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Tragédia em Brumadinho

Indenizações sem pagar e ninguém preso: 3 anos após a tragédia de Mariana

Uma sala de estar destruída pela lama em Paracatu de Baixo; comunidade foi uma das três devastadas pelos rejeitos da barragem do Fundão, em 2015 - Alex Tajra
Uma sala de estar destruída pela lama em Paracatu de Baixo; comunidade foi uma das três devastadas pelos rejeitos da barragem do Fundão, em 2015 Imagem: Alex Tajra

Alex Tajra

Do UOL, em São Paulo

06/02/2019 04h01

Resumo da notícia

  • Há 3 anos, barragem da Samarco, controlada em parte pela Vale, se rompeu em Mariana e matou 19, além de afetar milhares
  • Dos 53 mil pedidos de indenização feitos, 84% não foram pagos
  • O processo criminal ainda ouve testemunhas e ninguém foi condenado ou preso
  • Nenhuma das 3 comunidades destruídas foi reconstruída: Bento Rodrigues, Paracatu e Gesteira
  • A mineradora entrou na Justiça e ganhou o direito de descontar das indenizações finais as doações feitas a pescadores
  • A Fundação Renova, criada após a crise, afirma que gastou R$ 1,3 bilhão em auxílios financeiros e indenizações

Indenizações a pagar, nenhum responsável preso e localidades ainda destruídas. Esse é parte do balanço quase 40 meses depois de um dos maiores desastres ambientais da história do país, o rompimento da barragem da Samarco, controlada em parte pela Vale, em Mariana (MG).

Em 5 de novembro de 2015, perto das 16h, a barragem do Fundão se rompeu e atingiu mais de 40 cidades de Minas Gerais. Enredo, atores e cenários semelhantes à tragédia de Brumadinho, que deixou pelo menos 142 mortos e devastou a região

O turbilhão de rejeitos de minério em Mariana foi pelo menos três vezes maior. Cerca de 50 milhões de metros cúbicos de lama despencaram da barragem e atingiram 321 mil vidas.

Ainda não é possível comparar os danos ambientais das duas tragédias. Enquanto a lama do Fundão destruiu a bacia do Rio Doce, há um risco, a se confirmar, de os rejeitos de Brumadinho atingirem o rio São Francisco.

Indenizações 

Foram estabelecidas diferentes indenizações para os atingidos, e no meio disso, não faltam relatos de famílias sentindo-se prejudicadas.

De acordo com a Fundação Renova, criada por uma decisão da Justiça para gerir as reparações e o atendimento aos atingidos, das 53.200 solicitações de indenização feitas, 8.417 foram pagas. O número diz respeito a todas as cidades atingidas, menos Mariana, onde os atingidos estão sob regras específicas. 

A fundação afirma que as pessoas que "fizeram o cadastro e foram ou venham a ser consideradas diretamente atingidas terão seus processos analisados e, se forem elegíveis, serão chamadas para atendimento, à medida que as políticas de indenização para cada grupo de atingidos forem sendo definidas."

"Aquilo que aconteceu em Mariana (...), se nós formos ver, ainda não demos, enquanto sistema, a devida justiça às vítimas", disse o presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), Dias Toffoli, na última semana.

O MP-MG teve de intervir em pelo menos 283 casos em que a Fundação Renova descumpriu os acordos em Mariana. Só no ano passado, foram 118 casos. 

Além disso, no fim do ano passado, durante o recesso natalino, a Samarco ganhou na Justiça o direito de descontar das indenizações totais as verbas que foram adiantadas a pescadores do Rio Doce. Há o temor, por parte da Articulação Internacional dos Atingidos e Atingidas pela Vale, que medida similar seja aplicada em Brumadinho. 

Ao UOL, a Fundação Renova informou que gastou, até janeiro deste ano, R$ 1,3 bilhão em auxílios financeiros e indenizações para atingidos de toda a baciaSegundo eles, os valores foram gastos em:

  • Indenizações para 264.812 pessoas que tiveram a interrupção temporária de abastecimento de água em decorrência do rompimento. Ao todo, foram pagos R$ 263 milhões.
  • Cerca de R$ 343 milhões pagos por danos gerais. 
  • Auxílio financeiro mensal para mais de 26 mil pessoas que sofreram impacto direto na sua atividade econômica ou produtiva em função do rompimento da barragem. Os auxílios financeiros correspondem, ao todo, a R$ 722 milhões pagos.

O governo do Estado de Minas Gerais afirmou, em fevereiro de 2016, que os valores pagos deveriam ser maiores. O documento embasou uma ação civil pública de R$ 155 bilhões impetrada pelo Ministério Público Federal em maio daquele ano, mas esse processo está suspenso no momento por conta de negociações entre as partes. 

