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Mar agitado e queda das temperaturas não impedem fluxo de refugiados

Mauricio Lima/The New York Times
Imagem: Mauricio Lima/The New York Times

Rick Lyman

Em Lesbos (Grécia)

05/11/2015 06h00

O bote de borracha era jogado de um lado para outro pelas ondas, quase virando, enquanto mais de três dezenas de passageiros usando coletes salva-vidas cor de laranja gritavam, choravam e imploravam freneticamente a Deus e aos voluntários que aguardavam na praia pedregosa.

Khalid Ahmed, 35 anos, deslizou pela lateral até a água fria até a altura da cintura, chegou com dificuldade à costa e caiu de joelhos, curvando-se ao horizonte oriental e rezando enquanto lágrimas escorriam em sua barba endurecida pelo sal.

“Eu sei que é quase inverno”, ele disse. “Nós sabíamos que o mar estaria agitado. Mas por favor, acredite em mim, seja lá o que vier a acontecer conosco, será melhor do que o que deixamos para trás.”

A grande enchente humana que sai da Turquia proveniente da Síria, Afeganistão, Iraque e outros países turbulentos mostra pouco sinal de parar, apesar da forte queda das temperaturas, dos mares cada vez mais agitados e do número crescente de afogamentos ao longo da costa.

Na verdade, há um maior jorro de pessoas nas últimas semanas, provocado pelo aumento dos combates em seus países de origem –inclusive o início de ataques aéreos russos na Síria– e o temor corrosivo de que o caminho para a Europa seja fechado enquanto governos que não se entendem endurecem o controle de suas fronteiras.

“Virem no inverno dessa forma é sem precedente”, disse Alessandra Morelli, a diretora de operações de emergência na Grécia do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados. “Mas faz sentido, se você entender a lógica do ‘é agora ou nunca’. Essa é a lógica predominante entre essas pessoas. Elas acreditam que essa oportunidade não se repetirá, de modo que têm que arriscar, apesar dos perigos.”

O aumento faz com que países por todo os Bálcãs e Europa Central, já sob intenso estresse logístico e político, não tenham alívio –especialmente a Alemanha, o destino preferido de muitos dos refugiados.

As esperanças de que o clima e a diplomacia reduziriam a emergência até o momento se mostraram infundadas, colocando ainda mais pressão sobre governos em dificuldades financeiras e sobrecarregados emocionalmente para encontrarem rapidamente mais abrigos capazes de suportar o inverno.

O afluxo também ressalta o fracasso da União Europeia em chegar a uma solução unificada para a crise, deixando lugares como Lesbos em dificuldades para lidar com o número imenso de pessoas desesperadas e levantando questões sobre o que acontecerá não apenas neste inverno, mas na primavera e além.

No início desta semana, o número de pessoas que cruzaram da Turquia para a Grécia chegou a 600 mil, após ter ultrapassado 500 mil apenas poucas semanas antes.

Tanto imigrantes quanto o pessoal de ajuda humanitária dão de ombros quando perguntados até quando inverno adentro as pessoas tentarão fazer a travessia traiçoeira.

“Alguns dos contrabandistas dizem às pessoas que entram em contato com eles: ‘Sim, haverá mais viagens, vocês devem vir’, de modo que as pessoas continuam vindo”, disse Abu Jawad, um palestino sírio de 28 anos que trabalha como intermediário para contrabandistas turcos, recrutando passageiros em Izmir, Turquia, e em outras cidades costeiras.

“Logo, acho que as pessoas continuarão vindo enquanto os contrabandistas lhes disserem para vir, e os contrabandistas continuarão tentando viagens enquanto houverem passageiros”, ele disse.

“Não tínhamos escolha. Nós tínhamos que partir de Aleppo”, disse Nouri Mahmoud, 60 anos, que antes dirigia uma pequena companhia de petróleo na Síria. “Piorou demais nas últimas semanas. Os rebeldes estão lutando uns contra os outros e agora também temos os russos. Todos estão lutando uns com os outros. Quem quer que venha a entrar em Aleppo a seguir vai massacrar as pessoas.”

Amontoados ao redor dele na entrada de um abrigo temporário em um centro para refugiados estavam sua esposa e seus trigêmeos de 15 anos.

