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Movimento negro repudia uso de nome "acarajé" pela PF na Operação Lava Jato

Polícia Federal cumpriu mandados de buscas na sede da Odebrecht, em São Paulo - Rovena Rosa/Agência Brasil
Polícia Federal cumpriu mandados de buscas na sede da Odebrecht, em São Paulo Imagem: Rovena Rosa/Agência Brasil

Flávio Costa

Do UOL, em São Paulo

22/02/2016 17h50

O CEN (Coletivo de Entidades Negras) divulgou nesta segunda-feira (22) uma nota de repúdio à utilização do nome "acarajé" pela PF (Polícia Federal) para batizar a 23ª fase da Operação Lava Jato.

"Nosso repúdio vem no sentido do total desrespeito religioso a um elemento sagrado do candomblé, desrespeitando assim, de forma acintosa, toda a tradição e história dessa religião no Brasil", lê-se no texto do CEN, que é a organização nacional do movimento negro no país. "Nada justifica a escolha deste nome e exigimos sua imediata alteração".

A organização acrescenta que repudia ver "nossa religiosidade vinculada a uma operação para prender bandidos. Isso, para nós e toda nossa comunidade religiosa, é inaceitável."

A 23ª fase da Operação Lava Jato, intitulada "Acarajé", tem como alvos principais o publicitário baiano João Santana, que encabeçou campanhas presidenciais petistas, e a empreiteira Odebrecht, fundada em Salvador (BA).

O MPF (Ministério Público Federal) e a PF encontraram transferências de US$ 7,5 milhões (R$ 30 milhões, em valores desta segunda) de investigados da Lava Jato para a conta da offshore Shellbill Finance S.A., controlada pelo marqueteiro João Santana e pela mulher e sócia dele, Mônica Moura. A offshore, baseada no Panamá, não foi declarada às autoridades brasileiras.

Dentre outras decisões, o juiz Sérgio Moro, da 13ª Vara Federal de Curitiba, decretou a prisão temporária de Santana e Mônica Moura, que se encontram, neste momento, na República Dominicana, onde trabalham em uma campanha eleitoral. 

Em nota enviada à imprensa, a PF afirmou que "a 23ª fase da Operação Lava Jato foi denominada “Acarajé” em alusão ao termo utilizado por alguns investigados para nominar dinheiro em espécie".

Ao UOL, o coordenador de Políticas Institucionais do CEN, Márcio Alexandre Martins Gualberto, declarou que a utilização do nome de um alimento sagrado da religião de matriz africana, em um contexto de uma ação policial contra a corrupção, é um desrespeito. 

"É óbvio que não somos contra a operação em si. Porém faltou um pouco de zelo e inteligência à PF ao nomeá-la. Vivemos em um contexto de intolerância religiosa, em que as religiões de matrizes africanas são constantemente alvos de ações preconceituosas. Um órgão público não pode reforçar o preconceito", disse Gualberto.

Leia a íntegra da nota do Coletivo de Entidades Negras:

O Coletivo de Entidades Negras, CEN, organização nacional do Movimento Negro que tem, entre outros temas, a defesa das religiões de matrizes africanas, vem a público apresentar seus mais veementes protestos e repúdio à operação da Polícia Federal batizada de Operação Acarajé. Nada justifica a escolha deste nome e exigimos sua imediata alteração.

O acarajé é alimento sagrado para as pessoas que, em todo o país cultuam os Orixás. Há pouco tempo, na Bahia, o acarajé foi objeto de disputa jurídica entre o povo de santo e os evangélico-pentecostais que queriam rebatiza-lo de bolinho de Jesus para, assim, poder comercializa-lo. O povo de santo venceu a pendenga apresentando a sacralidade do alimento que é intimamente relacionado à Orixá Oya.

Nosso repúdio vem no sentido do total desrespeito religioso a um elemento sagrado do Candomblé, desrespeitando assim, de forma acintosa, toda a tradição e história dessa religião no Brasil.

Afirmamos que Orixá e o povo de santo nada tem com a roubalheira que assola o país. O que repudiamos é ver nossa religiosidade vinculada a uma operação para prender bandidos. Isso, para nós e toda nossa comunidade religiosa, é inaceitável.

Coordenação Nacional do CEN.