplina do presídio na época e hoje está aposentado por invalidez.

Existe a possibilidade de que o julgamento tenha de ser adiado caso as outras três testemunhas de fato não compareçam. Essa decisão vai depender da avaliação dos advogados das partes.

Caso o julgamento prossiga, a terça-feira (18) será destinada para o depoimento das testemunhas de defesa. Na quarta-feira (19), os réus devem ser interrogados. Os debates estão previstos para a quinta-feira, com o veredicto e as eventuais penas sendo anunciadas no dia seguinte.