Para fugir de dívidas, herdeiros de Pedro pedem fim de sociedade com Collor
A viúva e os dois filhos de Pedro Collor, irmão do ex-presidente Fernando Collor, pediram à Justiça de Alagoas que o empresário deixe de ser considerado sócio das empresas da família, a OAM (Organização Arnon de Mello). O objetivo é evitar que a herança deixada por Pedro a Thereza Collor e seus filhos seja usada para pagar dívidas milionárias do grupo de comunicação.
Morto em dezembro de 1994, Pedro fez uma série de acusações que culminaram no impeachment do irmão, em 1992.
Ao todo, o grupo negocia R$ 64 milhões com credores, fora dívidas de impostos, que somavam mais de R$ 284 milhões em 2019. Comandado por Fernando, o grupo está em recuperação judicial desde 2019, mas o plano de pagamento das dívidas não foi aprovado pela Justiça até hoje, por suspeita de irregularidades.
O pedido dos herdeiros de Pedro foi feito dentro do processo da recuperação judicial, no último dia 18.
O espólio se vê diante de situação periclitante, temendo ter que responder por dívidas que não são suas, razão pela qual busca neste pedido o remédio judicial necessário à sua clamação para se afastar desse mal que se arrasta por todos esses anos.
Trecho de pedido dos herdeiros de Pedro Collor
Procurado, o ex-presidente Fernando Collor não quis se manifestar. A OAM não se pronuncia mais sobre a recuperação judicial. Já o administrador judicial do processo, José Luiz Lindoso, afirmou não poder opinar por ainda não ter tido acesso ao pedido dos herdeiros.
Pedro era sócio minoritário em cinco empresas do grupo, segundo registro na Junta Comercial de Alagoas:
- Rádio Gazeta: 5,45%
- Rádio Clube de Alagoas: 5,45%
- Jornal Gazeta de Alagoas: 5,14% do total
- Gráfica e Editora Gazeta de Alagoas: 5%
- TV Gazeta: 4,86%
Thereza e os filhos afirmam que é injusto pagar dívidas das empresas com a herança deixada por Pedro, visto que o empresário morreu há quase 30 anos. Após sua morte, dizem, os herdeiros "não participaram de atos de gestão, não influenciaram nas decisões administrativas e tampouco auferiram proventos da sociedade".
Cabe ressaltar que a recuperação judicial é decorrente de situações absolutamente distantes da data de falecimento do Sr. Pedro. Portanto, não há que se falar em responsabilização do espólio ou dos herdeiros pelos débitos da sociedade.
Trecho de pedido dos herdeiros de Pedro Collor
Sem receber, trabalhadores querem patrimônio dos sócios
O pedido acontece após o patrimônio deixado por Pedro começar a ser acionado na Justiça.
Ex-funcionários da OAM que sofreram calote têm procurado a Justiça do Trabalho para denunciar que os acordos judiciais de pagamento não estão sendo cumpridos. Eles pedem a desconstituição da pessoa jurídica das empresas —ou seja, que a Justiça use o patrimônio pessoal dos sócios para pagá-los.
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Quero receberJá há sentenças favoráveis à cobrança dos sócios.
Na quinta-feira (25), em um processo movido por um trabalhador, o TRT (Tribunal Regional do Trabalho) de Alagoas derrubou decisão de primeira instância e autorizou o uso do patrimônio pessoal dos sócios para pagamento de dívidas.
A tendência é que essa decisão se repita, e outros trabalhadores tenham o mesmo direito.
Outro processo em que os sócios já são cobrados está em grau de recurso do TST (Tribunal Superior do Trabalho). Nesse caso, a Justiça conseguiu bloquear o valor devido das contas de Caroline, mulher de Fernando Collor. Por isso, não precisou buscar dinheiro na conta de outros sócios.
Nas ações trabalhistas, os representantes do espólio de Pedro têm sempre pedido a exclusão da cobrança, em nome dos herdeiros.
