O dia em que o bairro do Bixiga chorou pela Vai-Vai

Walter sentiu a terra tremer como se uma bomba atômica tivesse atingido o bairro do Bixiga, na área central de São Paulo; Santiago percebeu o chão se abrindo embaixo dos seus pés; Paulinho ouviu o próprio coração trincando; e ao Thobias só restou cantarolar o clássico Saudosa Maloca do mestre Adoniran Barbosa: "(...) cada tábua que caía, doía no coração".
O rebaixamento da maior campeã do Carnaval de São Paulo, a Vai-Vai (15 títulos), foi um duro golpe e tornou esta Quarta-Feira de Cinzas, o pior dos dias para moradores do bairro. Cantinas vazias, gente cabisbaixa e disposta a pouca conversa. "A Vai-Vai precisa voltar a se conectar com a comunidade. Precisa olhar para suas origens, seu bairro e povo", diz o cantor e compositor Thobias da Vai-Vai, que está rompido com a agremiação há um ano.
Ontem, na fatídica ressaca do dia seguinte, não faltou quem lembrasse dos carnavais de antigamente. A presidente do Museu Memória do Bexiga, Vera Nice Rodrigues, contou que quando ainda era criança acompanhava os desfiles pelo próprio bairro - logo depois da apresentação oficial na Avenida São João.
"Os moradores ficavam esperando. Era um momento lindo. Por amor à escola, a gente aguentava o barulho da quadra, os transtornos... O problema é que a Vai-Vai tem se afastado da gente", lamentou.
Claro, o resultado dramático da agremiação abriu a tampa que segurava uma série de mágoas e desavenças.
"O morador do Bexiga até torce pela escola, mas não frequenta mais a quadra. Cansei de ver gente humilhada por essa administração. As pessoas daqui são maltratadas pela turma que hoje manda na Vai-Vai", comentou Marcos Guinho, de 29 anos, componente da bateria.
Os críticos do atual presidente da Vai-Vai, Darly Silva (Neguitão), afirmam que a escola abdicou da democracia interna e tem evitado eleições. Fala-se também em uma dívida de mais de R$ 3 milhões que a agremiação não estaria conseguindo honrar - e por isso o rebaixamento seria algo "esperado". A assessoria da Vai-Vai foi procurada, mas afirmou que só se manifestará nesta quinta-feira, 7, depois de conhecer as justificativas dos jurados.
A dor
Mas a política não se compara a dor de quem nem conseguiu dormir depois de saber do resultado. O presidente da velha-guarda, Paulinho da Vai-Vai, de 79 anos, diz ter sido a última terça-feira o pior dia da sua vida.
"Não quero crucificar ninguém. Mas minha vida é o Bixiga. Me criei lá... Essas coisas ficam no coração da gente. Quem gosta de samba sabe o que eu estou sentindo", disse. "Agora, cada um vai ter que doar um pouco mais de si para levantar a escola outra vez", completou.
"O chão desapareceu debaixo dos meus pés. Tive uma sensação de impotência e perplexidade. É muito ruim para uma comunidade que precisa de muitas coisas - como a alegria de uma escola vencedora", disse o diretor do Museu do Bixiga, Paulo Santiago Augustines.
Em sua casa, Walter Taverna, de 86 anos, figura mítica do bairro e presidente do Centro de Memória do Bixiga, conta que sentiu o chão tremer como se uma bomba atômica tivesse desabado. "Meu coração deve estar bom. Podia ter enfartado, mas estou aqui para torcer pela volta da nossa Vai-Vai."
Ano que vem, justamente quando a agremiação completará 90 anos de existência, o desfile será no Grupo de Acesso, a série B do Carnaval. "Temos de fazer o que o compositor Paulo Vanzolini nos ensinou: 'Levantar, sacudir a poeira e dar a volta por cima'", diz Thobias da Vai-Vai.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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