“Não podemos voltar agora”, disse Mahmoud. “Não temos para onde voltar.”

Não há dúvida de que a travessia está ficando mais perigosa –como acontece a cada inverno, quando os ventos do norte e a queda das temperaturas esfriam e agitam o mar. Na última quarta-feira, um barco que levava mais de 250 imigrantes –um “iate”, como os chamam os contrabandistas turcos, mas que na verdade são barcos de madeira velhos e decrépitos– afundou no trecho entre a Turquia e a costa norte de Lesbos. Mais de 30 pessoas se afogaram.

E essa foi apenas a mais recente catástrofe. Ainda nesta semana 11 pessoas morreram quando um barco virou a apenas 30 metros da costa de Samos, outra ilha grega; duas pessoas morreram além da costa de Rodes, e seis pereceram nas águas ao norte de Lesbos.

“Agora vemos esses naufrágios todo dia”, disse Morelli.

Em um café ao ar livre certa tarde da semana passada, do lado de fora da principal estação de trem em Izmir, na Turquia, várias dezenas de refugiados sírios bebiam chá em mesas bambas. As lojas próximas vendiam coletes salva-vidas, boias infláveis e embalagens à prova d’água para celulares e passaportes.

“É claro que estamos cientes de que o inverno está chegando, mas demoramos até agora para vender todas as nossas terras e nossa casa em Deir ez-Zor, na Síria”, disse Ahmed Ali, 28 anos, que estava cercado por meia dúzia de familiares. “Agora, com os bombardeios russos, nós achamos que a situação piorará ainda mais.”

Ele disse estar aguardando para negociar entre as várias operações de contrabando para tentar adivinhar qual é a mais confiável.

“Que escolha temos a não ser seguir em frente?” ele disse. “Não nos restou nada em casa para onde voltar. Me diga, para onde mais podemos ir?”

No final da noite de terça-feira, disse Ali, a família já tinha chegado a Lesbos, tomado uma balsa para Atenas, cruzado a Macedônia e a Sérvia e estava chegando à fronteira croata.

A poucos metros de distância, em outra mesa bamba, Adnan Sheikh Mohammad fechava seu celular e abria um largo sorriso, dando um tapinha no ombro de seu primo, Sami.

“Fechei negócio com um contrabandista”, ele disse. “Se Deus quiser, partiremos amanhã.”

O preço foi de US$ 1.100 (cerca de R$ 4.170) por adulto, metade do preço por criança, uma quantia considerável para um grupo de 12 adultos e 10 crianças.

Eles planejam chegar à Suécia, onde vivem amigos, mas não sabem exatamente qual caminho seguir.

“Nós desembarcaremos em Atenas e simplesmente seguiremos a multidão”, disse Sami, 39 anos, que era barbeiro em Aleppo.

Na tarde seguinte, voluntários aguardavam em pontos elevados na costa de Lesbos e checavam o horizonte.

De tempos em tempos, pequenos pontos cor de laranja balançando ao longe lentamente se transformavam em uma linha de pontos cor de laranja menores. Ao se aproximarem, eles se transformavam, como aparições, em poucas dezenas de pessoas em coletes salva-vidas cor de laranja, acenando freneticamente.

Um voluntário subiu sobre seu carro e começou a agitar um colete salva-vidas sobre sua cabeça, sinalizando para o barco para seguir para sua esquerda, para longe de um trecho mais traiçoeiro da costa. Mas os imigrantes não o viram ou foram incapazes de controlar o barco, que colidiu na arrebentação contra um trecho de pedras dentadas.

Claramente foi uma travessia assustadora. Meia dúzia de crianças chorava e se agarrava às suas mães, que também choravam, enquanto os homens tentavam descobrir o que fazer. Os voluntários enfrentavam as ondas e tentavam impedir o barco perpendicular em relação à costa, mas a força da água impedia e ameaçava virá-lo.

Um por um –primeiro as crianças, depois as mulheres e então os homens– os passageiros foram desembarcados e escoltados nos poucos metros finais até a costa. Eles olhavam ao redor, atordoados e às lágrimas, mas todos sobreviveram.

“Adi! Adi!” gritava uma mãe frenética, ao avistar seu filho recostado em uma pedra próxima. Ela caiu ao solo, levantou a perna das calças dele e começou a beijar sua canela que tremia.