Na contramão do mundo, país arrisca investir na energia suja do carvão

Pedro Telles

Pedro Telles

Especial para o UOL
  • Charlie Riedel/AP

O Acordo de Paris, importante ferramenta para enfrentar o desafio das mudanças climáticas, passa a valer nesta sexta-feira, 4 de novembro. Assinado por 192 países-membros da ONU, une governos de todo o mundo em torno do compromisso de evitar um aquecimento global superior a 1,5 º. É um objetivo tão ambicioso quanto urgente, tendo em vista que já vivemos em um planeta 0,8 º mais quente do que o medido antes da Revolução Industrial.

Barrar esse aquecimento exige rápidos cortes nas emissões dos chamados gases de efeito estufa, que se acumulam na atmosfera. Eles emanam de atividades em diversos setores, com destaque para o energético, o agropecuário e o de mudanças no uso do solo (especialmente desmatamento). Dentre todas as fontes, uma se destaca: a geração de energia pela queima do carvão mineral. Sozinha, a atividade corresponde a quase um terço do total desses gases emitido em todo o mundo.

Surpreende, então, que o nosso Congresso Nacional queira destinar incentivos justamente para o carvão. Isso se pretende por meio do artigo 20 da Medida Provisória 735/16, aprovada em 19 de outubro. Ela agora está nas mãos do presidente Michel Temer para sanção ou veto.

O Acordo de Paris exige o fim do uso de combustíveis fósseis até 2050 se estivermos levando a sério a meta de ficar abaixo dos 1,5º. Ultrapassar esse limite significaria enfrentar consequências drásticas. Entre elas, o desaparecimento de países-ilhas devido à elevação do nível do mar. No mundo todo se intensifica o desinvestimento nessas fontes de energia, um movimento endossado pela ONU. Da China à Noruega, o carvão deverá ser o primeiro a sair da cena em diversos países. No Brasil, o ano de 2014 registrou apenas 3% da nossa eletricidade vinda do carvão. Mas a fonte respondeu por assombrosos 22% das emissões da matriz elétrica.

Queimar carvão também gera uma poluição que está associada a graves problemas de saúde, levando a mais de 800 mil mortes prematuras por ano ao redor do mundo. E além de tudo isso, o carvão é uma fonte cara. Os preços das contas de luz sobem cada vez que o governo opta por ligar usinas térmicas para compensar baixos níveis de reservatórios nas hidrelétricas. Ao mesmo tempo, ao redor do mundo alternativas verdadeiramente sustentáveis como a energia eólica e a energia solar já apresentam preços mais baixos.

O uso do carvão, portanto, é um desastre climático, um mau negócio e um golpe na saúde de muitos brasileiros. Ampliar o apoio a essa fonte –como proposto na Medida Provisória 735/16, aprovada por nossos deputados e senadores– significaria negar promessas que fizemos para o mundo e impactar diretamente cidadãos, beneficiando apenas aqueles que produzem essa energia suja.

O texto da Medida Provisória até tenta parecer comprometido com o combate às mudanças climáticas ao propor um corte de 10% nas emissões de termelétricas a carvão. Mas isso é pouco significativo dado o tamanho do problema, funcionando como distração e não como solução. Precisamos seguir rumo ao fim do carvão e a 100% energias renováveis, como pede o Acordo de Paris e como o Greenpeace mostra que é possível na nova edição de seu relatório Revolução Energética.

No início de outubro, o governo federal apontou na direção certa quando o BNDES anunciou que não vai mais financiar carvão, uma notícia que reverberou positivamente por todo o mundo. Cabe a Temer manter a coerência e vetar o artigo da Medida Provisória que oferece incentivos a essa fonte energética do passado.

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Pedro Telles

é coordenador de Clima e Energia do Greenpeace, mestre em Development Studies pela Universidade de Sussex e pós-graduado em Análise Econômica

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