Recados, bombas, reuniões secretas: o roteiro da tentativa de derrubar Lula
Uma reunião secreta para tratar sobre um suposto plano golpista, supostamente arquitetado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e pelo ex-deputado Daniel Silveira (PTB-RJ), foi revelada ontem pelo senador Marcos do Val (Podemos-ES).
Antes disso, no roteiro da tentativa de derrubar Lula (PT), também teve o silêncio de Bolsonaro, após a derrota nas urnas, e recados enigmáticos do então chefe do Executivo e de seus aliados.
Veja abaixo a cronologia de acontecimentos desde o segundo turno até as revelações feitas pelo parlamentar:
30 de outubro: Bolsonaro decidiu não se manifestar sobre o resultado do segundo turno das eleições, que deu a vitória a Lula.
1º de novembro: Bolsonaro rompeu o silêncio de dois dias, mas não reconheceu o resultado da eleição. Na ocasião:
- atacou o sistema eleitoral sem provas;
- defendeu a legitimidade de manifestações golpistas feitas por seus apoiadores contra a vitória de Lula;
- terceirizou para o então ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, o início do processo de transição do governo.
Os atuais movimentos populares são fruto de indignação e sentimento de injustiça de como se deu o processo eleitoral. As manifestações pacíficas sempre serão bem-vindas, mas os nossos métodos não podem ser os da esquerda, que sempre prejudicaram a população, como invasão de propriedades, destruição de patrimônio e cerceamento do direito de ir e vir" Jair Bolsonaro
18 de novembro: Com Bolsonaro recluso, seu vice na chapa à reeleição, o general Braga Netto, falou a apoiadores:
Vocês não percam a fé, tá bom? É só o que eu posso falar para vocês agora"
9 de dezembro: No Palácio da Alvorada, Bolsonaro faz a primeira declaração para apoiadores após a derrota nas urnas.
Ele disse ser "o chefe supremo das Forças Armadas", mantendo o tom que usava antes das eleições e insuflando seus apoiadores que estavam acampados em frente a quartéis do Exército em vários estados.
O presidente afirmou que seus apoiadores seriam os responsáveis por decidir seu futuro e que nada estava perdido.
Quantas vezes nos irritamos quando alguém diz a verdade para nós? E hoje estamos vivendo um momento crucial, uma encruzilhada Quem decide o meu futuro, para onde eu vou, são vocês. Quem decide para onde vão às Forças Armadas são vocês, para onde vai a Câmara e o Senado são vocês também"
9 de dezembro, horas depois: segundo a revista Veja, Bolsonaro se reuniu no Alvorada com Silveira e Do Val para tratar sobre um suposto golpe contra a eleição de Lula.
O plano previa que Do Val gravasse o ministro Alexandre de Moraes, do STF, na tentativa de captar algo comprometedor para prendê-lo e impedir a posse de Lula.
Do Val revelou hoje ter declinado de participar da ação e disse ter denunciado o caso.
11 de dezembro: Bolsonaro aparece de novo para seus apoiadores durante a tradicional cerimônia de arriamento da bandeira nacional, mas fica em silêncio.
12 de dezembro: Lula é diplomado pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral) e, horas depois, Bolsonaro novamente aparece para seus apoiadores, ouve uma oração e deixa o local sem falar.
À noite, bolsonaristas tentam invadir o prédio da Polícia Federal para resgatar um preso e promoveram uma série de atos de vandalismo em Brasília.
No mesmo dia, segundo a revista Veja, Do Val envia uma mensagem a Moraes. O senador pede para marcar uma reunião para relatar a conversa que havia tido com o presidente e Silveira, sobre o suposto golpe.
13 de dezembro: Bolsonaro participa de um evento militar, fica em silêncio, mas tem uma mensagem lida por um narrador. Ele dizia se sentir "um legítimo herdeiro da coragem, bravura e resiliência de Tamandaré", patrono da Marinha, e cita que o militar atuou "em defesa dos interesses nacionais e liberdade do povo".
14 de dezembro: Segundo a revista Veja, Moraes e Do Val se encontram na sede do STF. Ao ouvir o relato sobre a conversa do senador com Bolsonaro e Silveira, o ministro teria ficado espantado.
