'Bahia petista é locomotiva do genocídio negro', diz advogado e ex-petista
Em discurso no Rio de Janeiro, o presidente Lula (PT) criticou o preparo dos policiais no combate ao crime. Enquanto isso, na Bahia, o governador petista Jerônimo Rodrigues fala em "equívocos" e promete apurar "eventual excessos" — depois de 31 assassinatos em operações policiais no estado entre 28 de julho e 4 de agosto.
Com o crescimento da letalidade destas operações desde 2015, a Bahia superou o Rio de Janeiro — em 2022, passou a ocupar o primeiro lugar no ranking nacional das polícias que mais matam.
O governador reuniu a equipe, nesta quarta (9), no Farol da Barra, cartão postal de Salvador, para anunciar mais viaturas e a convocação de policiais da reserva para retornarem ao trabalho.
As medidas foram criticadas por ativistas e entidades que denunciam a persistência na política ineficaz de confronto, que tem gerado ainda mais violência e morte de inocentes em comunidades pobres.
Em estados como São Paulo e Rio de Janeiro, governados por partidos de direita, o Partido dos Trabalhadores se une aos movimentos sociais para denunciar a violência policial e exigir respeito aos direitos humanos.
Sem plano concreto para a violência policial
Na quinta (10), ao fazer referência à morte de Thiago Menezes Flausino, 13, Lula disse que a polícia precisa estar preparada para "saber diferenciar o que é um bandido e o que é um pobre que anda na rua" e defendeu que os policiais tenham treinamento adequado e preparo psicológico.
Foi a primeira vez que Lula falou sobre as mortes em ações policiais que ocorreram nas últimas semanas. Ele e a maioria dos ministros têm evitado falar sobre as chacinas — o governo ainda não tem planos concretos para o combate à violência policial.
Um cidadão que atira num menino que já estava caído não estava preparado do ponto de vista psicológico para ser policial.
Lula
O governador da Bahia, do mesmo partido do presidente, esperou por mais de uma semana para se posicionar sobre as 31 mortes que ocorreram na região metropolitana de Salvador.
O ministro dos Direitos Humanos e Cidadania do Governo Lula, Silvio Almeida, afirmou, no último fim de semana, que as mortes na Bahia não são compatíveis com um país que se pretende democrático. O ministro informou que acionou a Ouvidoria Nacional dos Direitos Humanos para acompanhar os casos.
Ex-dirigente petista acusa genocídio da política de segurança na Bahia
O PT iniciou o quinto mandato consecutivo no governo da Bahia. As gestões de Jaques Wagner, atual senador, e de Rui Costa, ministro da Casa Civil do novo governo Lula, não conseguiram controlar a violência no estado, que nos últimos anos registrou números alarmantes, levando as organizações e ativistas considerarem um genocídio.
Dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública apontam que a violência policial quadruplicou na Bahia entre 2015 e 2022.No ano passado, o estado registrou 1.464 pessoas mortas em intervenções policiais — o que representa 22,7% do total nacional.
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Quero receberEstudo realizado pela Rede de Observatórios de Segurança, denominado "Pele alvo: a cor que a polícia apaga", indica que de cada 100 mortos pela polícia baiana, 98 são pessoas negras. Em Salvador, este índice chega a 100%.
Bahia petista é locomotiva do genocídio negro, afirma o advogado Samuel Vida, professor e coordenador do programa Direito e Relações Raciais da Universidade Federal da Bahia (UFBA).
Samuel Vida militou no PT por 33 anos (entre 1983 e 2016) e disse à coluna que se desfiliou por divergências com as políticas de segurança.
Para ele, as gestões petistas no governo da Bahia, iniciadas em 2007, foram conduzidas com a "adesão ao modelo penal do populismo punitivista, materializado, sobretudo, na falácia da 'guerra às drogas' e na explícita orientação da atividade policial para o confronto, como estratégia política", apontou o advogado.
Sobre o anúncio feito pelo governador, de mais viaturas e aumento do efetivo policial, Samuel considera que é "a reafirmação da política de confronto e letalidade que tem motivado a violência policial generalizada nas comunidades negras. Ou seja, o governador aponta para a continuidade da política genocida".
O advogado participou do debate "Atual Estado de Insegurança Pública e o Equívoco da Política de Enfrentamento", organizado pelo Setorial de Segurança Pública do PT Bahia, que reuniu militantes do partido, pesquisadores, representantes comunitários e dos policia, além de ex-filiados à sigla, em duras críticas à Política de Segurança Pública adotada na Bahia.
