Esvaziamento de dados da covid se acentua com retirada de números de site
O site oficial da covid-19, que apresentava um balanço detalhado sobre a situação da pandemia de covid-19 no país, saiu do ar na noite de hoje no mesmo horário em que foi divulgada nova versão dos dados de pacientes diagnosticados e óbitos ocorridos no Brasil e nos estados. Somadas, as duas situações dificultam o entendimento da situação do combate ao novo coronavírus e as análises de eficácia das ações brasileiras.
Uma mensagem dizendo "portal em manutenção" passou a ser a única informação disponível no endereço, que antes trazia detalhamento por estados, gráficos com a evolução de casos e óbitos, bem como informações sobre início dos sintomas, entre outros detalhamentos. Hoje, o país ultrapassou 645 mil casos e 35 mil mortes.
O documento com o número de óbitos e casos confirmados nas últimas 24 horas também passou por alterações e deixou de trazer números consolidados. Em vez de oferecer o panorama de antes, que permitia visualizar a curva de casos, óbitos e altas médicas, a nova versão passou a priorizar apenas os dados incluídos no sistema do governo federal de ontem para hoje.
Dados de hoje:
Dados de ontem:
Procurado pelo UOL, o Ministério da Saúde não explicou as mudanças na divulgação ou a situação do portal oficial que desde o início da pandemia estava no ar.
Contudo, o novo formato de divulgação dos dados parece atender a ordem do presidente Jair Bolsonaro (sem partido). No início da noite, disse a jornalistas: "É para pegar o dado mais consolidado. E tem que divulgar os mortos no dia. Ontem, por exemplo, dois terços dos mortos eram de dias anteriores. Tem que divulgar o do dia."
O presidente também defendeu que a pasta divulgue no final da noite os dados sobre a pandemia no país como forma de atacar a Rede Globo. "Acabou matéria no Jornal Nacional", disse.
Saúde esvazia dados
Após três gestões diferentes e mais um período sem ministro, o Ministério da Saúde agora trata e comunica a covid-19 de maneira bem diferente em relação ao início da pandemia no país. As entrevistas coletivas, antes diárias, perderam frequência, presença e qualidade, e a pasta passou a cancelar eventos em cima da hora e a atrasar até cinco horas a publicação dos dados oficiais.
O UOL organizou uma linha do tempo dos balanços da Saúde e ouviu especialistas sobre as mudanças de direção do ministério e o enevoamento em torno da consolidação de informações oficiais. A mudança mais recente é quanto ao horário da atualização diária de novos casos e mortes por covid-19: a divulgação chegou a ser feita às 17h no início da pandemia, mas nesta semana passou a ser consolidada por volta das 22h.
Quando questionado, o Ministério da Saúde aos poucos mudou a justificativa para os atrasos. Na quarta-feira (3) falou em "problemas técnicos"; ontem o discurso mudou para alegar "necessidade de checagem de informações"; e hoje a pasta admitiu que busca "ajustar o horário de divulgação dos dados" por causa das tais checagens.
Linha do tempo
23 de janeiro, a primeira coletiva
O Ministério da Saúde começou a falar de coronavírus cerca de um mês antes de o Brasil diagnosticar seu primeiro caso. A pasta era comandada por Luiz Henrique Mandetta, mas ele foi ausência da primeira entrevista coletiva sobre o tema porque estava em Davos, na Suíça, no Fórum Econômico Mundial. O ministro em exercício era João Gabbardo, hoje chefe do centro de combate à covid-19 em São Paulo.
12 de fevereiro, a décima coletiva
A frequência das atualizações sobre a pandemia já era grande em fevereiro, mês que marcou a chegada do vírus ao Brasil. Na época Mandetta ainda não participava de todas as entrevistas coletivas e, quando aparecia, geralmente começava a apresentação com um bate-papo. Quando o ministro não estava, o secretário executivo Gabbardo atendia à imprensa junto ao secretário de Vigilância em Saúde, Wanderson Oliveira.
