Meu coração batia no peito dele e parou, diz mãe de morto em Brumadinho
Quase três semanas após a tragédia de Brumadinho (MG), uma reunião na Câmara local com o MPT (Ministério Público do Trabalho) na noite de ontem serviria, a princípio, para familiares de vítimas debaterem a reivindicação de direitos e reparações. Mas o principal direito que parentes dos desaparecidos sob a lama da Vale exigiram é o de dar um enterro digno aos seus.
Depois das falas de procuradores e representantes de sindicatos, o microfone ficou aberto. Parentes e amigos de vítimas reuniram forças para se revezar na dor e na indignação, vivendo o luto em público --para muitos ali, um luto ainda incompleto. Até ontem, segundo a Defesa Civil, eram 155 desaparecidos.
O relato de Andresa Rodrigues acabou servindo como um resumo e uma catarse do sentimento de todos aqueles que ainda esperam dar um funeral aos que ainda não foram encontrados sob a lama. Ela se apresentou como "mãe de um único filho que a Vale assassinou": Bruno, de 26 anos. Leia abaixo os principais trechos da fala de Andresa:
"Eu gostaria de dizer que nenhum valor proposto por essa assassina da Vale cobre a vida do meu filho e dos nossos familiares. Nenhum dinheiro.
Acompanho os meios de comunicação todos os dias, na esperança de [ver] que ali o corpo do meu filho foi encontrado, porque até agora nós estamos tratando que morreram tantos, mas outros 155 estão lá debaixo daquela lama que eles enterraram vivos.
A Vale desmonta montanhas, cava crateras em busca do bem mais precioso dela, que é o minério. O nosso bem mais precioso são os nossos entes queridos, os nossos familiares. É o meu filho, o marido, o pai, a mãe de tantos que estão aqui. E é disso que nós queremos resposta. Nós não aceitamos que nenhum corpo daquele fique debaixo daquela lama.
Foi acidente, não. Acidente é acontecimento casual, fortuito, inesperado, diz o dicionário. Lá eles sabiam do risco que corriam.
Ela [Vale] avaliou em R$ 5,6 bilhões para nos pagar, para poder pagar quem fossem os prejudicados. Se tem R$ 1,6 bilhão que foram bloqueados, ainda tem um saldo de R$ 4 bilhões. E é pouco. R$ 4 bilhões pagam a vida de alguém que está debaixo da lama, ou que está lá no cemitério? Não pagam. E nós não podemos aceitar migalhas. Não podemos. Porque eles levaram nossos filhos, nossos amigos, nossos parentes para o matadouro. Pois sabiam. São assassinos. Não tem outro nome, e é assim que devem ser tratados.
Quem está lá se preocupa com dinheiro, com as ações. Ofertaram o valor de R$ 100 mil para que a gente ficasse mudo.
Cadê a reportagem? Cadê aquela movimentação toda, cadê aquela preocupação? Inclusive a televisão, o que dá ibope, o que dá mídia? São as pessoas que estão lá mortas. E aqui vamos ficar nós, e como nós vamos ficar? Nós vamos ter que fazer um movimento nosso. Juntar quem nos representa verdadeiramente.
Tiraram o que a gente tinha de mais precioso. Tiraram meu único filho, aos 26 anos, se formou em engenharia em agosto do ano passado, e que a gente criou com tanto amor, tanto afinco.
Está aqui o pai do Bruno, a tia do Bruno, a prima, e tantos outros amigos. Está aqui minha prima, que está com o marido debaixo da lama. Está aqui minha aluna, que está com o pai debaixo da lama. Cada rosto que eu olho aqui, tem gente que está em casa, quebrado, com um emocional que não dá conta.
Então eu venho aqui em nome do Bruno, em nome dos todos os... Eu já fiz a conta: 321 mortos, assassinados pela Vale e demais empresas que visam única e exclusivamente lucro e ações. Nós não estamos atrás de dinheiro, mas nós não vamos deixar um centavo para trás. Um, zero vírgula um. Porque é a única forma de penalizar esses capitalistas que matam vidas, fauna, flora, acabou o rio. Todo mundo que utilizava o rio até lá embaixo, como que vai sobreviver agora? Vai viver como? Tem jeito?
Que a Vale tenha a decência de respeitar. Primeiro, que ela encontre todos os corpos que lá estão. E esse é o apelo que eu trago aqui hoje como mãe do Bruno.
Eu sou mãe, e todo mundo que é mãe sabe onde é que o nosso coração bate. E ele bate aonde? É no peito do filho ou é no nosso? É no peito do filho. O meu parou no dia 25 de janeiro, 12:28.
Se tem uma coisa, à parte de Deus, que vai me fazer ficar viva nesta Terra, chama-se justiça. E esse povo não terá sossego.
No dia em que eles disserem "as buscas estão encerradas", se o meu filho estiver lá, ou o parente de qualquer um de vocês, pode me chamar que eu vou fazer greve de fome. Nós vamos ficar lá em cima daquela lama, porque os nossos entes queridos, o bem mais precioso está lá, foi enterrado vivo. Nós não vamos nos calar.
Me desculpem, me perdoem por ter extrapolado o tempo, eu estou engasgada -- mas eu continuo viva. Nós continuamos vivos para dar voz àqueles que estão hoje enterrados, que tiveram a oportunidade de ser enterrados de uma forma digna, ou os que foram enterrados vivos, e que hoje a televisão chama eles de, qual o nome? Desaparecidos. Continuamos firmes e com fé em Deus, porque isso não pode acabar como acabou Mariana.
Muito obrigado e tenham uma boa noite."
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.