"Não estamos aqui para passar pano", disse a socióloga Vilma Reis, pré-candidata petista à Prefeitura de Salvador, em 2020. Ela chamou atenção para o constrangimento que o partido passa, ao criticar a atuação de outros governos na área da Segurança Pública e falhar gravemente na Bahia.
No debate também houve críticas à demora do governador Jerônimo Rodrigues em dar uma resposta em relação à atuação da Polícia Militar, diante das 31 mortes em operações policiais em apenas oito dias.
Governador falou em "eventual excesso" e equívocos e prometeu apuração
Jerônimo havia utilizado as redes sociais no início na semana para falar em "apuração de eventual excesso" e do diálogo estabelecido com o governo federal e com órgãos do sistema de justiça.
Nesta quarta, contudo, o governador petista preferiu o midiático cenário do Farol da Barra para anunciar a entrega de 84 novas viaturas e a convocação de 550 policiais da reserva como estratégia para aumentar o efetivo nas ruas.
"Nós não queremos que a nossa Polícia, em hipótese alguma, nem morra, nem mate. Firmo aqui e registro meu sentimento às vítimas de balas, seja do destino qual for. Todos os casos nossos nós apuramos. A Comissão de Ética e a Corregedoria da Polícia Militar e da Polícia Civil têm sido rigorosas nisso. Não tem proteção para aqueles que se equivocam", disse Jerônimo Rodrigues.
O governador prometeu firmeza: "A nossa atuação será sempre firme, será sempre segura, mas em defesa da vida. Que ninguém duvida da postura do governador em relação à defesa dos direitos humanos", afirmou Jerônimo Rodrigues.
Histórico de ações governamentais, segundo advogado
Apesar do número alarmante mortes nos últimos dias, Samuel Vida diz que essa não é uma semana atípica na Bahia, mas o retrato de uma realidade que pesquisas de monitoramento vêm revelando e que movimentos têm denunciado desde o início da gestão petista no estado.
Samuel Vida citou um longo histórico de ações governamentais que, segundo ele, conduziram a Bahia à crise vivida atualmente, incluindo a criação e ampliação de unidades especializadas em confronto e de alta letalidade, como a Rondesp, a Patamo, o Bope e a Peto.
Além da implantação imediata das câmeras nos uniformes policiais, Samuel defende maior investimento na investigação, com o fortalecimento da Polícia Civil, que, na avaliação do professor, vem sendo desprestigiada pela gestão petista, em reforço à ação ostensiva da Policial Militar.
"É preciso admitir o fracasso desta política de guerra às drogas e o reconhecimento do problema, por parte do governo, com a montagem de um gabinete de crise, com escuta de especialistas, ouvidoria externa e auditoria independente das mortes", cobra Samuel Vida.
Também presente ao debate promovido pelo setorial petista, Denilson Neves, policial civil e um dos fundadores do Movimento Policiais Antifascismo, criticou o tratamento dado pelas gestões petistas ao trabalho de inteligência e investigação da Polícia Civil.
"O governador Jaques Wagner retirou a autonomia do Gerce (Grupo Especial de Repressão aos Crimes de Extermínio), que investigava a atuação de mais de 30 grupos de extermínio no estado, com presença de policiais", disse Neves, que atua há 25 anos na Polícia Civil da Bahia.
Manifesto lista casos de violência policial e chacinas nas gestões do PT na Bahia
Um manifesto assinado pelo Aganju (Afro Gabinete de Articulação Institucional e Jurídica), fundado em 2001, por Samuel Vida, se posiciona sobre o agravamento das ações policiais letais na Bahia nas últimas semanas.
Além de listar uma série de assassinatos e chacinas ocorridos no estado, como a Chacina do Cabula (2015) e da Gamboa (2022), o documento cobra medidas urgentes de reorientação da política de segurança pública e rigorosa investigação imparcial e responsabilização dos envolvidos em atos ilegais em toda a extensão da cadeia de comando.
"Se impõe como imperativo ético-político a resistência, a mobilização e o apoio às vítimas e seus familiares, que além da dor da perda ainda se deparam com a criminalização indevida de seus entes queridos (...). O genocídio negro nunca é um problema paroquial, pois fere cada pessoa e cada comunidade negra em todo o Brasil e em todo o mundo. Por isso, esta denúncia deve reverberar nacional e internacionalmente", cobra o documento.
Dezenas de entidades do movimento negro da Bahia estão organizando um ato contra o genocídio do povo negro e pelo fim da violência policial, tendo como cobrança central as câmeras nos fardamentos policiais. Será dia 18 de agosto, às 9h, no Centro de Salvador. "Polícia, o que você tem a esconder?" é a pergunta que as organizações pretendem fazer nas ruas da capital baiana.
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