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Por que chefes das facções como Marcola são gravados em presídios federais

Assalto teria sido na Marginal, mas ladrões voltaram atrás após perceberem que se tratava da esposa de Marcola, líder do PCC - Reprodução/TV Globo
Assalto teria sido na Marginal, mas ladrões voltaram atrás após perceberem que se tratava da esposa de Marcola, líder do PCC Imagem: Reprodução/TV Globo

Do UOL, em São Paulo

24/08/2022 04h00

Os presídios federais, projetados para abrigar internos de alta periculosidade, podem gravar com mais facilidade os diálogos nessas unidades prisionais, dificultando a comunicação entre o detento e o crime organizado.

Como não há necessidade por lei de autorização judicial para registrar as visitas nos parlatórios desses presídios por áudio e vídeo, as autoridades conseguem monitorar as principais lideranças das facções criminosas do país.

Foi esse tipo de monitoramento que permitiu à PF (Polícia Federal) e ao Depen (Departamento Penitenciário Nacional) a identificação do plano de resgate de presos de Brasília e Porto Velho (RO) com a participação das principais lideranças do PCC (Primeiro Comando da Capital), facção criminosa paulista.

Por que há mais facilidade para gravar as conversas nos presídios federais? "Por lei, qualquer conversa que ocorra no parlatório de um presídio federal é gravada. Isso também é possível nas penitenciárias estaduais. Mas, para isso, é preciso ter prévia autorização judicial", explica a desembargadora Ivana David, do TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo), especializada em investigações sobre o crime organizado.

Qual o impacto na facção criminosa quando as lideranças estão nessas unidades? A desembargadora Ivana David entende que essa medida afeta o poder de decisão das organizações criminosas. "Com a liderança isolada, é criado um vácuo de poder".

Márcio Christino, procurador de Justiça de São Paulo, concorda. "É uma medida extremamente eficiente. Hoje, essas lideranças estão isoladas, dificultando qualquer tipo de orientação ao crime organizado", analisa.

O que foi flagrado nas conversas monitoradas? O plano de resgate foi desvendado com base nas câmeras de vigilância do parlatório no presídio federal de Brasília, que registraram as conversas dos criminosos. Entre eles, de Marco Willians Herba Camacho, o Marcola, apontado pelas autoridades como a principal liderança do PCC.

Condenado a 342 anos de prisão e preso desde julho de 1999, ele foi transferido do presídio estadual de Presidente Prudente (SP) com outros 21 integrantes da facção criminosa em fevereiro de 2019. Em audiência, Marcola negou ser o chefe do PCC e disse estar "marcado para morrer".

Em março deste ano, Marcola foi deslocado do presídio federal de Brasília para a penitenciária de Porto Velho (RO). Segundo a PF e o Depen, ele arquitetou de lá um plano de fuga aos moldes do "domínio de cidades", ação criminosa que envolve ataques com criminosos armados com fuzis e explosivos, apontada por especialistas como um avanço em relação à tática aos moldes do "novo cangaço".

As restrições no presídio federal podem estar por trás do plano de fuga elaborado com a participação de Marcola? A desembargadora Ivana David diz acreditar que sim.

"Ele quer sair do presídio federal e retornar para as unidades estaduais. Monitoramos todos esses pedidos feitos pela defesa dele. Como esses pedidos foram rejeitados, ele decidiu ir para o 'tudo ou nada' para fugir do sistema onde ele se encontra", analisa a desembargadora.

Especialista em Segurança Pública, Rafael Alcadipani, professor de Administração na FGV (Fundação Getúlio Vargas), entende que as lideranças das facções criminosas preferem as unidades estaduais também devido à proximidade com as suas áreas de atuação.

"Eles [internos] ficam mais próximos das bases de origem e têm mais facilidade de comunicação. Além disso, as regras de convivência são mais tênues se comparadas com os presídios federais".

Por que a Justiça entende que Marcola deve permanecer em presídios federais? Para a desembargadora Ivana David, Marcola seria capaz de tomar decisões pelo PCC se estivesse em um presídio estadual.

"O crime organizado é atingido quando as lideranças permanecem em presídios federais, porque toda a forma de comunicação é cortada. A finalidade é cortar o vínculo daquele que tem poder de mando com os integrantes da facção."

Há alguma medida nos presídios estaduais capaz de isolar as lideranças das facções? Nos presídios federais, o interno pode cumprir pena no RDD (Regime Disciplinar Diferenciado), com permanência do detento em cela individual, com limitações ao direito de visita e de saída da própria cela.

Essa medida pode ser adotada em duas situações: como sanção disciplinar ou como medida cautelar. Esse último caso se aplica a detentos de alta periculosidade.

"O detento pode ficar em isolamento no RDD por período determinado. Já o regime federal é criado justamente para manter esse isolamento no cumprimento da pena", compara o procurador Márcio Christino.

Assista ao documentário 'PCC - Primeiro Cartel da Capital', de MOV.doc