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"Será difícil recapturá-lo", diz delegado que prendeu André do Rap em 2019

15.set.2019 - André Oliveira Macedo, o André do Rap, ao ser transferido para o interior de SP após ter sido preso - Luís Adorno/UOL
15.set.2019 - André Oliveira Macedo, o André do Rap, ao ser transferido para o interior de SP após ter sido preso Imagem: Luís Adorno/UOL

Luís Adorno

Do UOL, em São Paulo

13/10/2020 16h02

Responsável por prender, em setembro do ano passado, André Oliveira Macedo, 43, o André do Rap, o delegado paulista Fábio Pinheiro Lopes afirmou em entrevista ao UOL que a recaptura "não é impossível", mas que "não vai ser nada fácil. Será difícil recapturá-lo. Por isso, estamos unindo esforços para tentar recapturá-lo. Vai demandar um tempo."

Em setembro do ano passado, quando soube por seus investigadores que André do Rap passaria um fim de semana em uma mansão em Angra dos Reis (RJ), com muitas bebidas e modelos, o delegado, que à época estava no Dope (Divisão Antissequestro do Departamento de Operações Policiais), foi até lá. André do Rap foi detido no raiar do dia 15, um domingo.

Lá, o delegado deu voz de prisão e o levou, de helicóptero, até o aeroporto Campo de Marte, na zona norte de São Paulo. Ali, André do Rap foi mostrado como troféu para a imprensa: segundo a polícia, o principal chefe do PCC (Primeiro Comando da Capital) em Santos e o elo entre a facção paulista e a máfia italiana 'Ndrangheta havia sido capturado.

Depois de ser colocado na viatura, André do Rap seguiu para a penitenciária 2 de Presidente Venceslau, no interior de São Paulo, de onde saiu pela porta na frente na manhã do último sábado (10) após um habeas corpus assinado pelo ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Marco Aurélio Mello.

Agora diretor do DHPP (Departamento de Homicídios e de Proteção à Pessoa), o delegado Fábio Pinheiro Lopes disse: "Ele passou quase seis anos foragido. A maior dificuldade que a polícia tem para prender, além do seu poderio financeiro, que é muito alto, é também sua rede de relacionamento dentro e fora do Brasil. Ele já morou na Holanda e tem um relacionamento muito estreito com a 'Ndrangheta, a máfia calabresa."

fabio pinheiro lopes - Reprodução/CNN Brasil - Reprodução/CNN Brasil
Imagem: Reprodução/CNN Brasil

A gente não tem noção de onde ele está. Acredito que ele não esteja mais no Brasil. Só o tempo dirá.
Delegado Fábio Pinheiro Lopes

Segundo investigadores entrevistados pelo colunista do UOL Josmar Jozino, ao sair da prisão, André do Rap foi de carro até a cidade de Maringá (PR) e, de lá, pegou um avião particular com destino ao Paraguai. Uma força-tarefa paulista, com mais de 600 policiais, além de policiais federais, tenta recapturá-lo no momento.

De acordo com Elvis Secco, delegado coordenador-geral de repressão às drogas, armas e facções criminosas da Polícia Federal, houve movimentação dos adidos e oficiais nos países vizinhos, além do pedido de inclusão do nome de André do Rap na lista de foragidos da Interpol.

Decisão do STF

O ministro Marco Aurélio Mello determinou a soltura de André do Rap no início de outubro, ao argumentar que ele estava preso sem uma sentença condenatória definitiva desde dezembro de 2019 [na verdade, ele foi preso em setembro de 2019]. E que isso contrariou o artigo 316 do CPP (Código de Processo Penal), que prevê que as prisões preventivas devem ser revisadas a cada 90 dias.

Para o delegado Fábio Pinheiro Lopes, o ministro não errou, mas a lei deveria ser revista. "Quando excede uma prisão de alguém, já tem um habeas corpus para o advogado entrar na Justiça pedindo a saída. Agora, por esse subterfúgio legal, eles colocaram isso, falando que se o juiz de ofício, se não renovar a cada 90 dias, torna a prisão ilegal."

