Condenado, Brasil é obrigado a cumprir penas de Corte internacional

O governo brasileiro precisa obrigatoriamente cumprir as determinações estabelecidas pela Corte Interamericana de Direitos Humanos. Além do pagamento de indenizações, há medidas que o Estado deve adotar, como o afastamento temporário de policiais envolvidos em casos de morte e envio de gravações desses casos para órgãos de controle.

O que aconteceu

A condenação da Corte se refere a dois casos, ocorridos em 2000 e 2002. Envolvem as mortes de um membro do MST no Paraná, e uma ação policial que resultou na morte de 12 pessoas em São Paulo.

Sentença também determina uma série de medidas. Dentre elas, a oferta de tratamento médico, psicológico e psiquiátrico a sobreviventes e a realização de um ato público de reconhecimento de responsabilidade por parte do Estado.

Outros medidas citadas na sentença são:

  • Adoção de dispositivos de geolocalização e registro de movimentação de policiais e viaturas
  • Envio de gravações de ações policiais que resultem em mortes ou lesões graves para órgãos de controle
  • Afastamento temporário de policiais envolvidos em casos de morte
  • Reabertura de investigações e processos por violações de Direitos Humanos
  • Pagamentos de indenizações por dano material e imaterial

Procurado pelo UOL, governo disse que "está comprometido em garantir a defesa dos direitos de toda a população brasileira". Silvio Almeida, ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania, afirmou que o Brasil respeita e coopera com as decisões da Corte. "Não podemos tolerar, em nenhum tempo, o uso da força desproporcional por parte de agentes do Estado brasileiro. É estarrecedor perceber, em uma análise de décadas, que os problemas de ontem persistem".

Se não cumprir determinações, Brasil fica sujeito a punições. Elas podem partir da própria Corte e também da OEA (Organização dos Estados Americanos).

Vale destacar que as garantias de não repetição fixadas pela Corte não são uma sugestão, elas necessariamente têm de ser cumpridas pelo Estado brasileiro.
Yara Singulano, advogada do escritório Naves Fleury, mestra pela Universidade Federal de Viçosa (UFV)

O Brasil terá de comprovar o cumprimento das medidas — no caso em questão, por meio de um relatório.

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Contudo, isso costuma demorar a acontecer. Uma das justificativas é o fato de as determinações exigirem, em geral, algum tipo de adaptação por parte do Estado em suas rotinas.

Se um Estado é condenado em um caso contencioso pela Corte, ele está obrigado a cumprir a sentença. Essa obrigação decorre do fato de que esse Estado (e esse é o caso do Brasil) aceitou se submeter à jurisdição da Corte. Em 1998, o Brasil aceitou ser julgado por ela em casos de acusação de violação dos Direitos, violações ocorridas depois daquela data.
Salem Nasser, sócio do Nasser Advogados e professor de Direito Internacional da Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas (FGV-SP)

"São medidas de reparação típicas de casos de direitos humanos", explica especialista. De acordo com Lucas Lima, professor de direito internacional da UFMG, as determinações visam "alterar a situação de violação".

Os trâmites para implementação dependem significativamente da vontade política do país, pois ainda não há mecanismos jurídicos muito eficientes a serem aplicados em caso de descumprimento, ou mesmo de demora injustificada.
Yara Singulano, advogada do escritório Naves Fleury, mestra pela Universidade Federal de Viçosa (UFV)

Decisão não é passível de recurso. Segundo Lima, as sentenças da Corte são obrigatórias e inapeláveis. O máximo que pode acontecer é um pedido de esclarecimento em relação a determinados pontos, mas não relacionado à decisão como um todo.

Brasil normalmente paga as indenizações estabelecidas pela Corte Interamericana. "O não cumprimento conta muito contra a reputação de um país, ainda mais quando há vítimas", afirma.

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Estado brasileiro já foi condenado pela Corte internacional outras vezes. Um exemplo foi o caso do jornalista Vladimir Herzog, quando o país foi condenado por falta de investigação, julgamento e punição dos responsáveis pela tortura e pelo assassinato, cometidos em 1975, pela ditadura militar.

Novas condenações envolvem 2 casos

Membro do MST, Antonio Tavares Pereira tinha 24 anos quando foi morto em Campo Largo (PR). O trabalhador sem-terra participava de um ato pela reforma agrária na BR-277, na região de Curitiba, reprimido pela Polícia Militar. Além da morte de Tavares, a ação deixou 185 feridos, em maio de 2000.

Operação Castelinho envolveu policiais militares de São Paulo. Em março de 2002, eles mataram a tiros 12 pessoas em uma praça de pedágio da Rodovia Senador José Ermírio de Moraes (conhecida como Castelinho), em Sorocaba (SP). As vítimas eram supostos integrantes do PCC.

Decisões da Corte são diferentes de resoluções da Comissão Interamericana de Direitos Humanos. As primeiras têm valor judicial, e as segundas, não.

Brasil descumpriu medidas no caso Acari e foi levado à Corte, no final de 2023. Ocorrida em 1990, a chacina de Acari envolveu a morte de 11 pessoas, no Rio. Algumas das recomendações foram evitar violações de direitos humanos, oferecer apoio psicológico a familiares e realizar diagnóstico sobre milícias no Rio.

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Exigir o cumprimento de determinações é dificuldade comum de vários organismos internacionais. A Europa tem um sistema um pouco mais integrado em relação a isso. Mas, mesmo assim, ainda surgem questões eventualmente
Georges Abboud, advogado e especialista em Direito Constitucional

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