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Guerra da Rússia-Ucrânia

Notícias do conflito entre Rússia e Ucrânia


Guerra na Ucrânia completa um mês: por que nada foi decidido?

Herculano Barreto Filho

Do UOL, em São Paulo

25/03/2022 04h00

Após 30 dias, a Ucrânia resiste aos ataques do exército russo, apontado como uma das potências militares mundiais. Em um cenário paralelo, a negociação pelo cessar-fogo se arrasta há semanas e o conflito ainda se mostra longe de um desfecho.

Especialistas ouvidos pelo UOL analisam as estratégias de ambos os lados da trincheira, a tensão devido às sanções impostas pelos países da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte), as chances de uma guerra nuclear e até a postura do Brasil.

Os estudiosos apontaram que os seguintes fatores ajudam a entender as movimentações do confronto: a extensão territorial da Ucrânia, o apoio da Otan ao país com armamento e a prioridade de ataques em Mariupol, cidade portuária no sudeste do país, considerada estratégica pelos russos.

A tomada de Mariupol criaria uma conexão direta entre a península da Crimeia —anexada pelos russos em 2014— e a região de Donbass, à leste, onde estão as duas autoproclamadas repúblicas separatistas Lugansk e Donetsk, recentemente reconhecidas por Moscou.

Mapa Rússia invade a Ucrânia - 26.02.2022 - Arte UOL - Arte UOL
Imagem: Arte UOL

A 'armadilha' para a Otan

Mariana Kalil, professora da Escola Superior de Guerra do Ministério da Defesa, acredita que a concentração de esforços em Mariupol pode estar ligada a uma possível estratégia do presidente russo Vladimir Putin de forçar uma mudança de regime em áreas ucranianas que a Rússia alega serem tomadas por grupos paramilitares neonazistas.

Ele [Putin] tenta legitimar a permanência na Ucrânia falando em 'desnazificação' de paramilitares que não obedecem ao presidente ucraniano. Mas dificilmente essas forças vão deixar de existir enquanto a Otan seguir fornecendo armas a eles. Por trás disso, a intenção russa parece ser a de exercer uma influência indireta sobre Kiev"
Mariana Kalil, Escola Superior de Guerra

Kalil vê com reservas a possibilidade de um cessar-fogo, mesmo em caso de acordo entre Putin e o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky.

"As forças paramilitares não vão se desmobilizar, porque elas não obedecem ao Zelensky. A Otan está caindo em uma armadilha ao armar esses grupos. Isso vai legitimar a permanência russa", projeta.

Batalhas urbanas e 'temor russo'

Desde o início da invasão, mais de 3,5 milhões de refugiados fugiram da Ucrânia, segundo a ONU (Organização das Nações Unidas). Os russos, que fazem um cerco no entorno da capital Kiev e de outras cidades, já perderam até 15 mil soldados em 30 dias de invasão, segundo a Otan.

Tomaz Paoliello, professor de Relações Internacionais da PUC-SP, não relaciona as perdas a um eventual insucesso russo.

Parece que a Rússia tinha projetado uma invasão rápida, que não ocorreu até pela extensão do território na Ucrânia. Mas o alto índice de mortes do exército de Putin não necessariamente é sinal de fracasso na guerra. Essa estratégia de ataque está associada a uma alta taxa de mortalidade"
Tomaz Paoliello, professor de Relações Internacionais

As tropas russas inclusive teriam recuado mais de 50 km a leste de Kiev, segundo informou uma fonte no Pentágono à agência de notícias AFP. Paoliello vê dificuldades na ação dos russos pela opção dos ucranianos por batalhas em áreas urbanizadas com o uso de armamento fornecido pela Otan.

"O enfrentamento deu grande vantagem aos russos, que têm mais tropas e mais capacidade de bombardeio. Mas a estratégia dos ucranianos foi usar as cidades como escudo, armando a população e voluntários. O temor da Rússia é que a Otan se envolva mais na guerra se houver aumento de danos contra civis".

Geógrafo e cientista político, Tito Livio Barcellos Pereira diz que a dificuldade da operação já era esperada.

"Estamos falando de um país [Ucrânia] urbanizado, com cidades densamente povoadas e com tropas camufladas em áreas urbanas. Existem convenções do direito internacional que dizem que a estrutura civil precisa ser respeitada", observa.