A compreensão de que a responsabilidade pós-óbito não é uma sentença perpétua é essencial para preservar a estabilidade e a justiça nas relações societárias. A responsabilidade é circunscrita ao período que antecede o óbito, respeitando o marco temporal estabelecido pelo legislador, que é de até dois anos.
Trecho de pedido dos herdeiros de Pedro Collor
Viúva tentou deixar empresas, diz advogada
Advogada dos herdeiros de Pedro, Lindonice de Brito diz que, logo após a morte do marido, Thereza Collor fez um acordo para sair da sociedade. Mas o acordo nunca chegou a ser oficializado.
Houve, à época, um termo de permuta em que ela abria mão da parte dos imóveis [da sociedade] por um imóvel único. Ela já vinha fazendo reiterado pedidos à família para ser retirada, mas acabou ficando. Agora, com essa confusão [da recuperação], esse pedido é mais um reforço.
Lindonice de Brito, advogada dos herdeiros
Herdeira de metade dos bens do marido, Thereza teria feito o acordo por saber que Pedro e Fernando tinham uma relação ruim. Os desentendimentos entre eles culminaram com o impeachment do então presidente, em 1992. No STF, porém, Collor foi absolvido por falta de provas, em 2014.
É histórico: não existe um bom entendimento familiar entre Thereza e os sócios; no caso, hoje, o Fernando Collor, que é majoritário.
Lindonice de Brito
Pedro teve papel importante na história das empresas de comunicação da família. Ele era diretor-presidente do grupo quando a TV Gazeta (afiliada Globo) foi inaugurada, em 1975.
Também foi diretor por anos do jornal Gazeta de Alagoas e era diretor da OAM na época em que denunciou o irmão.
Três irmãos ainda constam na sociedade
Além de Pedro, outros três irmãos de Fernando ainda constam no quadro societário do grupo:
- Ana Luiza Collor - morreu em 2013 e não deixou filhos. Fernando é o inventariante do espólio.
- Leopoldo Collor - também morreu em 2013, deixando mulher e quatro filhos. A representante dos herdeiros tem alegado na Justiça trabalhista que a parte de Leopoldo foi repassada a Fernando.
- Leda Collor - única irmã viva do ex-presidente, alega também que vendeu sua cota a Fernando, e por isso não pode ser cobrada.
Gestão Collor na OAM
A OAM enfrenta grave crise financeira e tenta se recuperar há pelo menos cinco anos, quando entrou em recuperação judicial, em um processo marcado por polêmicas.
Ao longo dos anos, só em "empréstimos" da TV aos sócios (todos da família), foram R$ 125 milhões, que nunca foram pagos. Isso foi gerando, ao longo dos anos, uma grande dívida.
O plano de pagamento apresentado pelo grupo foi aprovado por credores em julho de 2022, mas não foi homologado pela Justiça por questionamentos legais.
Credores da área trabalhista denunciaram irregularidades na votação, como uma suposta "compra de votos." Isso levou a Justiça a sugerir abertura de inquérito policial para investigar eventual crime falimentar.
O Ministério Público alegou, em parecer, que as empresas da OAM fizeram novos "empréstimos" aos sócios durante o período da recuperação — o que é vetado — em um valor total de R$ 6,4 milhões.
Além da crise, a OAM enfrenta outro problema: a Rede Globo decidiu não renovar contrato com a TV Gazeta para retransmissão do canal em Alagoas, alegando que a empresa foi usada em um esquema de corrupção que resultou na condenação de Collor à prisão, pelo STF.
A TV Gazeta chegou a conseguir uma liminar em primeira instância obrigando a Globo a renovar contrato por cinco anos, mas ela foi derrubada pelo Tribunal de Justiça poucos dias depois.
A relação contratual, porém, foi mantida até que os desembargadores tomem uma decisão colegiada. A Gazeta alega que, se a Globo sair, o grupo deve ir à falência.
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