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Carlos Madeiro

REPORTAGEM

Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

Fraude em vacina amplia erros e ataques a dados do SUS na gestão Bolsonaro

O ex-presidente Jair Bolsonaro ao lado do seu ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, em 2021, durante a pandemia - Myke Sena/Ministério da Saúde
O ex-presidente Jair Bolsonaro ao lado do seu ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, em 2021, durante a pandemia Imagem: Myke Sena/Ministério da Saúde

Colunista do UOL

07/05/2023 04h00

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A investigação que mostra a inserção de informações falsas sobre a vacinação de Jair Bolsonaro, de sua filha Laura e de aliados é só mais um capítulo de uma gestão de dados recheada de falhas e ataques no ConecteSUS. Durante o governo Bolsonaro, o sistema de vacinação contra a covid-19 sofreu com invasões e o lançamento de dados falsos de pacientes.

O que aconteceu

Em 2021 e 22, ao menos quatro problemas ganharam projeção pública. Entre eles está a entrada de pessoas para inserção de dados falsos de vacinação e informações pessoais de pacientes.

A Polícia Federal investiga a inserção indevida de dados em 2021 e 22, apontando uma vacinação falsa de Bolsonaro no ConecteSUS. Esse suposto esquema fez o ex-presidente e pessoas próximas a ele conseguir o passaporte vacinal para viajar a outros países.

Os municípios são responsáveis pela imunização e cadastram as informações no sistema, como nome do paciente, local da vacinação, idade, sexo, data de aplicações e tipo de vacina usada. Por isso, a suposta fraude na vacinação de Bolsonaro ocorreu em Duque de Caxias (RJ), e não poderia ser executada por integrantes do governo federal ou estadual.

Para especialistas, faltaram investimentos e planejamento no ConecteSUS.

Perdeu-se uma grande oportunidade de melhorar o nosso sistema de dados. Se tivessem pensado nisso, seria muito útil hoje. Ter dados abertos, em tempo real, é importante para saber como está a cobertura [vacinal] em cada cidade."
Krerley Oliveira, pesquisador do projeto Modcovid, que analisou o sistema de dados da vacinação em 2021

Sequência de erros no ConecteSUS

Em agosto de 2021, caiu o acesso ao comprovante de vacinação. Uma falha no ConecteSUS levou as pessoas a terem dificuldade em acessar informações para comprovar vacinação.

Em novembro de 2021, Átila Iamarino informou que teve seus dados adulterados no sistema. E isso não ocorreu somente com o divulgador científico, mas com outras pessoas, como a política Manuela d'Ávila —que foi colocada como morta no ConecteSUS.

Em dezembro de 2021 um ataque hacker deixou o ConecteSUS fora do ar. A plataforma apresentou instabilidade no acesso por pelo menos 13 dias. Muitos sistemas demoraram mais de 30 dias para voltar ao normal.

Em janeiro de 2022, uma falha no aplicativo criou uma brecha para as pessoas validarem a vacinação por meio de qualquer QR Code. Isso fez com que não imunizados conseguissem emitir o passaporte da vacina.

O que dizem os pesquisadores

Krerley Oliveira, do projeto Modcovid, afirma que o sistema de dados da vacinação em 2021 foi feito sem o devido planejamento. O pesquisador também faz parte do Laboratório de Estatística e Ciência dos Dados da Ufal (Universidade Federal de Alagoas).

Como foi algo emergencial, o tempo era importante. Mas era necessário fazer as correções detectadas em um tempo razoável, e não foi. Foram vários pontos negligenciados."
Krerley Oliveira, pesquisador do projeto Modcovid

A avaliação do sistema encontrou diversos problemas nos dados inseridos, como registros duplicados e erros em informações pessoais. Até 27 mil pessoas, à época, tinham tomado mais de uma dose, sendo que a vacina contra a covid não estava liberada para elas.

Havia pacientes que 'receberam' a segunda dose antes da primeira. Isso mostra que, operacionalmente, o sistema não foi planejado adequadamente para a tarefa que iria executar."
Krerley Oliveira, pesquisador

App ConecteSUS, que exibe certificado de vacinação para cidadãos brasileiros - Marcelo Camargo/Agência Brasil - Marcelo Camargo/Agência Brasil
App ConecteSUS, que exibe certificado de vacinação para cidadãos brasileiros
Imagem: Marcelo Camargo/Agência Brasil

O país dispõe de diversos sistemas de informação de saúde, alguns com até cinco décadas de funcionamento, segundo Alcides Miranda, pesquisador e professor da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul).

O desafio seria vincular esses sistemas em uma linguagem interativa e que integrasse os sistemas. E isso não teria ocorrido, segundo o pesquisador Miranda.

Além de não ter havido investimentos para esse propósito, a partir de 2016 os sistemas sofreram degradações em vários pontos de sua rede: desde a coleta, o processamento e a disponibilização de dados."
Alcides Miranda, da UFRGS

Outro ponto que dificultou a gestão foi a falta de dados atualizados do Censo (que está atrasado desde 2020), segundo o especialista.

Além da falta de investimentos, essa degradação indica problemas no custeio, na manutenção e na reposição de pessoal técnico no DATASUS. O resultado tem sido a inconsistência de algumas informações imprescindíveis e estratégicas".
Alcides Miranda

O que diz o Ministério da Saúde

Procurado pela coluna, o Ministério da Saúde afirmou que todas as informações inseridas no sistema de registro de imunizações do SUS "são rastreáveis e feitas mediante cadastro".

[No caso da fraude sobre o cartão de Bolsonaro] Não há relato de invasão externa (sem cadastro) ao sistema do Ministério da Saúde, que mantém rotina para a sua segurança e regularmente passa por auditoria."
Ministério da Saúde, em nota

A coluna também procurou o ex-ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, pelo seu celular, mas não recebeu retorno até o momento.