Ameaça nuclear e 'guerra do fim do mundo'

A cúpula da Otan se reuniu nesta quinta-feira (24) em Bruxelas para reforçar o apoio à Ucrânia em meio à intensificação de ameaça de guerra nuclear reforçada pelos russos. No último domingo, o Ministério de Defesa da Rússia anunciou ter lançado mais um míssil hipersônico, arma de alta tecnologia que já tinha sido usada no dia anterior para destruir um depósito subterrâneo.

Dmitry Polyanskiy, vice-embaixador russo na ONU (Organização das Nações Unidas), disse à emissora britânica Sky News que seu país tem o direito de usar armas nucleares se for "provocado" pela Otan.

Embora a possibilidade de guerra nuclear ainda seja considerada improvável, acende um sinal de alerta entre os especialistas, já que uma ação de destruição em massa poderia dizimar a população no planeta.

Quando há duas potências nucleares em confronto, há risco do uso de armas nucleares. E um ataque nuclear geraria destruição mútua garantida, dizimando a vida no planeta. É a guerra do fim do mundo. Mas teoricamente, é algo improvável"
Mariana Kalil, professora da Escola Superior de Guerra

Ainda que considere essa possibilidade remota, Tomaz Paoliello diz que a chance de guerra nuclear voltou a fazer parte das discussões.

"A ameaça do conflito nuclear sempre esteve presente, mas é improvável porque, a partir de qualquer cálculo racional, não traz ganhos. Por mais que haja indícios de irresponsabilidade nas ações da Rússia e dos Estados Unidos, há uma linha racional que não se cruza, porque representa uma ameaça à sobrevivência", analisa.

Segundo ele, uma ação mais direta da Otan para tentar derrubar Putin aumentaria esse risco. Paoliello, contudo, acredita no uso de armas biológicas e químicas.

A arma nuclear não é a única opção de destruição em massa. Há outras ações que poderiam matar muitos civis além das fronteiras ucranianas"
Tomaz Paoliello, professor de Relações Internacionais

Joe Biden, presidente dos Estados Unidos, citou "ameaça real" de uso de armas químicas e acusou russos de cometerem crimes de guerra.

O peso das sanções

Em meio a esse cenário, Biden anunciou nesta quinta-feira (24) sanções que miram mais de 400 integrantes da elite russa e investimento em ajuda humanitária à Ucrânia. Já a Rússia acusou os norte-americanos de atrapalhar as negociações por paz em busca de "domínio da ordem mundial".

O geógrafo Tito Livio Barcellos Pereira diz que as medidas são uma estratégia de isolamento econômico. Contudo, a eficácia é minimizada pela grande quantidade de parceiros dos russos e até pelo veto aos negócios em dólares e euros, que fortalecem a moeda russa.

A Rússia está tendo a sua resiliência testada com as ações ocidentais que buscam induzir a um isolamento econômico. Tem toda uma cultura de cancelamento para tornar a guerra impopular para buscar o 'cessar-fogo'. Mas a Rússia ainda tem canais abertos para negociar com mais da metade da população mundial e passa a negociar em rublos para contornar o prejuízo das sanções"
Tito Lívio Barcellos Pereira, geógrafo e cientista político

Putin, que chegou a comparar as sanções à perseguição a judeus, disse que o país deixará de aceitar pagamentos em dólares ou euros pelo fornecimento de petróleo e gás para aplicar o novo sistema em rublos, moeda local.

Cenário de oportunidade

Tomaz Paoliello vê um momento de oportunidade para aproximar parceiros econômicos da Rússia em meio às sanções. Nesse sentido, avalia, o Brasil pode tirar benefícios da situação.

Com as sanções, surge um impasse econômico. A Rússia certamente vai precisar de outros sócios para produzir oportunidades de negócio. E pode ser que o Brasil acabe entrando nessa onda"
Tomaz Paoliello, professor de Relações Internacionais

Paoliello cita ainda a postura do presidente Jair Bolsonaro (PL) e do próprio Ministério das Relações Exteriores para embasar essa análise. "O Bolsonaro não falou muito sobre a guerra, e a diplomacia brasileira tem mantido neutralidade. Por outro lado, também não rompe relações com a Rússia".