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Nenhum processo foi concluído, ninguém foi preso

Na Justiça, dezenas de processos se arrastam. São 20 ajuizados só pelo Ministério Público de Minas Gerais (19 civis e 1 criminal). Os maiores e mais complexos são três, todos longe de serem concluídos:

  1. um acordo de reparação e indenização específico para os atingidos de Mariana, capitaneado pelo MP-MG;
  2. um acordo para os outros atingidos da bacia do Rio Doce, realizado juntamente ao MPF, chamado de TAC (Termo de Ajuste de Conduta) Governança
  3. e um processo criminal em que 21 pessoas são acusadas de homicídio doloso, além de quatro empresas: Vale, BHP Billiton, Samarco e VogBR - ainda ouvindo testemunhas

Esse último processo, que inclui o ex-presidente da Samarco, Ricardo Vescovi, como réu, não caminhou muito. Ninguém foi preso. 

A ação corre na Justiça Federal de Ponte Nova (MG), cidade de 60 mil habitantes. Além de homicídio doloso - com a intenção de matar, os ex-dirigentes da empresa também respondem por inundação, desabamento e lesão corporal. 

Pequeno templo foi invadido pela lama da barragem do Fundão em 2015 - Alex Tajra - Alex Tajra
Pequeno templo foi invadido pela lama da barragem do Fundão em 2015
Imagem: Alex Tajra

Vítimas tiveram tratamentos diferentes

O acordo também traçou destinos diferentes para os atingidos:

  • Atingidos que moram em Mariana conseguiram o que a Justiça chama de "inversão do ônus da prova", ou seja, não têm que provar que foram prejudicados quando pedem indenização. O ônus cabe às empresas.
  • Atingidos na bacia do Rio Doce, caso de pescadores que já não podem exercer suas atividades, precisam provar que foram prejudicados e se queixam de que a Fundação Renova, que gerencia as ações de reparação, escolhe, a seu critério, quem é atingido e quem não é. 
  • Em Mariana, a assessoria técnica é feita pela Cáritas, instituição internacional ligada à Igreja Católica. As assessorias fazem levantamentos sobre as perdas dos atingidos, levando em consideração tudo que foi perdido ou modificado por conta da queda da barragem.
  • No resto da bacia, os atingidos vivem uma espécie de limbo jurídico em relação às assessorias. Em agosto do ano passado o juiz federal Mario de Paula Franco Júnior modificou a cláusula 7.3 do Tac Governança e proibiu que as assessorias tenham "vinculação político-partidária, ou relação com movimentos sociais, ONGs e entidades religiosas." O MPF está recorrendo da decisão. 

"Os atingidos estão sendo tratados de forma não isonômica", afirma ao UOL o promotor de Mariana, Guilherme de Sá Meneghin. 

Essa divergência de processos criou uma série de problemas. A Fundação Renova não informa os critérios que utiliza para designar quem deve ser beneficiado pelas indenizações, questão muito criticada pelo Ministério Público de Minas Gerais e pelo MPF. 

"A Renova tem um apego exagerado à prova documental e ignora as características das pessoas que foram atingidas. Não tem como chegar numa comunidade ribeirinha e pedir uma carteira profissional de pescador, ou um registro do barco que ele tem", diz Rafael Mello, da Defensoria Pública do Espírito Santo.

As cidades foram reconstruídas?

Pelo menos três comunidades foram completamente dizimadas: Bento Rodrigues, Paracatu e Gesteira. Nenhuma das três cidades foi reconstruída pelas mineradoras responsáveis, Vale, BHP Billiton e Samarco.

Nas contas da Fundação Renova, mais de 400 famílias precisam ser reassentadas (225 em Bento Rodrigues, 140 em Paracatu e 37 em Gesteira). A Renova não respondeu quando serão entregues as 'novas cidades', mas informou a situação atual de cada reassentamento:

  • Bento Rodrigues - preparação da infraestrutura e do projeto arquitetônico das casas (previsão de entrega em 2020)
  • Paracatu - solicitação dos licenciamentos necessários
  • Gesteira - Implementação do plano diretor

Até dezembro do ano passado, segundo o Ministério Público de Minas Gerais, 314 famílias estão em imóveis alugados pelas empresas para quem não têm onde morar

Livros e cadernos soterrados em uma casa de Paracatu de Baixo, uma das comunidades que foi completamente tomada pela lama da Samarco - Alex Tajra - Alex Tajra
Livros e cadernos soterrados em uma casa de Paracatu de Baixo, uma das comunidades que foi completamente tomada pela lama da Samarco
Imagem: Alex Tajra

A grande crítica dos atingidos, muitos deles representados pelo Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), é o conflito de interesses dentro da Renova. O conselho curador e a diretoria executiva da Fundação são formados, em sua maioria, por indicações das mineradoras. No primeiro, dos nove integrantes, seis membros foram indicados pelas empresas.

A reportagem do UOL apurou também que o Ministério Público, tanto em nível estadual quanto federal, tem dificuldades de conseguir informações fidedignas da Renova. Quando e se são enviados, os dados apresentados pelo órgão não são transparentes. 

"Na verdade, a criação da Fundação Renova atrasou tudo, as reparações, as indenizações, tudo está demorando mais por conta da criação desse órgão. Ela não tem autonomia, tudo o que faz tem de ser aprovado junto às mineradoras. Percebemos que a Renova só serve para enrolar", argumenta o promotor Sá Meneghin.

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