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Tragédia em Brumadinho

Sem resposta rápida, tragédia como de Brumadinho traz riscos à saúde mental

Luciana Quierati

Do UOL, em São Paulo

04/02/2019 04h00

O rompimento da barragem da Vale em Brumadinho (MG), que até a noite deste sábado (2) havia somado 121 mortos e 220 desaparecidos, pode trazer impactos à saúde mental das pessoas atingidas direta e indiretamente, alertam especialistas ouvidos pelo UOL. Eles se baseiam em estudos e trabalhos realizados em comunidades que experimentaram acidentes como o do dia 25. 

Um deles foi feito em 2017 pelo Núcleo de Pesquisa em Vulnerabilidade e Saúde da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) com 271 vítimas do rompimento da barragem do Fundão em Mariana. Dois anos após o acidente, 28,9% das vítimas apresentavam depressão (incidência 3,5 vezes superior à esperada na população em geral), 32% tinham TAG (Transtorno de Ansiedade Generalizada) três vezes maior, e 12%, TEPT (Transtorno de Estresse Pós-Traumático) - em crianças, a porcentagem chegou a 83%.

Segundo a pesquisa, a morosidade na reparação das perdas e a falta de acompanhamento social e psicológico adequado estão entre os principais fatores para o adoecimento das pessoas afetadas.

Três anos após o rompimento de Fundão, ninguém ainda foi preso e o processo tramita sem data para julgamento. A reconstrução das casas destruídas em um novo distrito está atrasada e o prazo de conclusão vai até 2020. Enquanto isso, as famílias vivem com o valor de aluguel de uma moradia e um auxílio financeiro mensal, sem terem sido indenizadas.

O psiquiatra Frederico Garcia, professor do Departamento de Saúde Mental da UFMG e coordenador da pesquisa, diz que ações devem ser tomadas com agilidade para que não aconteça em Brumadinho o mesmo que em Mariana. Ele sugere que seja instituída uma força-tarefa entre governos e Poder Judiciário para dar respostas rápidas às vítimas, com a punição dos responsáveis, e exigir celeridade na reparação de perdas por parte da Vale, dona da barragem.

"Em Mariana, onde o estilo de vida é coletivo, se tivessem dado material de construção para aquelas famílias, desde o começo, por exemplo, elas teriam se organizado e resolvido suas vidas. Mas, depois de três anos, eles ainda não têm casa e não sabem onde vão trabalhar", observa Garcia. "Essa falta de perspectiva colabora para o adoecimento."

O psicólogo André Luiz Freitas Dias, também da UFMG, concorda que a procrastinação impede as famílias de seguirem em frente, aumentando os níveis de sofrimento e angústia. Isso porque, enquanto não há um ponto final na situação, a pessoa precisa conviver com a empresa que lhe causou dano. "Você submeter a vítima ao contato com o agressor significa cometer ou postergar a violência sofrida pela pessoa."

Dias, que acompanha Brumadinho de perto desde o dia 25, quando do rompimento da barragem, coordena um programa da universidade, o Polos de Cidadania, que presta assistência a pessoas atingidas por acidentes na mineração. Diz que o que predomina nas comunidades afetadas são relatos de pessoas que querer ficar longe o quanto antes das empresas responsáveis pelo dano.

Para ele, o ideal seria que a Vale, inclusive, prestasse a assistência que lhe cabe neste primeiro momento à distância, enquanto trata da reparação de danos às pessoas em definitivo. Em Brumadinho, a empresa é quem está divulgando a relação de vítimas localizadas pelos bombeiros, em um espaço próprio (Estação Conhecimento), onde também oferece suporte assistencial e psicológico.

"Ontem [quarta-feira, 30], na Estação Conhecimento, uma mulher soube que o corpo do filho tinha sido encontrado e desabou a chorar. Logo chegou uma psicóloga e tocou nela. Ela deu um grito: 'Você não se aproxima de mim'", conta Dias. "As pessoas não querem conviver com a empresa. Ela acabou com a vida delas."

"Suponhamos que um parente meu seja atropelado e morra", exemplifica Dias. "Eu vou querer que o motorista seja julgado, que haja um processo de indenização -- que não vai substituir a minha dor -- e depois nunca mais vou querer vê-lo. Eu não vou conseguir esquecer o que aconteceu, mas o que eu não quero é ter que ficar 'olhando' para o motorista o resto da minha vida".

Para o especialista, cabe ao poder público, em parceria com as universidades e outras instituições, se mobilizar para oferecer atenção psicológica e assistencial às vítimas.

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