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Jamil Chade

Restrições ao vírus impulsionam recuperação econômica, diz apuração global

Resposta do mundo à covid-19 começa a ser revista. Países foram lentos e subaproveitaram informações disponíveis, avalia painel -                                 XAVIER GALIANA / AFP
Resposta do mundo à covid-19 começa a ser revista. Países foram lentos e subaproveitaram informações disponíveis, avalia painel Imagem: XAVIER GALIANA / AFP

Colunista do UOL

19/01/2021 04h00

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Uma investigação conduzida por um grupo independente criado pela OMS (Organização Mundial da Saúde) revela que a economia sofreu menos nos países que optaram por adotar medidas mais drásticas para salvar vidas e controlar a circulação do vírus. A conclusão faz parte do informe preliminar da comissão que investigou o comportamento de governos e da OMS diante da pandemia.

As conclusões contradizem uma das principais bandeiras do governo de Jair Bolsonaro, que insistia que lockdown criaria uma situação perigosa para milhões de pessoas que, no fundo, sofreriam mais pelas consequências do confinamento que pelo vírus.

Para a comissão, porém, o debate entre saúde e econômica não fazia sentido. "Priorizar a saúde ou priorizar a economia provou ser uma falsa dicotomia", diz o informe, que será oficialmente apresentado hoje. A investigação foi criada depois que governos como o do Brasil e Estados Unidos lideraram uma ofensiva diplomática para garantir que a resposta da OMS fosse apurada.

Agora, a constatação do grupo é de que discursos como o do presidente brasileiro não condiziam com a realidade. "Uma observação preliminar do painel é que os resultados econômicos têm sido melhores em economias onde medidas rigorosas de controle de saúde pública têm sido implementadas efetivamente, e nesses países os resultados de saúde medidos pelo número de casos e mortes têm sido substancialmente melhores", alertou.

O documento não traz dados de cada um dos países e a perspectiva é de que tais conclusões poderão ser apresentadas em maio. Por enquanto, porém, o grupo alerta que governos que agiram para controlar o vírus também conseguiram se recuperar mais rapidamente da recessão.

"O mesmo padrão parece se aplicar ao ritmo da recuperação, com medidas de saúde pública mais rigorosas sendo seguidas por recuperações econômicas mais fortes", apontou.

"Embora o painel esteja ciente de que a pandemia está em curso, e assim as tendências de longo prazo em relação ao impacto econômico ainda não foram definitivamente estabelecidas, acreditamos, no entanto, que existem evidências suficientes para estarmos confiantes de que as decisões para implementar medidas rigorosas de controle de saúde pública não deixarão as economias, pelo menos, em pior situação do que aquelas que não implementam essas medidas, ao mesmo tempo em que evitam significativamente mais mortes e doenças", insistiu.

A avaliação do grupo é de que existem laços críticos entre o controle de epidemias e a atividade econômica. "Por exemplo, há evidências de que, a menos que as pessoas se sintam seguras, elas estarão relutantes em se envolver novamente em atividades econômicas e sociais fundamentais, tais como a escolaridade ou o comércio", indicou.

OMS fracassou, China foi lenta e países ignoraram alertas

Outra constatação da investigação é de que, quando a OMS declarou sua emergência global no final de janeiro de 2020, muitos governos simplesmente ignoraram os alertas e adotaram "medidas mínimas" diante do surto.

As críticas também são direcionadas para a China e para a própria OMS. Conforme a coluna revelou na semana passada, o sistema criado pela agência internacional é insuficiente para dar uma resposta a uma pandemia.

A investigação ainda conclui que medidas de saúde pública poderiam ter sido adotadas de forma mais rígida por partes das autoridades da China em janeiro e que a situação em Wuhan poderia ter recebido uma atenção mais rápida.

"Também está claro para o painel que havia evidência de casos em vários países até o final de janeiro de 2020. Medidas de contenção da saúde pública deveriam ter sido implementadas imediatamente em qualquer país com um caso provável", constatou. "Elas não foram", lamentou o grupo.

Transmissão entre humanos foi subestimada, avalia painel

"Da mesma forma, as primeiras evidências do sucesso das medidas tomadas contra a SRA-CoV-2 poderiam ter sido compartilhadas mais ampla e proativamente, e deveriam ter sido tomadas medidas mais rapidamente para empregar as medidas de contenção mais bem sucedidas em todos os lugares onde os casos apareceram", constatou.

O painel ainda observou que quando a OMS conduziu um briefing técnico em sua sessão do Conselho Executivo em 4 de fevereiro de 2020, informou que havia mais de 12.000 casos confirmados na China, mas apenas 176 casos no resto do mundo. Ela também disse que existiam evidência definitiva de transmissão entre humanos, e também um sinal claro para todos os países que precisavam agir rapidamente para conter a propagação.

"Em muitos países, este sinal foi ignorado", completou.

O processo foi chefiado pela ex-primeira-ministra da Nova Zelândia, Helen Clark, e pela ex-presidente da Libéria, Ellen Johnson Sirleaf. Elas, porém, decidiram que iriam investigar não apenas a agência internacional, mas como governos responderam à crise. O governo Bolsonaro chegou a fazer campanha para que o ex-ministro da Saúde, Nelson Teich, fizesse parte da comissão. Seu nome não ganhou apoio.