"O ministro é super legalista, não posso dizer que ele errou. Mas, no lugar dele, eu mandaria o ofício para o juiz justificar a necessidade de ele estar preso. O juiz poderia responder em até 48 horas e nós não estaríamos agora tentando pegar o criminoso de novo", disse.

Como a polícia chegou até André do Rap

André do Rap entrou no radar da Polícia Civil de São Paulo quando investigadores monitoravam, no litoral paulista, em 2019, dois italianos —pai e filho— procurados pela Interpol por integrarem a máfia 'Ndrangheta, tida por europeus como a maior organização criminosa do mundo em atividade.

Os italianos Nicola Assisi, 61, e Patrick Assisi, 37, moravam em um apartamento de alto padrão na Praia Grande. Durante o acompanhamento de ambos, a polícia observou que os italianos costumavam se relacionar com um vizinho do mesmo prédio. A polícia identificou o vizinho como sendo André do Rap, que estava há quase seis anos foragido.

Com o novo alvo em vista, a Polícia Civil seguiu o rastro de um funcionário laranja de André do Rap. Um homem que, em um ano, teve um boom em seus bens. De uma moto avaliada em pouco menos de R$ 8 mil, esse laranja comprou uma lancha de R$ 6 milhões e passou a administrar uma empresa que girava em torno de R$ 500 mil por mês.

Ligação Santos-Calábria

André do Rap é acusado pelo MP (Ministério Público) paulista de chefiar, desde fevereiro de 2018, o PCC em Santos. O cargo de quem chefia a facção na cidade é considerado de extrema confiança, por ser uma região estratégica para o tráfico internacional de drogas. A defesa de André do Rap afirma que nunca foi comprovado envolvimento de seu cliente com o PCC.

Santos era administrada até 2018 por Rogério Jeremias de Simone, o Gegê do Mangue, assassinado em fevereiro de 2018, quando tinha 41 anos. Segundo o MP, ele morreu por desviar dinheiro proveniente do tráfico de drogas na cidade. Desde então, segundo os investigadores, o local passou a ter André do Rap como chefe.

Assim como André do Rap, Gegê do Mangue também foi solto por decisão judicial e saiu pela porta da frente do presídio em fevereiro de 2017. Depois, descumpriu todas as determinações e só foi localizado morto no Ceará.

Já Nicola e Patrick Assisi são acusados pelo governo italiano de serem os principais chefes da 'Ndrangheta na América do Sul. Os dois foram detidos na Praia Grande em julho de 2019 e aguardam processo de extradição no presídio federal de Brasília. A defesa dos dois nega envolvimento deles com a máfia italiana. Eles dizem sofrer racismo na Itália por serem do Sul do país —região mais pobre comparada ao Norte.

Enquanto estavam soltos, os italianos nem sequer disfarçaram identidade para viver no Brasil. Patrick, com nome na lista vermelha da Interpol, teve dois filhos em um hospital de alto padrão de São Paulo apresentando seu nome verdadeiro, por exemplo.

Os italianos e André do Rap contrataram o mesmo escritório de advocacia, o que não é ilegal, mas, segundo investigadores, não é uma coincidência.

Investigações apontam que, para operar no Brasil, a 'Ndrangheta estabeleceu acordos com o PCC. Em dois anos, ao menos três homens com cargos de liderança na máfia italiana estiveram com chefes da organização brasileira, incluindo Gilberto Aparecido dos Santos, o Fuminho, preso em 13 de abril deste ano, em Moçambique.

Os Assisi, segundo a Polícia Civil de São Paulo, negociavam drogas junto a Fuminho, que não é considerado integrante do PCC, mas sócio e braço direito de Marco Willians Herbas Camacho, o Marcola, apontado como chefe do grupo. Fuminho seria o principal fornecedor de drogas —que chegam de países como Peru, Bolívia, Colômbia e Paraguai — para o PCC.

Ouça também o podcast Ficha Criminal, com as histórias dos criminosos que marcaram época no Brasil. Esse e outros podcasts do UOL estão disponíveis em uol.com.br/podcasts, no Spotify, Apple Podcasts, Google Podcasts e outras plataformas de áudio.