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Relatório da CPI sugere indiciamento de Queiroga e Pazuello por 5 crimes

Marcelo Queiroga (esq) e Eduardo Pazuello, ministro e ex-ministro da Saúde, foram indiciados em CPI da Covid - Arte/ UOL
Marcelo Queiroga (esq) e Eduardo Pazuello, ministro e ex-ministro da Saúde, foram indiciados em CPI da Covid Imagem: Arte/ UOL

Herculano Barreto Filho

Do UOL, em São Paulo

20/10/2021 13h01Atualizada em 20/10/2021 13h01

Eduardo Pazuello, ex-ministro da Saúde, e Marcelo Queiroga, atual titular da pasta, foram incluídos na lista de investigados pela CPI da Covid por suspeita de cometimento de cinco crimes.

Após quase seis meses de trabalho, o relator Renan Calheiros (MDB-AL) iniciou hoje a leitura do documento final. O texto sugere o indiciamento do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), de duas empresas e de outras 65 pessoas em um total de 24 crimes.

As acusações mais graves pesam sobre o ex-ministro Eduardo Pazuello, que, se o Ministério Público aceitar, poderá responder por crimes contra a humanidade, epidemia com resultado morte, emprego irregular de verbas públicas, comunicação falsa de crime e prevaricação. Já o ministro Marcelo Queiroga, que assumiu a pasta em março, responderia por epidemia com resultado morte e prevaricação.

A comissão responsabilizou Pazuello por irregularidades e atraso na aquisição dos imunizantes CoronaVac e Pfizer contra a covid-19 durante a sua gestão à frente do Ministério da Saúde. "As tratativas e a conclusão das negociações do governo federal sofreram injustificável e intencional atraso, que impactou diretamente na compra das vacinas e no cronograma de imunização da população brasileira", diz um dos trechos do relatório.

O governo federal centralizou sua atenção na vacina AstraZeneca, em vez de ampliar suas opções para outros imunizantes (...). Os trabalhos da comissão revelaram que a aquisição de imunizantes não foi uma prioridade. De fato, verificou-se demora na conclusão dos contratos de compra do imunizante, falta de iniciativa do governo federal em ajustar a legislação para permitir a aquisição e o uso das vacinas"
Trecho do relatório da CPI em acusações contra o ex-ministro Pazuello

"Essa atuação negligente apenas reforça que se priorizou a cura via medicamentos, e não a prevenção pela imunização, e optou-se pela exposição da população ao vírus, para que fosse atingida mais rapidamente a imunidade de rebanho", completou.

A demora pela aquisição de vacinas "mais baratas e com procedimentos de segurança e eficácia mais transparentes" segundo a comissão, contrastou com a rapidez para a compra da Covaxin.

O próprio presidente falou que não iria se manifestar sobre as denúncias de irregularidades apresentadas pelo deputado federal Luis Miranda (DEM-DF) após receber carta enviada pela CPI. "Sabe qual a minha resposta, pessoal? Caguei", disse, em live semanal em julho.

Mais de 12 mil mortes evitáveis, aponta CPI

Com base em três estudos, o relatório aponta, ainda, que essa "estratégia" adotada na gestão de Pazuello é responsável pela morte de 12.663 pessoas com 60 anos ou mais entre março e maio, que poderiam ter sido evitadas se o Ministério da Saúde tivesse contratado as 70 milhões de vacinas da Pfizer em agosto de 2020.

"Também indiciamos [Pazuello] por omissões deliberadas na adoção de campanhas claras de comunicação preventiva lastreadas no vasto consenso técnico-científico já disponível durante sua gestão", cita o texto.

O ex-ministro também é responsabilizado pelo colapso no sistema de saúde no estado do Amazonas e acusado de praticar crimes contra a humanidade por "restringir vacina prioritária aos indígenas", diz o relatório.

Condutas que expuseram os indígenas desnecessariamente a condições aptas a causar a destruição dessa parte da população, configurando o crime contra a humanidade na modalidade de extermínio, bem como privação intencional e grave de direitos fundamentais em violação do direito internacional, por motivos relacionados com a identidade do grupo ou da coletividade em causa, que configura atos de perseguição"
Trecho de relatório da CPI que acusa Pazuello por crimes contra a humanidade

Na semana passada, às vésperas da conclusão do relatório da CPI, Bolsonaro elogiou a atuação de Pazuello no governo. Neste domingo, o senador Renan Calheiros escreveu no Twitter que o ex-ministro "desfila nos corredores no Planalto arrastando milhares de cadáveres" e o apontou como alvo de pedidos de indiciamento por "vários crimes".

No começo do mês, Pazuello foi nomeado para assumir o cargo de assessor na Secretaria Especial de Assuntos Estratégicos da Presidência da República.

Queiroga deu sequência à gestão de Pazuello, diz CPI

Ao sugerir o indiciamento de Marcelo Queiroga pelo crime de epidemia com resultado morte, a CPI disse que o ministro da Saúde deu sequência à gestão de Pazuello na defesa do tratamento precoce sem comprovação científica.

"O dado de que o Brasil teria conseguido diminuir em 70% a proporção de óbitos com a adoção do protocolo de tratamento precoce (...) foi repetido pelo seu sucessor Queiroga", diz o relatório. "Em um momento crítico, se esperava posição firme, perita e coordenação, e não repetição do erro da gestão anterior", completa.

Com o seu comportamento, o atual ministro da Saúde contribui para desinformar a população brasileira sobre a validade do tratamento precoce, fazendo com que as pessoas acreditem que tomando fármacos como cloroquina e ivermectina estarão protegidos contra o novo coronavírus. Trata-se de conduta que sem sombra de dúvidas potencializa a propagação do vírus da covid-19"
Trecho de relatório da CPI que responsabiliza Queiroga por defender tratamento precoce

O que disse Pazuello

Em depoimento à CPI em maio, Pazuello negou que Bolsonaro tenha mandado cancelar compra de vacinas e contestou as acusações: "Não sou o único responsável", disse na ocasião.

O ex-ministro negou ainda ter distribuído o chamado "kit covid" em comunidades indígenas —informação que contradiz ofício enviado em fevereiro pelo Ministério da Saúde. E foi acusado por Renan Calheiros de mentir apresentando "contradições e omissões" no seu relato.

Dias depois, apareceu sem máscara em uma manifestação no Rio de Janeiro ao lado de Bolsonaro. O vice-presidente Hamilton Mourão se posicionou sobre o episódio, já que Pazuello é militar da ativa e não poderia participar de atos políticos. "Ele entende que errou". Contudo, o ex-ministro não foi punido pelo Exército, que arquivou o processo disciplinar contra Pazuello.

O que disse Queiroga

Em depoimento à CPI em junho, o ministro Marcelo Queiroga negou as acusações reforçando as "recomendações sanitárias". No mês seguinte, negou preocupação com a CPI, mas afirmou que estava prestando informações aos senadores em entrevista à CNN Brasil.

O ministro ainda foi acusado pelo senador Humberto Costa (PT-PE) de mentir à comissão ao afirmar que teria solicitado à Conitec (Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS) uma posição sobre a utilização de medicamentos sem eficácia comprovada contra a covid-19.

A CPI da Covid foi criada no Senado após determinação do Supremo. A comissão, formada por 11 senadores (maioria era independente ou de oposição), investigou ações e omissões do governo Bolsonaro na pandemia do coronavírus e repasses federais a estados e municípios. Teve duração de seis meses. Seu relatório final foi enviado ao Ministério Público para eventuais criminalizações.