Após a conversa, Do Val enviou uma mensagem a Silveira dizendo que não participaria da ação golpista.
No mesmo dia, Moraes disse, sem entrar em detalhes e sem citar a tentativa de invasão à PF dois dias antes, que "ainda tem muita gente para prender". Não é possível dizer se a conversa dele e do senador ocorreu antes ou depois dessa declaração.
30 de dezembro: Bolsonaro fez uma live com o resumo de seu mandato, indicando ter aceitado a derrota eleitoral e pedindo calma a seus apoiadores.
Não tem tudo ou nada. Somos diferentes do outro lado, respeitamos a Constituição. Quando está difícil, tem de buscar apoio, trazer gente para o nosso lado e prepará-las para os momentos difíceis. Nada está perdido. O Brasil não vai se acabar no dia 1º de janeiro"
No mesmo dia, ele deixou o Brasil rumo aos Estados Unidos e não cumpriu o ritual de passar a faixa presidencial para Lula.
8 de janeiro: Milhares de extremistas bolsonaristas invadiram e depredaram o Congresso Nacional, o Palácio do Planalto e a sede do STF.
Anderson Torres, ex-ministro da Justiça de Bolsonaro e então secretário de Segurança do Distrito Federal, estava nos Estados Unidos naquele dia, mas negou ter se encontrado com o presidente. Ele foi demitido e preso dias depois ao desembarcar no Brasil por suspeita de facilitar as invasões.
12 de janeiro: A Polícia Federal encontra rascunho de minuta golpista na casa de Torres, que previa reverter o resultado das eleições. Ele já disse que o documento estava fora de contexto e seria jogado fora.
27 de janeiro: Valdemar Costa Neto, presidente do PL, partido de Bolsonaro, diz em entrevista ao jornal O Globo que várias minutas golpistas circulavam no entorno do presidente. Ele também afirmou que Bolsonaro teria sido pressionado a "fazer algo errado" e que havia gente que "achava que ele podia dar o golpe".
2 de fevereiro: Inicialmente, Do Val disse que a tentativa para envolvê-lo num golpe contra a eleição de Lula partiu de Bolsonaro e de Silveira, preso hoje por descumprir ordens do STF.
O senador fez uma transmissão nas redes sociais durante a madrugada relatando a suposta coação de Bolsonaro, mas os detalhes do caso e trocas de mensagens foram publicadas durante a manhã pela revista Veja. Depois, Do Val recuou em sua acusação de coação em relação a Bolsonaro.
Em nota, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), filho mais velho do ex-presidente, saiu em defesa do pai dizendo que "nunca houve qualquer tentativa de golpe". "O presidente Jair Bolsonaro é um defensor da lei e da ordem e sempre jogou dentro das quatro linhas da Constituição".
3 de fevereiro: Moraes se manifestou pela primeira vez sobre a trama. Em um evento do grupo empresarial Lide, em Lisboa, ele chamou de "operação Tabajara" o plano golpista narrado por Do Val.
Mais tarde, o ministro do STF mandou abrir uma investigação formal contra o senador por falso testemunho, para apurar as divergências nas versões apresentadas por ele. Segundo o ministro, as versões do parlamentar sobre o episódio "são todas antagônicas entre si".
Veio à tona mais uma mensagem trocada entre Do Val e Moraes em 9 de dezembro, data da reunião do senador com Bolsonaro e Daniel Silveira. No texto, revelado pela colunista do UOL Juliana Dal Piva, o senador isenta Bolsonaro e afirma que o ex-deputado fluminense é que fazia um "movimento" contra o ministro.
Quem está fazendo todo movimento com objetivo de levá-lo à perda da função de ministro e até ser preso é o DS. O PR não está fazendo movimento nesse sentido. O DS que está tentando convencê-lo dizendo ao PR que eu conseguiria as peças"
Marcos do Val, em mensagem enviada a Moares em 09 de dezembro
O episódio também mobilizou senadores da base do governo Lula. Ao UOL, o senador Omar Aziz (PSD-AM) afirmou que o grupo deve acionar o Conselho de Ética da Casa contra Do Val na semana que vem. Os governistas rejeitam, no entanto, a criação de uma CPI sobre o caso.
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