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Carlos Madeiro

REPORTAGEM

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Na esteira da corrida à Presidência, Lira e Renan Filho trocam farpas em AL

Arthur Lira visitou Renan Filho no dia 2 de fevereiro  - Wendell Palhares/Divugação
Arthur Lira visitou Renan Filho no dia 2 de fevereiro Imagem: Wendell Palhares/Divugação

Colunista do UOL

24/03/2022 04h00

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Às vésperas da definição das chapas que vão concorrer à eleição, o clima esquentou entre o governador de Alagoas, Renan Filho (MDB), e o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP), em uma disputa que deve repetir o cenário polarizado nacional.

De lado opostos na política local e nacional, os dois trocaram farpas intensas nos últimos dias por meio de discursos e em redes sociais, acirrando uma rixa que deve seguir latente até a eleição do novo governador de Alagoas, em outubro.

Parte dessa disputa tem como motivação a eleição presidencial. Mesmo sem apoio formal do MDB, o grupo de Renan já declarou apoio a Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Do outro lado, distribuindo benefícios com recursos federais, Lira quer montar um palanque (mesmo que isso não fique explícito na campanha) para Jair Bolsonaro (PL) e lucrar com a boa vontade presidencial entre seus aliados.

Apesar de não serem candidatos ao governo, os dois são protagonistas dos grupos mais fortes e influentes na política alagoana e são considerados peça-chave para a sucessão ao Palácio República dos Palmares.

O MDB do senador Renan Calheiros e do filho lidera hoje: elegeu 38 prefeituras em 2020, contra 29 vencidas pelo PP na última eleição. Ao todo, os dois maiores partidos no estado controlam nada menos que dois terços dos 102 municípios alagoanos —fora os apoios a líderes de partidos aliados.

Mais que uma disputa política e por poder, nos bastidores é unânime que a rixa entre Arthur Lira e Renan Filho tem contornos pessoais e envolve mostrar "quem é mais forte". Ambos são filhos de líderes políticos influentes e que crescem agora para manter os redutos herdados.

A eleição de 2022 é vista como a oportunidade de mostrar quem dos dois será o mais forte na política alagoana daqui por diante.

Acusações e ataques

A troca de farpas intensa começou na sexta (17), quando Lira publicou um vídeo com ataques à gestão de Renan Filho e disse que tinha "pena" do próximo governador que assumisse a gestão dos hospitais inaugurados por Filho em sete anos de mandato.

"Nosso estado recebeu muitos recursos do governo federal, dentre eles, o excesso de arrecadação do ICMS. Da gasolina que você paga. Da falta de sensibilidade do governador em baixar o ICMS para que pudesse sobrar mais dinheiro no seu bolso para comprar alimentos, pagar as contas dos seus filhos", postou Lira.

Renan devolveu com uma postagem nas redes sociais irônica e com um discurso ainda mais duro, no dia seguinte (18), durante evento de governo em Viçosa.

"Na hora que o Brasil estava precisando de ajuda dele lá em Brasília, quando faltou oxigênio no Amazonas, nós acolhemos em nossos hospitais o povo amazonense. Arthur Lira, presidente da Câmara: pena o nosso povo tinha da Alagoas do passado e da velha política que você representa", disse.

Você é rei do orçamento secreto, só manda dinheiro para custeio, a gente nunca viu uma obra sua, nem de Jair Bolsonaro neste estado."
Renan Filho, governador de Alagoas

No mesmo dia, Lira fez outro vídeo e rebateu o governador dizendo que tinha obras no estado e que o governador precisaria "se informar".

A disputa

A rixa das duas famílias não vem de agora. Na primeira eleição para o governo, em 2014, Renan Filho bateu o pai de Arthur, Benedito de Lira. Desde então, as duas famílias mantiveram uma distância dos conflitos (ao menos em público). Quando Arthur foi eleito presidente da Câmara, por exemplo, Renan Filho congratulou o conterrâneo, que dias depois o visitou no Palácio República dos Palmares.

Tudo parecia ir bem até que, em julho de 2021, por exemplo, o UOL revelou uma ação de Lira contra Renan no STF (Supremo Tribunal Federal). A ação do PP contra o governo pediu que os municípios da região metropolitana de Maceió tivessem direito a parte dos R$ 2 bilhões que foram pagos pela BRK pela concessão do saneamento básico.

Ao todo, 13 municípios passaram a ter serviços prestados pela empresa desde 1º de julho —entre eles a Barra de São Miguel, município governado por Benedito de Lira (PP).

Arthur beija o pai, Benedito, em ato de campanha em 2020 - Divulgação/Arthur Lira - Divulgação/Arthur Lira
Arthur beija o pai, Benedito, em ato de campanha em 2020
Imagem: Divulgação/Arthur Lira

Renan Filho está com os dias contados para renunciar ao cargo e concorrer ao Senado, provavelmente contra o senador Fernando Collor (PROS). Mas este pode disputar outro cargo e fugir da disputa contra o governador.

Renan vai apoiar para sua sucessão o deputado estadual Paulo Dantas (MDB). O parlamentar já tem acordo com a maioria da Assembleia Legislativa e deve ser confirmado como governador tampão até 31 de dezembro de 2022 (o vice eleito de Renan Filho, Luciano Barbosa, renunciou em 2020 para ser candidato —e vencer— a prefeito de Arapiraca pelo MDB).

Já Lira ainda busca um nome para apoiar na eleição do governo de Alagoas e Senado. Candidato à reeleição do cargo federal, o presidente da Câmara ainda tenta convencer o prefeito de Maceió, João Henrique Caldas (PSB), a deixar o cargo e disputar a vaga ocupada hoje pelo seu desafeto.

Entretanto, com chances remotas de JHC renunciar, outros dois nomes surgem como favoritos a receber esse apoio: o senador Rodrigo Cunha (PSDB) e o ex-prefeito de Maceió Rui Palmeira (PSD).

Disputa começa na esfera nacional

Para o cientista político Ranulfo Paranhos, professor da Ufal (Universidade Federal de Alagoas), a disputa das duas famílias começa esfera nacional.

"Isso tem relação com o posicionamento do senador Renan Calheiros e de Arthur Lira em relação ao presidente da República e às eleições deste ano: Renan apoia Lula, e Lira —por força do momento— apoia Bolsonaro.

Lula posa com Renan Calheiros e Renan Filho após reunião em São Paulo - Divulgação/Ricardo Stuckert - Divulgação/Ricardo Stuckert
Lula posa com Renan Calheiros e Renan Filho após reunião em São Paulo
Imagem: Divulgação/Ricardo Stuckert

Paranhos lembra que os grupos têm na eleição de 2022 uma prova de fogo, já que ambos dominam o interior, mas indicaram nomes que perderam a eleição de Maceió —que tem um terço dos habitantes do estado.

Ele afirma que, apesar de terem forças, os Renan têm vantagem hoje em termos de capilaridade. "O grupo dos Calheiros já é um grupo consolidado, forte e partidário. São políticos identificados com o MDB. Já o grupo do Arthur Lira é uma novidade. Não sabemos como é que está esse cenário agora, com as mudanças na lei", afirma, citando a possibilidade das federações partidárias.

Para ele, sem um nome forte criado em sua base, restou a Lira apoiar um nome da oposição para fazer frente ao candidato dos Calheiros ao governo —e assim enfraquecer o grupo rival.

Para o Arthur Lira é uma jogada nova, porque você tem um grupo que tem força de competir, mas que ainda não está no mesmo nível [do grupo dos Calheiros]. Na verdade, a disputa entre eles virou uma coisa meio pessoal."
Ranulfo Paranhos, cientista político