Topo

Crise da covid nos estados piora em paralelo à disputa de Bolsonaro e Moro

Presidente Jair Bolsonaro e ex-ministro da Justiça Sergio Moro - ADRIANO MACHADO
Presidente Jair Bolsonaro e ex-ministro da Justiça Sergio Moro Imagem: ADRIANO MACHADO

Carolina Marins e Clarice Cardoso

Do UOL, em são Paulo

06/05/2020 01h30

Resumo da notícia

  • Divulgação de depoimento de Moro criou novo capítulo da crise política
  • Presidente acusa ex-ministro de ter cometido crime federal, e ambos trocam acusações públicas
  • Quase sem leitos e com baixa adesão ao isolamento, estados consideram adotar lockdown
  • Brasil confirmou 600 novas mortes em apenas 24 horas; fila de testes chega a 100 mil

No dia em que o país registrou 600 novas mortes causadas pela covid-19 confirmadas em apenas 24 horas, o foco em Brasília mais uma vez se direcionou à crise política agravada pelo rompimento do ex-juiz da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, com o presidente Jair Bolsonaro (sem partido). No total, o país alcançou 114.715 casos oficiais, número possivelmente subnotificado diante do fato de que a fila de testes pendentes chega a 100 mil.

O ponto de nova ebulição do embate foi a divulgação do depoimento prestado por Moro no último sábado (02) na Superintendência da Polícia Federal em Curitiba. Na ocasião, o ex-juiz da Lava Jato amenizou as denúncias que fez no dia de sua demissão, em 24 de abril —quando afirmou haver intenção de interferência de Bolsonaro na PF—, alegando não tê-lo acusado de crime algum.

Pouco depois da divulgação do depoimento, Bolsonaro falou longamente à imprensa e apresentou uma nova imagem de tela com conversa entre os dois, afirmando que a discussão entre os dois havia se desenrolado por dois dias, mas Moro repassou à TV Globo apenas parte de um deles.

Ele ainda acusou o ex-ministro de cometer crime federal, "talvez incluso na Lei de Segurança Nacional", ao tornar públicos os diálogos. Advogados ouvidos pelo UOL, contudo, avaliam que a atitude não se enquadra nessa legislação.

Pedro Serrano, professor de direito constitucional da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo), ainda alerta que, nos desdobramentos de ontem, Moro "não reproduziu em juízo" as informações que entregou à TV Globo.

Pouco depois de Bolsonaro, foi a vez de Moro replicar a nova acusação. Em nota, confirmou as duas conversas e disse que "ciente da intenção [do presidente] de substituir o Diretor Geral da PF", buscou "minimizar o fato".

Outro trecho do depoimento de Moro atacado por Bolsonaro foi a negativa, por parte do ex-ministro, de que não havia se empenhado para esclarecer as declarações do porteiro do condomínio no caso do assassinato da vereadora Marielle Franco.

Ele disse que "tal reclamação não procede" pois teria sido ele quem pediu para o MPF (Ministério Público Federal) e a PF (Polícia Federal) atuarem no caso. Na versão do presidente, isso só aconteceu "depois de muito custo".

Estados avaliam bloqueio total

Ao mesmo tempo em que a crise política ganhava novo capítulo, se tornava mais crítica a situação dos estados no combate à pandemia da covid-19. Muitos cogitam um bloqueio total para conter o novo coronavírus e o colapso de seus sistemas de saúde, divididos entre a falta de leitos e a pressão pelo fim das medidas de isolamento social.

Temendo o colapso no sistema de saúde, alguns estados anunciaram que podem optar pelo lockdown. No Maranhão, onde a Justiça já o decretou, há "boa adesão" por parte da população, avalia o governador Flávio Dino (PcdoB).

Com isso, o governo do Pará anunciou a medida em pelo menos dez cidades, incluindo a capital, Belém. As medidas passam a valer na próxima quinta-feira e vão até o domingo da semana seguinte, 17 de maio.

O Ceará decidiu ir pelo mesmo caminho e decretou fechamento completo na capital, Fortaleza a partir da próxima sexta-feira. O estado também vai estender o decreto de isolamento social por mais 15 dias no restante das cidades.

Em Manaus, que já enfrenta um colapso nos sistemas de saúde e funerário, o Ministério Público do Amazonas ingressou com uma ação civil pública, com pedido de decisão urgente, para que a prefeitura e o governo do Estado decretem lockdown na capital amazonense.

O governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel (PSC) também estuda implementar a medida. Na capital, a prefeitura precisou fechar ruas para reduzir as aglomerações em frente às agências da Caixa Econômica, onde as pessoas vão para sacar o auxílio do governo federal. Entre as 1.123 mortes que o estado registrou hoje, estava a vítima mais jovem: um bebê de um ano.

O mesmo ocorreu em São Paulo, onde um segundo bebê morreu hoje, vítima da doença. A capital paulista também adotou o fechamento de ruas —o que provocou grandes congestionamentos—, porque enfrenta a baixa adesão ao isolamento e uma ocupação de 87% dos leitos

O governo estadual, no entanto, ainda não prevê um lockdown, mesmo com o alerta de David Uip de que o sistema de saúde terá problemas num prazo não superior a um mês se a taxa de isolamento não melhorar.

A baixa adesão ao isolamento também virou motivação para o governador de Pernambuco, Paulo Câmara (PSB) estudar o bloqueio completo. Segundo autoridades sanitárias, o governo já pediu apoio do Exército e apresentou a proposta à Assembleia Legislativa e ao Ministério da Saúde.

Pelo mesmo motivo, uma liminar deferida pela Justiça do Trabalho suspendeu, em caráter imediato, as atividades da construção civil no Sergipe.

Já a capital de Minas Gerais, Belo Horizonte, decidiu deixar mais rígidas as suas regras. A prefeitura de Belo Horizonte proibiu a realização de eventos com pessoas dentro de carros e em condomínios da cidade. As medidas são válidas por prazo indeterminado.

Enquanto isso, no Acre, o prefeito de Cruzeiro do Sul, Ilderlei Cordeiro (Cidadania), optou por uma ação inusitada para alertar a população e levou uma pessoa fantasiada de "morte" para circular pelo centro da cidade. "Vocês querem levar para as suas casas?", dizia a quem encontrava.