Chefe das buscas evita elo emocional em Brumadinho: "Tenho que ser frio"
A sequência de imagens do rompimento da barragem da Vale em Brumadinho (MG) é marcante: a terra que desaba, vira lama e leva tudo pelo caminho, deixando um rastro de mortes, perdas e dor na população local. Mas, para um dos principais responsáveis pela operação de buscas que começou em seguida, não houve tempo desde então para lágrimas ou outras manifestações de emoção.
"Evito o contato com a comunidade para não ter um envolvimento emocional e perder a razão. Tenho que ser frio", afirma ao UOL o capitão Leonard de Castro Farah, 34, comandante das operações de busca e salvamento do Corpo de Bombeiros de MG em Brumadinho.
No último dia 25, Farah estava com a mulher e os dois filhos aproveitando as férias em um clube de Belo Horizonte. Tinha acabado de se recuperar de uma fratura no pé.
Assim que as primeiras informações do rompimento da barragem começaram a chegar, o capitão recebeu um telefonema: "Vou precisar de você lá", dizia, do outro lado da linha, o tenente-coronel Eduardo Ângelo, seu superior imediato.
Farah chefia a Companhia de Busca e Salvamento do Batalhão de Emergências Ambientais e Resposta a Desastres (Bemad) dos bombeiros do estado. Desde 2009, passou a se especializar no assunto, com um mestrado em engenharia geotécnica e pós-graduação em gestão de desastres feita no Japão em 2017.
Três tragédias e o legado de Mariana
Nos últimos cinco anos, o capitão dos bombeiros acumulou a experiência prática de atuar nas buscas de três desastres em Minas Gerais.
Em 2014, o rompimento de uma barragem da Herculano Mineração deixou três mortos em Itabirito. No ano seguinte, a queda da barragem do Fundão, em Mariana, causou 19 mortes. Em Brumadinho, já são mais de 130, e as buscas ainda devem continuar por mais algumas semanas.
Cerca de 90% dos bombeiros que atuam em Brumadinho estavam em Mariana também (...). Mariana nos ajudou muito a adquirir um conhecimento que agora estamos usando
Capitão Leonard da Costa Farah
Ao comparar as duas tragédias, o capitão define o desastre de Mariana como aquele que teve maior impacto ambiental. Em Brumadinho, como apontam os números, o mais grave foi o impacto humano.
Responsável por planejar as buscas e orientar as equipes que atuam na lama, Farah diz que a operação em Mariana passou a servir de referência para o treinamento dos bombeiros. Em um curso em novembro, os alunos comentavam que estavam sendo preparados para algo que jamais aconteceria novamente. O tempo mostrou que estavam errados, e a tragédia se repetiu em novas proporções.
Para Farah, o momento mais chocante que viveu nos últimos dias foi exatamente aquele em que se deu conta das dimensões do desastre de Brumadinho. Assim que chegou ao local e partiu para um sobrevoo de reconhecimento, o sentimento foi de incredulidade: "Não acredito que aconteceu de novo. Isso é surreal. Vai ser muito pior", diz ter pensado naquele instante.
Falhas no plano de contingência da Vale
O comandante das operações de busca em Brumadinho conta que uma de suas primeiras medidas foi pedir à Vale uma cópia do plano de contingência da empresa para a barragem.
Quando peguei, vi que o plano de contingência não era exequível, por causa das edificações embaixo da barragem. O tempo de resposta ali era praticamente zero
Capitão Leonard da Costa Farah
Na semana passada, o jornal Folha de S.Paulo revelou que o documento previa que, em caso de rompimento da barragem, a onda de rejeitos e lama poderia atingir o refeitório dos funcionários e a área administrativa da Vale em até um minuto.
Em nota enviada ao UOL, a Vale afirma que "todas as barragens da empresa caracterizadas tecnicamente como de dano potencial alto possuem um Plano de Ação de Emergência de Barragens de Mineração (PAEBM), conforme estabelece a legislação brasileira".
"Esse plano é construído com base em estudos técnicos de cenários hipotéticos para o caso de um rompimento", acrescenta o texto. "O PAEBM prevê qual será a mancha de inundação e também a zona de autossalvamento."
Exposição e reconhecimento
Durante o trabalho em Brumadinho, Farah teve a chance de atuar junto com a equipe de israelenses que participou das buscas na semana passada. O capitão, que sonha em um dia atuar junto à ONU na reação a desastres, diz que o intercâmbio foi produtivo.
"Foi uma experiência muito importante", avalia. Mas revela também que os israelenses tiveram dificuldades: habituados a atuar em zonas de terremotos e explosões, não estavam acostumados a trabalhar com a lama. "Você pode ver que eles quase sempre voltavam das buscas com os uniformes limpos", observa Farah.
Com os holofotes do protagonismo que os bombeiros exerceram em Mariana e Brumadinho, vieram o reconhecimento da população afetada pelas duas tragédias e a fama da exposição na mídia.
No início do ano, já estava em finalização um documentário sobre o trabalho dos bombeiros em Mariana - "Anjos de Mariana", dirigido por Julio Augusto Souto Fernandes. Agora, segundo Farah, o projeto é ter, em breve, uma série na Netflix, com a história de bombeiros que atuaram em Brumadinho e foram alunos do curso de operações em zonas de desastre.
Nas bases das operações em Brumadinho, voluntários chegam a lavar as fardas sujas de lama dos bombeiros, arrumam suas camas nos abrigos improvisados e deixam bilhetes com mensagens de apoio e agradecimento, junto com chocolates.
"Esse reconhecimento é muito bom", afirma Farah. "O trabalho que esses voluntários fazem é fundamental. Eles são a nossa retaguarda."
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.