30 de março, mudança de local
Ao final de março, enquanto o Brasil chegava a 200 mortes, Mandetta e Bolsonaro viviam uma tensão pública. O ministro ganhava popularidade e há dias contrariava o presidente sobre o isolamento social, então o governo informou que as coletivas de imprensa Saúde dali em diante seriam no Palácio do Planalto -- não mais no prédio do Ministério.
Oficialmente, seria uma tentativa de passar uma 'imagem de união' entre os dois; questionado no mesmo dia, Mandetta admitiu que a relação conturbada era "parte do problema" no enfrentamento à pandemia.
6 de abril, reunião na hora H
Mesmo no Planalto, Mandetta continuou ganhando protagonismo no enfrentamento da crise, por fazer recomendações diametralmente opostas às falas de Bolsonaro. A essa altura, a atualização dos dados de covid-19 acontecia às 17h e com o ministro respondendo ao vivo perguntas de jornalistas, em coletivas diárias. Bolsonaro então decidiu marcar uma reunião com o ministro no mesmo horário. Enquanto o Brasil batia mil mortes por covid-19, ambos faziam queda de braço pública e trocavam indiretas até Mandetta cair, em 16 de abril.
7 de maio, sem mais detalhes
Já sob a gestão do oncologista Nelson Teich, o Ministério da Saúde mudou a periodicidade da divulgação de estatísticas sobre as vítimas fatais de covid-19. Informações como gênero, cor e faixa etária dos mortos costumavam ser apresentados diariamente, mas a partir de então foram espaçadas, sem justificativa. A pasta chegou a ficar dez dias sem atualizar estes dados.
13 de maio, coletiva cancelada
O Ministério da Saúde faria uma apresentação para detalhar as diretrizes da proposta para isolamento social nos diferentes estados, mas cancelou a coletiva em cima da hora. Nelson Teich vivia processo de fritura por parte de Bolsonaro, e àquela altura a saída já parecia questão de tempo -- seria oficializada dois dias depois. O cancelamento de uma coletiva da pasta voltou a acontecer na última quarta-feira (3).
19 de maio, ocultação de cadáveres
No dia em que o Brasil registrou mais de mil mortes de covid-19 em 24 horas, o ministério dedicou sua entrevista coletiva à doação de leite materno. No mesmo dia a pasta deixou de publicar os dados oficiais da doença nas redes sociais: em vez do boletim completo, passou a replicar visões "positivas", com recuperados da doença.
O próprio site que o ministério mantém e alimenta com estatísticas sobre diagnósticos e óbitos mudou de cara para parecer mais otimista. A posição e o tamanho do anúncio da quantidade de recuperados ganhou mais destaque do que os casos e as mortes.
20 dias sem ministro
A partir da saída de Teich, o Ministério da Saúde ficou três semanas sem ministro enquanto o Brasil passava das 30 mil mortes por covid-19. O general Eduardo Pazuello foi "oficializado como interino" no começo desta semana, mas ainda não participou de uma entrevista coletiva no exercício deste cargo.
No lugar dele, os subordinados é que têm falado, e com frequência evitam responder perguntas. Nos últimos dias, cada entrevista coletiva com funcionários tem pelo menos um "por favor, peço para direcionar a questão à assessoria de imprensa".
3 de junho, atraso de cinco horas
A atualização de casos e mortes oficiais por covid-19 atrasou cinco horas e foi apresentada apenas às 22h. O mesmo aconteceu ontem e hoje, sugerindo um novo modo operante por parte do Ministério da Saúde. Questionado, Jair Bolsonaro falou que "agora acabou matéria no Jornal Nacional".
5 de junho, boletins também atrasados
Em abril, o ministério prometeu divulgar semanalmente um boletim epidemiológico semanalmente, para não só apresentar dados referentes à covid-19 mas também interpretá-los. As três últimas edições publicadas no site da pasta são de 8, 18 e 25 de maio.
*Colaborou Rodolfo Vicentini, do UOL, em São Paulo
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